Acórdão nº 317/20.8 BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 11-01-2023

Data de Julgamento11 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão317/20.8 BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I-RELATÓRIO


C. H. N. M. L. A. e A. C. F. C. C. (doravante Recorrentes), vieram interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativas ao ano de 2014 e correspondentes juros compensatórios, no montante total de €405.551,94.

Os Recorrentes, vieram apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“a) Os Recorrentes consideram ter sido sujeitos a duas inspeções tributárias de âmbito externo, referentes aos mesmos sujeitos passivos, imposto e período de tributação, pela DSIFAE e pelo SIT, sendo que a segunda viola o disposto no n.º 4 do art.º 63º da LGT.

b) Veio, porém, o tribunal “a quo” negar provimento à pretensão dos Recorrentes por entender que o primeiro procedimento, levado a cabo pela DSIFAE visou a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos.

c) Fundou-se no entendimento de que uma inspeção só será externa quando tais atos de inspeção sejam praticados, total ou parcialmente, fora das instalações da Administração Tributária.

d) No entanto tal entendimento vai contra a jurisprudência superior, tal como decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, n.º 01854/10.8BEBRG, datado de 13-11-2014, que entendeu que independentemente de a actividade de análise se ter efectuado nas instalações da Administração Tributária, isto é independetemente do local onde a mesma se realizou, ela é de qualificar como acto de procedimento de inspecção externa quando foi efectuada com base em documentos obtidos através de actos inspectivos exteriores aos serviços.

e) Tal entendimento é ainda adotado pelo Centro de Arbitragem Administrativa, no proc. n.º 580/2019-T, de 20-09-2020 que veio reforçar a ideia de que não pode a AT vir argumentar que um procedimento é interno pelo simples facto de se ter realizado exclusivamente nas suas instalações.

f) Tal lógica, contrária a que o tribunal a quo acolhe, visa salvaguardar os princípios do processo tributária, evitando que a AT possa contornar os trâmites que a lei exige para um procedimento de fiscalização externa.

g) Ademais, a própria DSIFAE classificou externo o procedimento (pág. 88 da sentença recorrida) e solicitou aos contribuintes informações, tais como documentos e declarações por eles facultados, que não poderia possuir por si mesma, não se limitando a cruzar elementos que já detivesse na sua posse.

h) O que, de per si, leva a que o procedimento não possa mais ser considerado como interno, tal como é entendimento dos professores Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira.

i) Dúvidas não restam de que a AT solicitou diversos documentos aos Recorrentes, desde contratos de transmissão de ações, de doação, documentos bancários, bem como a prova de existência dos suprimentos com elementos das sociedades B. SGPS, Lda., P., P., SGPS, S.A, S. 2000, S.A., enviados à DSIFAE, documentos que constam como anexo aos relatórios inspetivos e fazem parte do processo administrativo (anexo 4, o qual contém 130 páginas), até aos documentos contabilísticos destas sociedades, os quais tiveram de ser obtidos junto das mesmas.

j) Posto isto, dúvidas não restam de que estamos perante a existência de duas inspeções externas realizadas aos Recorrentes, o que torna a segunda ilegal, por violação do disposto no art.º 63º, n.º 4, da LGT.

k) Comprovado que está que ambas as inspeções realizadas pela DSIFAE e pelo SIT se tratam de inspeções externas, não sendo nenhuma delas para simples consulta, recolha e cruzamento de elementos, vem o tribunal recorrido sustentar que tal não configura uma violação do disposto no artigo 63º, n.º 4 da LGT, porquanto a duplicação não será ilegal nos casos em que um deles vise a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos, porquanto a ratio da norma é a de salvaguardar a estabilidade e segurança jurídicas, princípios que não são prejudicados nos casos englobados pela dita exceção.

l) A questão é, no caso não foram feitas correções na inspeção realizada pela DSIFAE, porque a situação dos contribuintes se encontrava regular.

m) Porém, a alteração de tal situação põe em causa e prejudica a estabilidade e segurança jurídicas que a norma do artigo 63º, n.º 4 da LGT visou proteger, porquanto ao não apresentar irregularidades na sua atividade, o normal é que a AT não faça correções aos contribuintes, o que leva a que se crie igualmente a expectativa de obtenção de estabilidade e segurança jurídica.

n) Neste sentido tende a ir a jurisprudência e doutrina portuguesas, que consideram que, por regra, a AT não está autorizada a voltar atrás com atos tributários favoráveis, como aconteceu no caso em apreço, quando a AT notifica o contribuinte do termo do primeiro dos procedimentos realizados, sem promover correções.

o) Ao proceder à emissão de uma correção com um novo procedimento inspetivo referente à mesma factualidade, ao mesmo sujeito passivo, imposto e tributação, a AT violou a estabilidade e segurança jurídicas.

p) De facto, a finalidade de ambas foi a análise de toda a questão relativa aos suprimentos que estiveram na origem das liquidações ora impugnadas e a situação tributária dos Recorrentes, como o comprovam os ofícios n.º 1587 e 1584, datados de 09/12/2015, remetidos pela DSIFAE.

q) A qual solicitou a apresentação de toda a documentação relativa aos suprimentos em causa e às operações subjacentes, bem como às entidades envolvidas, fez diversas diligências, concluindo o processo sem qualquer correção, mas propondo à Direção de Finanças de Setúbal na informação n.º DSIFAE/73/2018, a liquidação de IRS.

r) O que contraria o referido na douta sentença recorrida, que para justificar a legalidade dos dois procedimentos, alega que “...com as alterações introduzidas pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, vigentes à data da segunda inspeção, veio o legislador esclarecer que, quando um dos procedimentos inspetivos se destine apenas à consulta, recolha e cruzamento de elementos, isto é, quando a Autoridade Tributária não tome qualquer posição sobre a situação tributária dos contribuintes, não se poderá concluir que existiu uma ilegal duplicação de procedimentos inspetivos externos.” (pág. 89).

s) O facto de a DSIFAE ter tomado posição sobre a situação tributária dos Recorrentes apenas confirma que o entendimento de que estamos perante um procedimento inspetivo externo, que terá sido repetido posteriormente, o que configura uma violação do disposto no artigo 63º, n.º 4 da LGT.

t) Assim, impõe-se a anulação das liquidações na origem dos presentes autos, nos termos do art.º 54º do CPPT.

u) E não pode relevar a argumentação de que a primeira fiscalização teve em vista apenas a consulta, a recolha de documentos ou elementos, como faz a douta sentença recorrida, porquanto na primeira fiscalização foi feito um juízo sobre a substância dos inúmeros documentos solicitados e apresentados, bem como das informações solicitadas e recolhidas junto de entidades terceiras e até estrangeiras, não se reduzindo à «análise formal e de coerência de documentos» - ver o citado artigo 13.º, alínea a), parte final, na redação anterior à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 36/2016, de 01/07/2016, ou seja, na data do início do procedimento inspetivo.

v) Não o foi porque não se bastou pelo tratamento de informação e documentação que afluiu aos serviços através dos canais normais e despistagem de erros de concordância, estando já direcionada para a verificação da situação tributária dos contribuintes.

w) E são ainda as formalidades adotadas pela DSIFAE que o comprovam, porque caso contrário a AT não teria procedido à notificação prévia do procedimento, como determina a al. a) do n.º 1, do art.º 50º do RCPITA, conforme pontos C e E do probatório.

x) Por outro lado, não foram invocados factos novos, para que tal procedimento pudesse ocorrer, nem tal despacho foi proferido nesse sentido, o que era obrigatório, conforme art.º 63º, n.º 4 da LGT e jurisprudência superior estabelecida no Acórdão do TCA Sul nº 07343/14, de 27-02-2014, onde se prevê que não poderá haver mais que um procedimento externo de fiscalização relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, quanto ao mesmo imposto e período de tributação, sem que haja factos novos e uma decisão fundamentada do dirigente máximo do serviço no sentido de efetivação do novo procedimento.

y) Sendo evidente que não se apreciaram factos novos e não houve qualquer despacho fundamentado do dirigente máximo do serviço a decidir sobre a realização da segunda inspeção externa dá-se uma violação do artigo 63.º, n.º 4, da LGT, e consequentemente a ilegalidade de todos os atos subsequentes, de acordo com o artigo 54.º do CPPT, preconizando a douta sentença recorrida, uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, não podendo permanecer na ordem jurídica.

z) Compreendendo o procedimento tributário todos os atos dirigidos à declaração de direitos tributários, nos termos do art.º 54º, n.º 1 da LGT, incluindo as ações previstas na al.a) desse artigo, sendo o prazo de caducidade do direito à liquidação de quatro anos, como dia o art.º 45º, n.º 1 da LGT, suspendendo a notificação do contribuinte o prazo esse prazo de caducidade, nos termos do artigo 46º, n.º 1 da LGT e tendo os Recorrentes sido notificados, no primeiro procedimento inspetivo, em 21/12/2015, quanto à Impugnante, e em 05/01/2016 quanto ao Impugnante (pontos C e E, do probatório), foi nesta data que se iniciou o prazo de suspensão do prazo de caducidade.

aa) No segundo procedimento essa notificação ocorreu em 07/12/2018 e 10/12/2018, quanto à impugnante e ao impugnante, respetivamente (pontos P e Q do probatório).

bb) Porquanto foi apenas nessas datas que eles assinaram as ordens de serviço, conforme...

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