Acórdão nº 3192/14.8TBBRG.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-10-2019

Judgment Date24 October 2019
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number3192/14.8TBBRG.G1.S2
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou ação declarativa comum contra BB pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 58.500,00, a título de indemnização por todos os danos que lhe foram provocados com a atuação ilícita por ato e/ou omissão do réu, devidamente atualizada à data da prolação da sentença, e/ou acrescida dos juros moratórios vincendos desde a data da citação, à taxa legal (sendo que, no decurso dos autos, requereu a redução do pedido para a quantia de € 35.000,00 - o que foi admitido por despacho de 22/03/2018).

Alegou, para tanto e em síntese, que procurou os serviços do réu, ..., com o propósito de melhorar a sua aparência dental, o qual lhe garantiu que o tratamento seria simples e eficaz, capaz de garantir o resultado final pretendido e que não comportava qualquer tipo de risco.

Mais alegou que, por causa do tratamento, começou a sentir alterações ao nível da sua estrutura bucal, que apresentou ao réu várias queixas e que, como não sentia melhoras, consultou diversos especialistas. E alegou que passou a sofrer de problemas funcionais, esqueléticos, desvios mandibulares, reabsorção radicular, alteração de mordida, oclusão traumática e dificuldades na mastigação e que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela conduta do réu, que não fez uso de todos os conhecimentos técnico-científicos e todos os meios à sua disposição para assegurar à autora os melhores cuidados e repor a sua saúde oral, violando, também, as regras deontológicas da Odontologia, tendo incorrido em responsabilidade tanto de âmbito contratual, como extracontratual.

O réu contestou e deduziu incidente de intervenção principal provocada de CC SA (atualmente denominada DD SA) – intervenção essa que foi admitida.

Em síntese, alegou que prestou os serviços referidos pela autora, mas negou todos os erros que lhe foram imputados, os danos e qualquer nexo de causalidade.

E alegou ter celebrado com a Interveniente um contrato de seguro de responsabilidade profissional.

A Interveniente também contestou, invocando a prescrição do direito e a previsão de franquia no contrato de seguro, e no mais, fazendo sua a contestação apresentada pelo réu, impugnando a matéria factual invocada pela autora.

Prosseguindo os autos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença:

Condenando-se o réu e a interveniente solidariamente a pagar à autora a quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) a título de dano patrimonial futuro, ambas acrescidas de juros de mora à taxa de 4% a contar da data da sentença e até efetivo e integral pagamento, sendo o valor respeitante à interveniente deduzido da franquia estipulada no contrato de seguro.

Na sequência e no âmbito de apelação do réu, a Relação de Guimarães confirmou a sentença recorrida.

Uma vez mais inconformado, interpôs o autor/apelante o presente recurso de revista excecional (admitido pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC), no qual formulou as seguintes conclusões:

1ª - Foi o Recorrente notificado do Acórdão que negou provimento ao recurso, concluindo que o Recorrente é responsável pelos danos sofridos pela A. na sequência do tratamento ortodôntico efetuado, apesar de ter resultado provado que “90. O Réu [Recorrente] empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora”, simplesmente pelo facto de ter considerado a conduta do Recorrente ilícita por alegadamente não ter cumprido o dever de informação necessário para se alcançar o consentimento livre e esclarecido.

2ª - Ora, tal Acórdão está em frontal contradição com a posição defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, proferido no processo n.º 284/099TVLSB.Ll-2, datado de 03-12-2015.

3ª - Refere o sumário do citado aresto que “II. Não se provando a existência de erro na realização da cirurgia nem de nexo de causalidade entre a cirurgia e os males de que o credor se queixa e pelos quais pretende ser ressarcido, perde relevo a questão da prestação de consentimento informado para a realização da cirurgia.”

4ª - Regressando ao Acórdão em crise nos presentes autos, verifica-se que o mesmo adota uma posição contrária, ao valorizar o consentimento informado em detrimento da prova já assente de que o Recorrente empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora,

5ª - Concluindo que “Nem só a má prática médica ou o erro técnico é fundamento de responsabilidade médica, também o é a violação dos direitos dos pacientes, realçando-se, entre estes (mas existem muitos outros), a sua autonomia e autodeterminação, por desrespeito do dever de informar, que impede que o paciente usufrua da sua 1iberdade.”

6ª - Ora, seguindo a posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-12-2015, resultando provado que o Recorrente empregou todos os conhecimentos técnico-científicos e os meios necessários ao tratamento realizado pela Autora, perderia relevo a questão da prestação de consentimento informado e o Recorrente seria absolvido, tal como foi o médico naquele processo.

7ª - Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-02-2011, processo n.º 10527/07.8TBMAI.P1, conclui que não resultando provada a ilicitude dos atos do R., deveria este ter sido absolvido.

8ª - Este aresto esclarece que “Afastada a ilicitude desta intervenção, e sem deixar de se reconhecer, na medida dos factos apurados, os prejuízos sofridos, também é seguro que os mesmos, presente o enquadramento factual apurado, são compatíveis e adequados ao ato médico licitamente efetuado, com observância das regras técnicas e da arte que dele são indissociáveis. Em conclusão, afastada a ilicitude da intervenção e não se verificando todos os pressupostos integradores da obrigação de indemnizar, que se impõem cumulativos, não pode ser tutelada a pretensão da recorrente.”

9ª - Está assim patente a existência de contradição entre Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito: a extensão/importância do conceito de consentimento informado nas situações em que não existe ilicitude na intervenção do médico.

10ª - Face a tudo o exposto, deveria o Recorrente ter sido absolvido, o que ora se requer através da substituição do acórdão recorrido por outro que declare que “Estando excluída a demonstração de comportamento médico ilícito, danoso e culposo por parte do R., fica prejudicada a questão da formação de um consentimento informado da realização do comportamento.” e, em consequência, absolva o R. do pedido formulado.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Exmos. Conselheiros, deverá ser recebido e considerado procedente o presente recurso de revista excecional e, em consequência, ser revogado o acórdão ora recorrido, substituindo-se aquele por outro que absolva o réu/recorrente do pedido. Decidindo nesta conformidade, será feita a costumada justiça!

Nas suas contra-alegações, a autora pugnou pela não admissão da revista excecional (que, conforme supra referido, veio a ser admitida pela Formação).

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões recursórias, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se, não se provando a existência de erro técnico na realização do ato médico, a responsabilidade civil se pode basear na violação do dever de informação do paciente.

É a seguinte a factualidade dada como provada e como não provada pelas instâncias (com as alterações efetuadas pelas Relação).

Factos provados:

1. A Autora nasceu no dia ....

2. E vem desempenhando a sua atividade profissional como professora do ensino básico e secundário desde o ano de 1997.

3. A Autora gozou, desde sempre, de boa saúde oral e dentária, não padecendo de problemas funcionais ao nível bucal que a tivessem feito carecer de alguma intervenção ortodôntica.

4. Sempre teve uma oclusão anatómica e funcional normal, não sentia desconforto ou dor nos movimentos mandibulares, por ausência de distúrbios articulares e nem sentia dificuldades na função mastigatória e fonética.

5. Porém, a estética do seu sorriso estava prejudicada por um dente incisivo lateral superior esquerdo com forma coronária característica dum dente conóide, i.e. com alteração de forma e tamanho (em cone).

6. O Réu é licenciado em ..., ...pela UP e especialista em ortodontia pela Ordem dos Médicos ... e à data dos factos, prestava serviços na clínica do Dr. ..., então sita na Rua ..., nº … – …º andar, em ....

7. A Autora procurou os serviços do Réu com o propósito de melhorar a sua aparência dental, com correção do problema estético referido em 5), com o objetivo último na obtenção de um sorriso mais bonito, ou mais agradável a si e aos outros.

8. Na consulta, para orçamentação do serviço, o Réu informou a Autora que era ... e ..., confiando a Autora na competência técnica e experiência profissional do Réu.

9. O plano de tratamento sugerido pelo Réu passava pela extração do dente incisivo lateral superior (...) conóide, e fechamento do espaço, através da utilização de aparelhos ortodônticos fixos, superior e inferior, e de contenção, sem necessidade de qualquer tratamento ortodôntico-cirúrgico e/ou ortognático.

10. A duração prevista pelo Réu para o tratamento em causa era de … consultas, tendo estas uma periodicidade variável, por vezes mensal.

11. À data o Réu informou a Autora que o tratamento seria simples e capaz de permitir alcançar o resultado pretendido pela Autora, tendo feito a apresentação do diagnóstico e proposta de tratamento durante cerca de 45 minutos, explicando os aspetos relacionados com o tratamento e tendo dado à Autora a possibilidade de colocar todas as...

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