Acórdão nº 3198/19.0JAPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 20-03-2024

Data de Julgamento20 Março 2024
Número Acordão3198/19.0JAPRT.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 3198/19.0JAPRT.P1

1. Relatório
No processo Comum Coletivo com o n.º 3198/19.0JAPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de Vila do Conde, Juiz 8, veio a arguida AA, em 9/11/2023 requerer que lhe fosse aplicado o perdão de 1 ano previsto pela Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, invocando-se a inconstitucionalidade da exclusão prevista pelo art. 2º, nº1 do mencionado diploma, referente à idade do agente à data da prática do facto, por violação do princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP.
Sobre tal requerimento veio a recair o seguinte despacho:
«Pretende a arguida, em síntese, que seja declarada inconstitucional a interpretação normativa suscitada por violação do princípio da igualdade, já que a lei é aplicável a uma certa faixa etária (entre os 16 e os 30 anos de idade) na qual não se inclui. Em consequência da declaração da alegada inconstitucionalidade, pretende lhe seja aplicado perdão da pena.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a limitação etária prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto não viola o princípio da igualdade resultante do artigo 13.º do texto constitucional.
Apreciando.
A Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2023 (cfr. artigo 15º da citada lei).
O artigo 3º, nº 1, da mencionada lei refere que “Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos”.
Há um limite material à aplicação da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto.
Com efeito, não beneficia do perdão, ainda que se verifiquem os demais requisitos objetivos e subjetivos de aplicação, quem tiver praticado os crimes previstos no art.º 7.º da mencionada lei.
Há, também, um limite etário à aplicação da lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto.
De facto, a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (art.º 2.º).
A arguida nasceu a ../../1977 pelo que, à data da prática dos factos, tinha 42 anos de idade,
Assim, a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto não lhe é aplicável.
O parâmetro constitucional cuja violação é invocado pelo arguido é princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
O Tribunal Constitucional no Acórdão nº 379/2021 tomou posição no seguinte sentido, quanto a tal princípio:
“Constitui entendimento abundante e reiterado deste Tribunal que o princípio da igualdade não proíbe ao legislador que faça distinções, mas apenas diferenciações de tratamento (e sua medida) sem justificação racional e bastante. A este propósito, pode ler-se no Acórdão n.º 362/2016, em síntese da posição do Tribunal sobre o parâmetro da igualdade, na sua dimensão de proibição do arbítrio, aqui invocada:
«Numa perspetiva de igualdade material ou substantiva – aquela que subjaz ao artigo 13.º, n.º 1, da Constituição e que se traduz na igualdade através da lei –, a igualdade jurídica corresponde a um conceito relativo e valorativo assente numa comparação de situações: estas, na medida em que sejam consideradas iguais, devem ser tratadas igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da desigualdade. Tal implica a determinação prévia da igualdade ou desigualdade das situações em causa, porquanto no plano da realidade factual não existem situações absolutamente iguais. Para tanto, é necessário comparar situações em função de um certo ponto de vista. Por isso, a comparação indispensável ao juízo de igualdade exige pelo menos três elementos: duas situações ou objetos que se comparam em função de um aspeto que se destaca do todo e que serve de termo de comparação (tertium comparationis). Este termo – o «terceiro (elemento) da comparação» – corresponde à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar; é o pressuposto da respetiva comparabilidade. Assim, o juízo de igualdade significa fazer sobressair ou destacar elementos comuns a dois ou mais objetos diferentes, de modo a permitir a sua integração num conjunto ou conceito comum (genus proximum).
Porém, a Constituição não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado. Proíbe, isso sim, as discriminações negativas atentatórias da (igual) dignidade da pessoa humana e as diferenças de tratamento sem uma qualquer razão justificativa e, como tal, arbitrárias. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 39/88:
«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, “reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade” – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.»
Por outro lado, não é função do princípio da igualdade garantir que todas as escolhas do legislador sejam racionais e coerentes ou correspondem à melhor solução. Nesse particular, justifica-se recordar a jurisprudência constitucional firmada no Acórdão n.º 546/2011:
«[O] n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003 – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”.
O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal que, contudo, se não repercuta no trato diverso – e desrazoavlmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.»
Relativamente à questão de saber se o perdão previsto em diploma legal enferma do vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, também o Tribunal Constitucional já se pronunciou diversas diversas citando-se, a título exemplificativo, por todos, Acórdão n.º 488/2008:
“Como medida de clemência, o perdão emerge de um acto político, tornado fonte jurígena de efeitos sobre as penas aplicadas (sobre a compreensão da clemência como virtude do legislador, cf. Cesare Beccaria, Dos Delitos e das Penas, tradução de José Faria Costa, 2.ª edição da Fundação Calouste Gulbenkian, p. 161).
Ele impede a execução da pena aplicada pela prática de crimes (cf. sobre a acepção do conceito e das figuras afins, entre outros, Pedro Duro, «Notas sobre alguns limites do poder de amnistiar», Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano II, n.º 3, 2001, pp. 323 e segs. e Francisco Aguilar, Amnistia e Constituição, Almedina, pp. 37 e segs).
Na medida em que se traduz num irrelevar, para efeitos do seu cumprimento, da pena concretamente aplicada pela prática de um crime tipificado e cominado na lei - ou visto de outro ângulo, numa desconsideração, total ou parcial, da pena aplicada que foi abstractamente adstringida pelo legislador à violação dos bens jurídico-penais que a definição do tipo legal encerra - o perdão genérico de penas é, por regra, por isso, decretado pelo órgão com competência para definir esse ilícito criminal.
Nesta perspectiva, ele é, ainda, um meio específico de concretização da política criminal referente à
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