Acórdão nº 3168/15.8T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 14-06-2024

Data de Julgamento14 Junho 2024
Número Acordão3168/15.8T8LRA.C1
Ano2024
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Apelação n.º 3168/15.8T8LRA.C1

Acordam[1] na Secção Social (6.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ..., ...,

com o patrocínio do Ministério Público,

intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra

- A... Companhia de Seguros, SA, com sede em ...

formulando o seguinte pedindo:

“1. A condenação da Ré “A... COMPANHIA DE SEGUROS,S.A.”

A Pagar ao Autor –

a. O capital de remição da pensão anual no valor de € 1.285,04 com início em 21 de Setembro de 2015, dia imediato ao da alta - art. 48º, nº 3, al c), e art.75º nº 1 da Lei nº98/2009, de 04 de Setembro.

b. A quantia de € 735,55 referente à indemnização por incapacidade temporária absoluta .

c. A quantia de € 25,00, a título de despesas de transportes em deslocações obrigatórias ao GML e a este Tribunal.

d. Os juros de mora calculados à taxa legal.”

*

A Ré seguradora veio contestar e requerer o chamamento da entidade utilizadora da mão de obra B..., Unipessoal, Lda e da tomadora do seguro e entidade cedente C..., Ldª.

Termina o seu articulado dizendo que a presente ação deve ser considerada improcedente ou, subsidiariamente, reconhecido o direito de regresso da demandada.

*

Foi admitida a intervenção principal da empresa de trabalho temporário e da empresa utilizadora e ordenada a sua citação para, querendo, contestarem.

*

A Ré B..., Lda veio contestar e termina dizendo que:

“Deve ser declarada parte ilegítima e absolvida do pedido;

Deve ser declarada inepta a p.i. por falta de causa de pedir e, caso assim não se entenda,

Deve ser absolvida do pedido por o mesmo ser improcedente e não provado.”

*

A administradora da massa insolvente da C..., Lda veio contestar dizendo, em conclusão, que não deve ser imputada qualquer responsabilidade à massa insolvente.

*

Foi proferido o despacho saneador de fls. 179 e segs., julgando-se improcedentes as exceções de ineptidão da p. i. e de ilegitimidade passiva, selecionada a matéria assente e a que constitui a base instrutória.

*

A requerimento do Ministério Público, face à extinção das Rés intervenientes, foi determinada a intervenção do FAT.

*

O FAT, citado, veio contestar dizendo, em síntese, que estando a retribuição integralmente transferida para a Ré seguradora e não podendo ser responsabilizado pelo pagamento correspondente a eventual agravamento, a responsabilidade pelo pagamento das prestações normais caberá sempre à Ré seguradora e, como tal, é parte ilegítima na presente ação e deve ser absolvido da instância; se assim não se entender, deve a presente ação ser declarada improcedente por não provada e o FAT absolvido do pedido.

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Procedeu-se a julgamento conforme consta das respetivas atas.

*

Foi, depois, proferida sentença (fls. 316 e segs.) e de cujo dispositivo consta:

“Pelo exposto:

Declaro a ação totalmente procedente pelo que:

A) declaro que o autor, AA, foi vítima de acidente de trabalho no dia 04.08.2015, em consequência do qual ficou a padecer da I.P.P. 22.50%, reportada a 21.09.2015, dia imediato ao da alta;

B) condeno o Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos do art 1º do Decreto-Lei nº 142/99, de 30.04, com as alterações introduzidas pelo Decreto–Lei nº 185/2007, de 10 de maio, e a seguradora A... – Companhia de Seguros, S.A., nos termos do art 79º, nº 3 da Lei nº 98/2009, de 04 de setembro, a pagar ao autor AA:

(i) o capital de remição calculado com base numa pensão anual de € 1.285,04, reportada a 21.09.2015;

(ii) a quantia de € 735,55 a título de indemnização por Incapacidades Temporárias;

(iii) a quantia de € 25,00 a título de despesas com deslocações obrigatórias.

Condeno, ainda, a seguradora a pagar os juros de mora à taxa legal de 4% entre 21.09.2015 e 06.12.2018, e de 28 de setembro de 2023 até integral pagamento”.

*

O FAT, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:

“1. O acidente a que se reportam os autos ocorreu em 04-08-2015 e configurou uma situação de atuação culposa da empregadora.

2. Contudo, entendeu o Mm.º Juiz não calcular as prestações devidas ao sinistrado nos termos do art. 18º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009, dada a situação de insolvência da entidade empregadora e no facto de o FAT não responder pelo pagamento de prestações agravadas, nos termos do n.º 5 do art. 1º do DL n.º 142/99, de 30 de abril.

3. Por outro lado, a retribuição anual auferida pelo sinistrado no valor total de 8 159,00€ estava integralmente transferida para a seguradora.

4. Contudo, a Seguradora não responde em segunda linha, conforme afirmado na sentença, mas ao invés, responde por via principal. Na verdade, nos termos do n.º 3 do artigo 79º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, caso se verifique alguma das situações previstas no artigo 18º a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.

5. Mesmo verificando-se que não foram observadas as normas sobre segurança no trabalho, a seguradora não responde subsidiariamente como acontecia ao abrigo da Lei nº 100/97, de 13 de setembro, mas responde agora por via principal, assistindo-lhe, a posteriori, direito de regresso sobre aquele que atuou culposamente.

6. Analisando o disposto no n.º 5 do art. 1º do DL n.º 142/99, de 30 de abril, do mesmo resulta que “... o FAT apenas responde pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa.”

7. Ora, caso não tivesse havido atuação culposa, a empregadora não seria responsável pelo pagamento de qualquer prestação ao sinistrado considerando a transferência integral de responsabilidade para a Ré A.... Como tal, não existe qualquer responsabilidade suscetível de ser imputada ao FAT já que “apenas responde pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido atuação culposa”.

8. Só assim, aliás, faz pleno sentido a exclusão, do âmbito da responsabilidade do FAT, das prestações resultantes de atuação culposa do empregador.

9. O FAT não responde perante o sinistrado pelo pagamento de prestações calculadas com agravamento, nem, noutra vertente, perante a Seguradora no âmbito do eventual direito de reembolso daquela nos termos do n.º 3 do art. 79º da Lei n.º 98/2009, caso contrário estaria, por outra via, a garantir o pagamento de prestações resultantes de atuação culposa da empregadora.

10. Tratar-se-ia não só de uma subversão do espírito subjacente à criação do FAT como do próprio sistema de seguro vigente, considerando que apesar da existência de seguro válido pela retribuição integral se encontraria um expediente que permitiria imputar ao FAT o pagamento de prestações que a Lei expressamente excluiu da sua responsabilidade.

11. A obrigação da entidade responsável pela reparação dos danos emergentes de um acidente de trabalho, não é toda ela e na mesma medida, suscetível de ser transferida para o Fundo de Acidentes de Trabalho, designadamente a responsabilidade subjetiva da entidade empregadora prevista na lei infortunística laboral, fica de fora do âmbito da responsabilização do FAT.

12. A responsabilidade a ser assegurada pelo FAT, em substituição do empregador insolvente, seria tão somente a que corresponderia a esta entidade, sem culpa. Ou seja, não seria condenada no pagamento de qualquer prestação, caso não tivesse existido atuação culposa, face à transferência integral de responsabilidade.

13. Nestes termos, deverá a Seguradora responder pelo pagamento das prestações normais em que foi condenada, face à declaração de insolvência da entidade empregadora e o Fundo de Acidentes de Trabalho ser absolvido do pagamento de qualquer quantia ao sinistrado AA.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por outra que defira a pretensão do Recorrente.

Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA!”

*

A Ré seguradora ofereceu resposta, concluindo que:

(…).

*

O Ministério Público também veio responder concluindo que:

(…).

*

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do CPC), salvo as que são de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar a seguinte questão:

Se o FAT não é responsável pelo pagamento das prestações em que foi condenado.

*

*

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1. Em 30 de julho de 2015, o autor celebrou contrato de trabalho a termo certo com “C..., Lda”, com sede no Largo ..., ..., ... ..., para exercer as funções de operador de transformação de carnes por conta, sob a autoridade, fiscalização e direção desta sociedade.

2. No dia 04 de agosto de 2015, o autor foi vítima de um acidente quando trabalhava nas instalações da firma “B..., Unipessoal, Lda, sitas na Zona Industrial ..., nº..., Rua ..., ..., por conta, sob a autoridade e direção de C..., Lda.

3. À data do acidente o autor auferia a quantia total anual ilíquida de € 8.159,00.

4. O acidente ocorreu quando o autor se encontrava a fatiar carne com osso numa máquina fatiadora mecânica e foi atingido pela lâmina da máquina no dedo polegar da mão direita.

5. Em consequência direta e necessária do acidente, o autor sofreu traumatismo da mão direita, com esfacelo do 1º dedo, com amputação do polegar da mesma mão.

6. Essas lesões consolidaram-se em 20 de setembro de 2015.

7. Em consequência direta e necessária do acidente, o autor encontra-se afetado de uma IPP de 22,50%, reportada a 21 de setembro de 2015.

8. O autor sofreu de ITA desde o dia 05 de agosto de 2015 até ao dia 20 de setembro de 2015, num total de 47 dias.

9. O autor não recebeu qualquer quantia a título de indemnização por Incapacidades Temporárias por parte da seguradora.

10. À data do...

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