Acórdão nº 317/09.9TBOLH.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-09-2013

Judgment Date24 September 2013
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number317/09.9TBOLH.E1.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


No Tribunal Judicial de Olhão, AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação de BB a restituir-lhe o prédio urbano situado na ... na Rua ..., inscrito na matriz da freguesia da ... sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ... – ....
Alegou, em resumo, os seguintes fundamentos:
É a actual proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ..., por aquisição de ½ em partilhas de herança e aquisição de ½ por compra, factos que foram levados ao registo em 8/11/2001 e 17/12/2001, respectivamente.
Esse prédio é composto por um parque desportivo e uma pequena arrecadação com a área descoberta de 5.000 m2 e coberta de 25 m2.
Em … de … de 19.., CC, seu avô paterno, cedeu o gozo do prédio ao Réu, pelo prazo de um ano, renovável por idênticos períodos, mediante pagamento da quantia mensal de 200$00, para a prática do desporto de futebol.
Em 24 de Janeiro de 2008, a Autora, por notificação judicial avulsa, comunicou ao réu que não queria a renovação do contrato de arrendamento do campo de futebol e por haver considerado cessado o arrendamento no dia 26 de Fevereiro de 2008, pediu a entrega do arrendado no prazo de sete dias após esta data.
O Réu não entregou o imóvel à Autora.

Não foi apresentada contestação.

Julgou-se improcedente o incidente da falta de citação.

Consideraram-se confessados os factos alegados pela autora e proferiu-se sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo o Réu do pedido.

A Autora apelou para a Relação de Évora que, por acórdão de 17 de Maio de 2012, na procedência do recurso, revogou a sentença, condenando o Réu a restituir à Autora o prédio indicado na petição inicial.

Inconformado, o Réu recorreu, de revista, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

I- O contrato de arrendamento foi celebrado em … de … de 19…, entre CC e o R BB, altura em que vigorava o Cód. Civil aprovado pelo Dec. Lei n.º 47344, de 25/11/66.

II- A acção foi proposta na vigência do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

III- O prédio objecto deste contrato de arrendamento encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º ..., descrito como "PRÉDIO URBANO - Rua. ... - destinado à prática do desporto, composto de parte de um parque desportivo e de uma pequena arrecadação", sito na ..., na Rua ..., inscrito na matriz da Freguesia da ... sob o artigo ..., encontrando-se, pelas inscrições G2, G3 e G4 (esta datada de 17 de Dezembro de 2001) inscrita a aquisição a favor de AA.

IV- Estando perante um prédio urbano, descrito como tal na descrição na Conservatória do Registo Predial, e sendo o fim a prática do desporto de futebol, e a possibilidade de utilização do compartimento que faz parte do artigo urbano n.º … para balneário e vestuário, daqui se conclui que o fim do contrato não é habitacional (artigo 1067.º, n.º 1, do Código Civil), ainda mais, não sendo sequer aquele um espaço habitável.

V- Estando perante um arrendamento urbano não habitacional, celebrado antes do Decreto-lei n.º 275/95, de 30 de Setembro, ser-lhe-á aplicável o regime previsto nos artigo 27.º e seguintes da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e o regime previsto nos artigo 1022.º e seguintes do Código Civil no que não estiver regulado naquele regime.

VI- A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo art. 59 nº 1, segundo o qual ele se aplica "aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias"; estas normas constam dos arts 26 a 28 NRAU.

VII- Da conjugação dos arts 26, 27 e 28 dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.L. nº 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio.

VIII- Desta forma, o legislador manteve em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra; as disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano, em matérias como a denúncia ou a oposição à renovação do contrato.

IX- O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação das apontadas normas.

X- De onde, errou de direito o acórdão recorrido.

Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Factos provados:
a) A autora é dona e legítima possuidora do prédio composto de um parque desportivo e de uma pequena arrecadação com a área descoberta de 5.000 m2 e coberta de 25 mº2, situado na ... na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número ....
b) Em 26 de Fevereiro de 1969, o avô da autora, CC, e a ré BB, representada pelo seu presidente DD, por escrito que denominaram contrato de arrendamento declararam o seguinte:
a) Que o primeiro outorgante é legítimo dono de uma courela de terreno na povoação de ... … inscrito na matriz respectiva daquela referida freguesia da ... sob o nº ….
b) Que ele primeiro outorgante dá por este contrato de arrendamento aquele seu terreno ao segundo outorgante nos termos e sob as cláusulas seguintes:
1ª O arrendamento é feito por um ano, considerando-se renovável enquanto as partes entenderem.
2ª No terreno arrendado encontra-se um pequeno compartimento que faz parte do artigo urbano nº … e que poderá ser utilizado pelo segundo outorgante exclusivamente para balneário e vestuário.
3ª O terreno destina-se apenas à prática do desporto de futebol não podendo o segundo outorgante dar-lhe qualquer outro destino ou utilizá-lo em qualquer outro fim.
4ª A renda é esc. 200$00 (Duzentos escudos) mensais paga no primeiro dia do mês a que respeita …
c) Em 12 de Março de 1969, a ré enviou uma carta a CC onde consta o seguinte:
“(…) a Direcção em sua reunião só agora decidiu o que passo a expor:
1) Pagar os 200$00 mensais pelo aluguer do campo de futebol, a partir do corrente mês de Março de 1969 (inclusive).
2) Não poder utilizar a porta do armazém que dá acesso ao referido Campo sem prévia autorização da Direcção vigente.
3) Que a cobrança do aluguer seja efectuada nesta localidade até ao dia 6 de cada mês.
4) Que V. Exª se digne, por meio de escrito, fazer-nos constar que concordou com a nossa decisão.”
d) Por notificação judicial avulsa, requerida pela autora e executada em 24/1/2008, a Ré, na pessoa do presidente da Ré, EE, foi notificada, além do mais, o seguinte:
“(…) 3º O arrendamento teve início no dia 26 de Fevereiro de 1969 e foi celebrado pelo prazo de um ano renovável.
4º O único fim do arrendado é o da prática de futebol.
5º O prazo de arrendamento em curso termina em 26 de Fevereiro de 2008.
6º Dado tratar-se de arrendamento não vinculativo, a requerente não deseja a continuação do mesmo e põe termo ao contrato de arrendamento celebrado com a requerida com efeitos no primeiro dia posterior a 26 de Fevereiro de 2008.
7º O prédio deverá ser entregue à requerente livre de todos os pertences e bens da requerida, no prazo de sete dias após 26 de Fevereiro de 2008.

Matéria de direito:
Sabido que o recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente – sem prejuízo de questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal –, a nossa análise tem de incidir, essencialmente, sobre duas questões:
- Da qualificação do contrato de arrendamento em causa;
- Do regime de denúncia do senhorio.

Primeira questão:
No acórdão recorrido, qualificou-se o arrendamento em causa como arrendamento de prédio rústico não abrangido pelo regime do arrendamento rural (na lei vigente à data da celebração do contrato) ou arrendamento rústico não sujeito a regime especial (na lei actual).
Para o Recorrente, trata-se antes de um arrendamento urbano, como se considerou na 1.ª instância.
Vejamos.
O arrendamento será urbano ou rústico consoante recaia sobre um prédio urbano ou sobre um prédio rústico.
Nos termos do art. 204, n.º 2 do CC,
“Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”.
Para os casos duvidosos, a doutrina e a jurisprudência têm defendido neste âmbito a teoria da afectação económica, que pondera o fim do aproveitamento do prédio.
Assim, como refere Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, [1] “em relação a qualquer prédio composto por edificações e terrenos terá que se verificar se a afectação económica predominante é a utilização do terreno, á qual se subordinam as edificações existentes, ou se pelo contrário, o terreno é um mero logradouro, destinando a permitir o melhor aproveitamento do edifício, tendo carácter complementar e subordinado em relação a este”.
Como solução de recurso, preconiza António Menezes Cordeiro, [2] que não se provando factos que permitam uma qualificação como urbano, o prédio é rústico.
Sendo indiferente, para efeitos de qualificação civil, o tipo de inscrição matricial, dada a especificidade dos critérios fiscais, bem como o tipo de descrição predial; por outro lado, a lei não admite, aqui, o qualificativo de “prédio misto”. [3]

Resulta dos termos do contrato em causa, que o arrendamento tem por objecto um “terreno” e um “pequeno compartimento” que no mesmo se encontra.
O terreno arrendado destina-se apenas á prática do futebol.
O pequeno compartimento poderá ser utilizado exclusivamente para balneário e vestuário.

O local arrendado
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