Acórdão nº 3174/20.0T8STS-F.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 02-11-2023

Data de Julgamento02 Novembro 2023
Case OutcomeREVISTA IMPROCEDENTE.
Classe processualREVISTA (COMÉRCIO)
Número Acordão3174/20.0T8STS-F.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Processo: 3174/20.0TBSTS-F.P1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Relatório

Massa Insolvente de “Exlibris Baco, Nineyards Since 1769, Lda.”, propôs contra "Exlibris Baco, Nineyards Since 1769, Lda.” e “Meridian Matrix - Unipessoal, Lda.” ação com processo comum, pedindo que seja declarada a nulidade do ato consubstanciado na escritura intitulada de "compra e venda", celebrada em 06.04.2020 no Cartório Notarial de ..., a fls. 101 e ss. do livro 3 -S; e que a 2.ª R. seja condenada a entregar à A., completamente livre e desembaraçado, o imóvel vendido, sendo decretado o cancelamento do registo efetuado com base no referido título.

Alegou que, por sentença de 16.03.2021, no âmbito do Processo Principal (autos de Insolvência 3174/20.0T8STS) a 1.ª R. foi declarada insolvente e que o único bem imóvel no processo apreendido é o que foi transmitido à 2.ª R. pela compra e venda de que aqui pede a declaração de nulidade.

Efetivamente, segundo a A., nem a insolvente nem a 2.ª R. pretenderam vender e comprar o imóvel em causa, sendo que “o ato em apreço não passou de uma manobra tendente a obviar – ou, pelo menos, a dificultar – a satisfação dos credores da ora insolvente”.

Ainda segundo a A., extrai-se dos documentos do registo comercial da insolvente e da pretensa adquirente que são familiares os detentores das respetivas participações sociais e os seus gerentes (AA é filho de BB e pai de CC), tendo inclusivamente o escritura respeitante ao negócio impugnado sido outorgada pelo AA, quer enquanto representante da insolvente, na qualidade de procurador, quer na qualidade de gerente da pretensa adquirente; dando-se o caso (tendo sido declarado o preço de € 283.484,42) de o mesmo ter declarado que o montante de 264.234,42 € do preço foi pago por meio do cheque n.º ........94 da CGD, cheque esse que nunca foi sequer apresentado a pagamento; e declarando o AA, na referida qualidade de gerente da segunda R., que o prédio se destinava a revenda, quando é em tal imóvel que o mesmo e a sua família residem.

Negócio que, também se extrai, só foi celebrado por, à data da escritura, a devedora estar já em situação de insolvência, transmitindo o imóvel para evitar que contra si fossem instaurados processos de índole executiva, para impedir que os seus credores pudessem garantir a satisfação do seu crédito e pretendendo manter o imóvel na posse efetiva da “família”.

Mais acrescentou que, para além de toda a situação configurar uma situação de desconsideração da personalidade jurídica e de caracterizar a nulidade por simulação, sempre a nulidade teria que ser verificada em função da respetiva prejudicialidade, atento o desequilíbrio das obrigações assumidas pelas partes; e, ainda, que, tendo sido o contrato de compra e venda celebrado em contrário do que a Lei determina, o mesmo se encontra ferido de nulidade nos termos das disposições conjugadas dos art.º 280º e 294º do CC.

Concluiu – em face de tudo o que alega – que o negócio em apreço é nulo por simulação e por ser contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes: diz que “mesmo que o negócio não tivesse sido simulado e, consequentemente, nulo, sempre o mesmo seria de haver por nulo nos termos dos art.º 280º e 281º”.

Contestaram as RR., sustentando que, considerando a A. que o ato de compra e venda diminuiu, frustrou, dificultou, pôs em perigo ou até retardou a satisfação dos credores da insolvência, deveria ter lançado mão da resolução em benefício da Massa Insolvente, procedimento previsto nos artigos 120.º e seguintes do C.I.R.E e cujo prazo está ultrapassado, razão pela qual não pode o AI, em representação da Massa, intentar a presente ação.

Negaram qualquer conluio fraudulento, afirmando que o contrato de compra e venda outorgado traduz a vontade real das partes e concluíram pela improcedência da ação.

A A. respondeu, concluindo como na PI.

Findos os articulados – estando a instância regular, estado em que se mantém – a Exma. Juíza, entendendo que estava em condições de decidir, proferiu saneador-sentença, “julgando procedente a exceção de caducidade invocada pelas RR. e, em consequência, absolveu as rés do pedido”.

Inconformada com o assim decidido, dele interpôs a A. recurso de apelação, o qual, por Acórdão da Relação do Porto de 13/06/2023, foi julgado procedente, revogando-se o saneador-sentença e ordenando-se que os autos prossigam.

Agora inconformada a 2.ª R., interpõe o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o decidido na 1.ª Instância.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

1ª – A primeira e principal questão a resolver nesta sede prende-se com a interpretação e enquadramento jurídico do objeto e da natureza do concreto instrumento pretendido pela Autora, Massa Insolvente. Ou, dito por outras palavras, o que é que a Massa verdadeiramente “quis” com a presente ação. A questão de saber, em abstrato, quais sejam o/os instrumentos de acautelamento que estão à disposição do Sr. Administrador de Insolvência (única questão abordada pelo acórdão recorrido) é uma questão ad latere que, ainda que importante, não se mistura com aqueloutra.

2ª – Tornando-se mister analisar a concreta forma processual do apenso instaurado pela Massa Insolvente, o contexto em que o foi e ainda qual a sua causa de pedir e pedido formulados, verificamos desde logo que, apesar de ter “nascido” autónoma (em Juízo diferente, com forma de ação declarativa em processo comum) a ação proposta pela Massa… logo foi apensada ao processo de insolvência em que nos encontramos, mal “nasceu”.

3ª – Tal ação surgiu num contexto concreto e devidamente apurado de uma falha cometida pela Massa (Administrador de Insolvência) que, pese embora tenha até sido interpelado pelo Tribunal para propor ação de resolução em benefício da Massa (pois era já essa a sua intenção ants manifestada), nada fez em devido tempo, como decorre dos factos provados 4 e 12 a 15.

4ª – Quanto à causa de pedir da, formalmente apelidada, ação de nulidade, são inúmeras as alegações e argumentação que tentam justificar e demonstrar a situação de favorecimento da Ré em detrimento dos credores, a prejudicialidade, e o impedimento de praticar atos de diminuição de património.

5ª Relativamente ao pedido formulado, requer-se a nulidade do negócio de compra e venda… mas pedido-se a condenação da Ré a entregar diretamente à Autora (Massa) e não à insolvente, o imóvel objeto da ação.

6ª - Analisada esta factualidade e o verdadeiro contexto processual e substantivo não vemos como não dar razão à Sentença alcançada em 1ª instância que, antes de mais, concluiu que o que a Autora, Massa Insolvente, pretendeu e pretende com a presente ação é, na verdade, uma resolução em benefício da Massa.

7ª - E assim é porque todos os elementos analisados são próprios e exclusivos de uma resolução em benefício da Massa e não de uma ação de nulidade:

a) Trata-se de um processo que corre por apenso como ocorre numa ação de resolução (tendo sido instaurado inicialmente como autónomo apenas para tentar iludir qual fosse a verdadeira intenção com a ação, sem esquecer que o previsto no artº 85º CIRE apenas serve para ações pendentes e não para ações propostas após a declaração de insolvência);

b) A ação veio na sequência de uma assumida falha na efetivação da resolução em benefício da Massa pois seria essa a verdadeira intenção inicial (e ainda é, diga-se);

c) A causa de pedir envolve e praticamente se resume à alegação de factos relativos à prejudicialidade do acto em relação ao conjunto dos credores e à alegada má fé com que os intervenientes atuaram, isto é, elementos exclusivos da resolução em benefício da Massa e não da Acção simulatória, que depende de requisitos diferentes;

d) O pedido formulado expressamente traduz a intenção de pretender ver ingressado diretamente na esfera patrimonial da Massa o bem objeto da presente ação, sem passar pela insolvente, como sucede na resolução (sem esquecer que insolvente e Massa insolvente são pessoas jurídicas distintas).

8ª – São assim correctas (às quais aderimos incondicionalmente) as apreciações feitas pelo Tribunal de 1ª instância de que:

a) A autora formalmente apela à simulação (…) mas resulta claro, da matéria de facto alegada, que a mesma pugna pela resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda

b) É “inquestionável que a autora invoca matéria caracterizadora duma resolução em benefício da massa insolvente”

c) “a massa veio interpor a presente ação já depois do decurso do prazo de caducidade não peticionado – diretamente – a resolução em benefício da massa, mas, sim, a nulidade do negócio em causa, pretendendo, em última análise, a reintegração do imóvel na massa insolvente.

9ª – Isto sem nos esquecermos que na “caracterização não releva a qualificação jurídica conferida pela parte: trata-se de apurar qual a causa de pedir invocada, independentemente do nomen juris utilizado pela autora; é aoTribunal que cabe proceder ao enquadramento jurídico-normativo que considera correto, ainda que divergente do sustentado pelas partes” (ac STJ de 2.4.2019 -2134/17.3T8EVR.E1.S2).

10ª – Se, ao correto enquadramento jurídico vindo de realizar, somarmos o contexto específico em que surge esta ação de “nulidade” (pretendendo a Massa recorrer a um instrumento que viu caducar por sua própria incúria, dando-lhe apenas outro nome…) parece-nos evidente que não se poderá admitir a presente ação.

11ª - E não se diga que não o tenha podido fazer (pelas cartas não serem recebidas) pois que, “Não podendo ser realizada essa resolução por carta registada, nada obstava a que o pedido de resolução em causa fosse concretizado por meios judiciais” (pág. 15).

12ª – Assim, a “admitir-se a possibilidade de interposição desta ação, estaria descoberto o procedimento adequado nomeadamente para...

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