Acórdão nº 32016/16.0T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-10-2019

Judgment Date08 October 2019
Acordao Number32016/16.0T8LSB.L1-7
Year2019
CourtCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
A., solteira, maior, residente na Rua …, Lisboa, intentou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra:
- Condomínio B.,
- C.,
- D., Limitada,
- E., e,
- F.
Pede que seja declarada a nulidade ou anuladas as deliberações tomadas na assembleia do condomínio B., em Lisboa em 17.11.2016 transcritas no artigo 5º da petição inicial; sejam os Réus condenados a reconhecer que o espaço do sótão do prédio é de utilização exclusiva da Autora; sejam os Réus condenados a abster-se de vedar o acesso ao sótão pelo interior da fração da Autora e a abrir um novo acesso ao sótão, bem como a retirar o guincho colocado pela Autora na parte da frente da sua fração.
Para tanto, alega, em suma, que, no dia 17.11.2016, teve lugar uma assembleia no condomínio acima referido, tendo sido tomadas deliberações relativamente a matérias que não constavam na convocatória dessa assembleia, sendo certo que não pôde comparecer, não dando o seu acordo às mesmas. Por outro lado, invoca que o sótão que fica por cima da sua fração está afeto à sua utilização exclusiva e que as obras realizadas se limitaram a efetuar um resguardo da parte interior e da parte elétrica, sem prejudicar o arranjo estético ou arquitetónico do prédio, sendo que as obras aprovadas pela assembleia prejudicam a utilização do sótão pela Autora. Por último, invoca que o guincho por si colocado se trata de um mero elemento de mobilidade, justificado pela sua fração se situar num quarto andar sem elevador, o qual não envolveu qualquer obra.
Regularmente citados, os Réus constestaram, pugnando pela improcedência da ação, alegando que já na assembleia de condóminos realizada em 12 de agosto de 2016, à qual a Autora compareceu, foi abordada a questão das obras realizadas nas partes comuns do prédio, tendo ficado ciente das obras em causa, sendo a ordem de trabalhos constante da convocatória explícita.
Mais impugnam que o sótão tenha sido afeto ao uso exclusivo da fração da Autora, o que não só nunca foi autorizado como não resulta do título constitutivo de propriedade horizontal, pelo que as deliberações tomadas devem ser consideradas válidas.
Invocam, ainda, que as obras realizadas pela Autora, seja no sótão seja em relação à colocação do guincho, nunca foram autorizadas pelo condomínio, não se encontram licenciadas, além de colocarem em causa a segurança do prédio.
Concluem, pugnando pela improcedência da ação, e peticionam, em sede de pedido reconvencional, que a Autora seja condenada a repor o sótão no estado anterior às obras por si realizadas, e a retirar o guincho por si colocado.
A Autora, respondeu, mantendo a versão já constante da petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto e com estes fundamentos, o Tribunal:
a) Julga totalmente improcedente a ação instaurada pela Autora contra os Réus, absolvendo-os do pedido;
b) Julga o pedido reconvencional deduzido pelos Réus contra a Autora totalmente procedente e, em consequência, condena-a a repor o sótão no estado anterior às obras por si realizadas e a retirar o guincho por si colocado
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«
a) A afirmação de facto provado contida no ponto 21 dos factos assentes, segundo o qual as malas de viagem, ao serem transportadas pelo guincho balançam e vão batendo na caixa das escadas, provocando estragos, além de existir o risco de poderem cair e magoar alguém que esteja a passar mostra-se contrariado pelas respostas dadas pelos Senhores Peritos em sede de relatório pericial (respostas aos quesitos 13,14 e 15), pelo depoimento (na parte supra transcrita) da testemunha LG e pelas declarações de parte (na parte transcrita) da ora recorrente, sendo que dos elementos probatórios flui como única consideração probatório possível que Se as malas de viagem fossem transportadas e, então, fossem mal presas no guincho, as mesmas poderiam baloiçar, com o risco de, nessa altura, poderem cair e magoar alguém que esteja a passar, algo que nunca aconteceu;
b)A menção constante do aviso convocatório da assembleia de condomínio segundo o qual se anuncia obras realizadas no espaço comum sem previa autorização dos restantes condóminos, não contem elementos informativos viabilizadores da ponderação previa a que o art. 1432º, nº 2, do Cod. Civil faz apelo ao determinar a inserção da ordem de trabalhos no mesmo aviso, o qual tem de ser claro (evidenciar o que se pretende), preciso (concretizar o ponto de discussão), bastante (ser suficiente em si, sem remissão, directa ou por indução, para outros elementos, designadamente actas anteriores) e congruente (não ser contraditório nos vários pontos);
c) O sótão integra a previsão do art. 1421º, nº 2, al. e) como parte do prédio que se presume comum, sendo que a afectação material exclusiva á fracção da ora recorrente, que sempre ocorreu desde a construção do edifícios, sendo a única com acesso aquele espaço, sempre o conservando e preservando, com conhecimento de todos os condóminos, determina uma utilização exclusiva do espaço pela ora recorrente, afastando mesmo a presunção de comum, gerando, complementarmente, a exclusividade para a recorrente de ali realizar as obras aptas á melhoria do espaço e do prédio na sua totalidade – art. 1424º, nº 3 do Cod. Civil;
d) As obras realizadas pela recorrente no sótão envolvem uma significativa melhoria de segurança, térmica e higiénica do prédio, não envolvendo, muito pelo contrario, qualquer limitação ou prejuízo para os demais condóminos, o que, desde logo, inviabiliza que ocorra a sua destruição ou remoção (nem fazendo sentido colocar em situação muito pior uma parte do prédio);
e) Nem constituem um elemento inovador, desde logo porque não introduziram qualquer elemento estrutural novo, não criaram uma área ou espaço diferente nem implicaram uma utilização diversa, não sendo, como tal, passiveis de ser inseridas na previsão do art. 1425º do Cod. Civil;
f) Da mesma maneira que a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio, bem como a seu segurança, não são afectadas por tais obras, antes constituem uma mais valia para o mesmo, não sendo, pois, convocável o disposto no art. 1422º, nºs 1, 2, a) a d) do Cod., Civil;
g) O mesmo se diga, aliás, do guincho existente no prédio, prédio de quatro andares sem elevador, que não prejudica qualquer condómino, não afecta a estrutura do prédio, nem a sua linha arquitectónica ou arranjo estético, sendo um elemento puramente utilitário;
h) Com a agravante, no caso do guincho, de o mesmo existir no prédio, á vista desarmada e com conhecimento de todos, há, pelo menos, 18 anos, sem que tal tenha, alguma vez, da forma mais resquícia que seja, provocado qualquer reacção negativa ou discussão para retirada;
i) Foi preciso que a recorrente afectasse a sua fracção a fins de alojamento local para que, 18 anos decorrido, o guincho se transformasse num elemento de disfunção, em claro “venire contra factum proprium”, em notório abuso de direito, nos moldes condenados pelo art. 334º do Cod. Civil;
j) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando- se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!»
Os apelados contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Admissibilidade da impugnação da decisão de facto;
ii. Regularidade da convocatória da assembleia geral de condóminos;
iii. Se está afastada a presunção do sótão como parte comum;
iv. Subsistência e regularidade das obras realizadas pela autora.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. Na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, está registada a aquisição, em 02.05.2001, a favor da Autora, da fração "E" correspondente ao 4º andar do prédio constituído em prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua …, descrito naquela Conservatória sob o n.º 2…, freguesia Encarnação, sendo dele a Autora condómina.
2. Do título constitutivo de propriedade horizontal do prédio identificado em 1 pode ler-se que o prédio é todo destinado a habitação, com as seguintes frações autónomas: fração A – rés-do-chão, B – primeiro andar, C – segundo andar, D – terceiro andar e E – quarto andar, que as frações B a E são compostas por seis divisões assoalhadas, cozinha e duas casas de banho, e que o cubículo localizado ao nível do rés-do-chão é utilizado pela habitação do segundo andar.
3. Os Réus são, respetivamente, proprietários das seguintes frações:
a) a Ré F. da fração letra "D" - terceiro andar;
b) o Réu E. da fração letra "C" - segundo andar;
c) o Réu D., Lda., da fração letra "B" - primeiro andar;
d) o Réu C. da fração letra "A" - rés-do-chão.
4. A Autora foi notificada, via e-mail, da convocatória da
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