Acórdão nº 3174/06.3TBVIS-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 16-05-2017
Judgment Date | 16 May 2017 |
Acordao Number | 3174/06.3TBVIS-B.C1 |
Year | 2017 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 08.11.2016, por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo ao menor M (…) nascido a 26.4.2005, F (…) residente na Suíça, veio requerer a alteração da regulação contra V (…) residente em (...), Viseu, determinando-se, principalmente, que o menor “passará a residir com a progenitora/requerente fora do país, desde logo na Suíça” e que “poderá viajar” para o estrangeiro com a mãe ou pessoa por esta indicada.
Alegou, em síntese:
- Requerente e requerido são pais do menor M (…)
- Nos autos apensos foi homologado por sentença de 15.12.2006 o acordo relativo às responsabilidades parentais, ficando o menor entregue à guarda e cuidados da mãe, que então residia em Portugal;
- Desde 2010, o menor passou a residir na Suíça com a mãe;
- A ida do menor para o estrangeiro contou com o apoio e autorização do progenitor, que foi dando a autorização necessária e exigível, desde logo pelas companhias aéreas;
- Há mais de dois anos deixou de haver notícias do requerido, tendo a requerente obtido a informação de que “este se encontraria em parte incerta”;
- A requerente nunca obteve autorização expressa do requerido, nem judicial, para que o menor resida naquele país, a apresentar junto das entidades helvéticas, quer seja escolas, quer seja hospitais, etc.
- Como o requerido se encontra “em parte incerta”, passou a ser impossível obter a dita “autorização” para viajar de avião.
- Assim, o menor deverá continuar à guarda e cuidados da mãe, cabendo-lhe o exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente e às questões de particular importância para a vida da criança, até que o requerido informe a requerente do seu paradeiro e sempre que tais actos não possam aguardar o contacto do requerido.
Na sequência da promoção do M.º Público de fls. 10 (reiterada a fls. 28) e da pronúncia da requerente de fls. 20, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 19.12.2016, ao abrigo dos art.ºs 59º do CPC, 1º e 17º da Convenção de Haia de 1996 e art.º 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, declarou competente para a alteração da regulação das responsabilidades parentais da criança o Tribunal com competência em família e menores na área da residência da criança, sendo assim a Instância Central de Família e Menores de Viseu, 1 Secção, internacionalmente incompetente para o prosseguimento de tal acção, pelo que, excepcionando a incompetência internacional deste tribunal, julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal (art.ºs 96º, alínea a), 99º, n.º 1, 577º, alínea a), e 578º, do CPC, e art.ºs 8º e 17º do Regulamento (CE) 2201/2003, de 27.11, absolvendo o Requerido da instância.
Inconformada, a requerente apelou formulando as seguintes conclusões:
1ª - Os Tribunais Portugueses serão, in casu, os únicos que poderão decidir sobre a autorização de saída do menor para fora de Portugal e os que melhor poderão defender os interesses do menor, sendo que o país da residência habitual do menor deverá considerar-se Portugal.
2ª - O menor encontra-se num estado de “precaridade” na Suíça enquanto não houver autorização expressa do pai para aí residir. Essa mesma autorização servirá para lhe permitir aceder ao exercício pleno dos seus direitos, que ainda não tem, nem para efeitos de residência!
3ª - Quanto ao Regulamento 2201/2003 do Conselho, de 27.11, não se aplica à Suíça, mas unicamente a países da Comunidade Europeia, porém, se algo há a retirar deste, será o espírito do critério da proximidade, que, interpretado segundo o previsto no referido Regulamento, tendo em conta que o pai, os avós paternos e maternos, tios, primos, amigos de infância, etc., residem em Portugal, sendo que a mãe e o menor sempre aí residiram, mudando-se há pouco tempo para a Suíça, teria de entender-se competente o tribunal português.
4ª - Quanto ao RGPTC, art.ºs 42º e 9º, tal não pode ser aplicado de per se: o menor reside com a requerente na Suíça sem autorização expressa e indispensável do pai e Portugal continua a ser o seu país de origem e de referência, da família.
Todos os envolvidos - menor e progenitores - são portugueses, tendo unicamente nacionalidade portuguesa, falando a língua portuguesa.
5ª - Tal pedido só pode decorrer do processo de regulação, e não ex novo e num Estado que ainda, e por essa razão, não lhe reconhece residência.
6ª - Pois, não se pode considerar que o local do destino passou a constituir o da residência permanente ou habitual do menor, porque essa residência permanente ou habitual demanda consenso do outro progenitor, e inexistindo, deverá ter-se por residência permanente ou habitual a anterior à deslocação.
7ª - Ou seja, é competente o tribunal do local da residência do menor, aquele onde tinha a sua ´residência habitual` com a progenitora a quem fora confiada a guarda, única residência com a qual o pai expressamente concordou.
8ª - Existe pois uma temporária situação de facto mas não de direito - é necessário consenso acerca dessa decisão de mudança de residência do menor, que inexistindo, impõe a intervenção do tribunal do país que decidiu acerca da residência do progenitor a quem foi confiada a guarda.
9ª - Tendo em conta que a regulação ocorreu no âmbito de um processo de divórcio, analisando a Lei 61/2008, de 31.10, vemos que esta visou preservar relações de proximidade, e consagrar um regime legal em que mesmo o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser ouvido e, assim, ser co-responsável pela educação e destino do filho, estando em causa “questões de particular importância para a vida do filho”, que, em regra, passam a ser exercidas em comum e ser objecto de informação recíproca – n.º 1 do art.º 1906º do Código Civil/CC. Trata-se, inquestionavelmente, de um preceito de interesse e ordem pública.
10ª - As disposições da Convenção podem ser afastadas pelos estados contratantes se a sua aplicação se revelar incompatível com a ordem pública.
11ª - De facto não houve o expresso consentimento do pai do menor, e sem o mesmo, não há autorização para com ele residir na Suíça, nem viajar (o que está em causa).
12ª - É o próprio Direito Português a reconhecer a importância de as crianças portuguesas, filhas de pais separados, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro, não abdicando da sua competência para regular as responsabilidades parentais.
13ª - Foi em Portugal, no Tribunal da Comarca de Viseu, que ocorreu a regulação das responsabilidades parentais, processo de onde parte a alteração, pelo que seria de todo conveniente que se desenrole no mesmo tribunal, evitando repetição de actos judiciais e em prol da celeridade do processo, dada a urgência da questão.
14ª - Não pode o tribunal suíço autorizar a saída do menor de Portugal e a residência noutro país, bem como a saída de outro país, por falta de legitimidade e ainda por risco de não acautelar devidamente os interesses do menor, desde logo pela dificuldade do progenitor em se deslocar à Suíça, bem como ao desconhecimento dos trâmites legais inerentes ao processo por parte da Requerente.
15ª - Quanto à natureza do pedido formulado pela requerente, note-se que no art.º 3º da Convenção de Haia nada se lhe refere, uma vez que a requerente pede apenas para que seja autorizada a saída de Portugal, a residência e deslocação do menor entre o seu país de origem, Portugal, onde foram reguladas as responsabilidades parentais, e o país onde a Requerente se encontra, Suíça (cf. art.ºs 16 a 18, 20 e 21 do requerimento de alteração). E que só o estado português, melhor, o processo onde o mesmo não foi dado, tenha esse aditamento e dê esse consentimento.
16ª - Não tem legitimidade o tribunal suíço para ele próprio autorizar que o menor possa sair de Portugal e residir fora de Portugal, é algo que tem de provir dos tribunais portugueses, pois foi aqui que correu o processo inicial de regulação e o que se requer é indissociável do já regulado e não um pedido ab initio que goze de autonomia suficiente para se tratar num outro país.
17ª - No fundo, a requerente veio pedir uma autorização de saída e residência do menor fora de Portugal, nenhuma das situações previstas nos art.ºs 3º ou 5º da Convenção de Haia, nem o art.º 17º da mesma.
Remata dizendo que deverá ser declarada a competência dos Tribunais Portugueses e o prosseguimento dos autos visando obter autorização de saída expressa do menor do país de origem para residir noutro país.
O M.º Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir se são os tribunais portugueses ou os suíços os competentes para conhecer da pretendida “alteração” da regulação das responsabilidades parentais relativa ao menor M (...) .
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II. 1. Para a decisão do recurso releva apenas o que consta do precedente relatório, sendo que não foram juntos aos autos quaisquer elementos referentes à regulação homologada por sentença de 15.12.2006.
Porém, nenhuma dúvida existe sobre a tramitação do presente apenso, a posição dos intervenientes e o sentido e a razão de ser da decisão sob censura.
2. Cumpre, apreciar e decidir com a necessária concisão.
Através da presente acção, a requerente diz pretender alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativa ao seu filho menor, para que este “passe a residir” com a progenitora na Suíça, obtendo-se a necessária autorização para “viajar” para o estrangeiro.
Este, pois, o núcleo essencial da pretensão deduzida em juízo.
3. Tendo presente o Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9), em matéria de competência territorial, para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal...
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