Acórdão nº 316/21.2T9VFX.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-03-2024
Data de Julgamento | 13 Março 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 316/21.2T9VFX.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
I
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Nos presentes autos de Instrução n.º 316/21.2T9VFX, do Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 5, foi, em 18-10-2023, proferido despacho de não pronúncia do arguido AA pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 184.º, ex viartigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, relativamente à pessoa do assistente BB (ref.ª 452906600).
*
O assistente BB interpôs recurso dessa decisão, tendo apresentado a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
“A)
O presente recurso recai sobre a Decisão instrutória de não pronúncia proferida pelo Tribunal a quo e notificada no dia 23/10/2023, que julgou procedente a defesa apresentada no requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido, concluindo que não existiram nos autos indícios suficientes da prática pelo Arguido AA dos factos descritos na acusação sobre a prática do crime de difamação agravada.
B)
A Decisão a quo proferida fundamenta-se no sentido da inverificação dos elementos típicos do crime de difamação de que o Arguido, aqui Recorrido, vem acusado, conforme infra se transcreve:
“Salvo o devido respeito, parece-nos que as expressões proferidas pelo arguido não são objetivamente ofensivas para a honra e consideração do assistente.
Trata-se, assim, de uma crítica, porventura imerecida e injusta, à atuação do assistente (da forma incorreta, na perspetiva do arguido, de como o mesmo conduziu a arbitragem e não propriamente à pessoa do assistente).
Conclui-se, pois, que, muito embora a conduta do arguido tivesse sido infeliz e indelicada até agressiva, atenta as expressões utilizadas (sobretudo o verbo roubar) não constitui indícios de qualquer ilícito criminal, já que não se pode esquecer que tais expressões foram proferidas logo seguir ao jogo quando todas as emoções estão à flor da pele.
O arguido embora tenha formulado juízos de valor negativos sobre a atuação do assistente, fê-lo sempre por factos relacionados com a atividade profissional do mesmo, em momento algum incidindo tais juízos e críticas sobre a pessoa do assistente, não incorrendo, pois, a nosso ver, em crítica pessoal, e muito menos em crítica caluniosa ou em juízos que exclusivamente revelem o propósito de rebaixar ou humilhar o assistente” (negritos e sublinhados nossos).
C)
Sem grandes considerações jurídicas porque evidentemente desnecessárias (ou pelo menos deveriam ser no entendimento do ora Recorrente), a alegação do Arguido em sede do requerimento de abertura de instrução é totalmente desprovida de razoabilidade, quer porque o sentido literal das expressões proferidas, no contexto em que o foram, não deixa margem para dúvidas, quer porque é o próprio quem admite nas suas declarações, proferidas em conferência de imprensa, em direto para a televisão portuguesa, e após a realização do jogo de futebol disputado entre o A... e o B..., que não temia represálias com as expressões e imputações que proferiu contra ao árbitro principal do jogo, ora Recorrente, ao dizer que “(…) volto a repetir para que fique gravado (…) sei que vou ser castigado e digo-vos mais, tenho o prazer em ser castigado (…)”.
D)
Segundo entendimento da nossa mais prezada jurisprudência, a título de exemplo, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães, de 05/03/2018, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/11/2020, proc. n.º 2294/17.3T9VFR.P1 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt):
A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social por serem ofensivos da honra e consideração do ofendido, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento dessa dignidade por parte dos outros, quer no período moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político. (negritos e sublinhados nossos).
E)
No caso dos autos, releva, para o preenchimento deste ilícito, a imputação ao visado - arbitro de futebol integrado na Federação Portuguesa de Futebol em competições profissionais – por meio de palavras e sob a forma de suspeita, da prática e crimes [(…) o que ele fez [o árbitro e aqui Recorrente] hoje foi roubar o A..., hoje o A... foi espoliado. foi roubado e foi maltratado (…) E claro que inequívoco que este Senhor[o árbitro e aqui Recorrente] hoje esteve no Estádio ... com um objetivo, prejudicaro A.... (…) Hoje o que aconteceu no Estádio ..., volto a repetir, para que fique gravado, foi um roubo.(…) porque o que aconteceu no segundo golo é um roubo, não há mais nada a dizer que não isto. Hoje tiraram-nos um ponto dentro decampo. E quem nos tirou não foi o B..., quem nos tirou foi o Senhor Árbitro. Isso é claro.”], juízos e imputações adjetivas objetivamente insultuosas do bom nome doárbitro, aqui Recorrente.
F)
Entendemos ser clara a natureza ofensiva das imputações efetuadas pelo Arguido, aqui Recorrido, porquanto, tratando-se o visado, de arbitro de futebol, reportando-se as imputações a atuação especifica numa arbitragem em concreto, num momento imediatamente após o decurso do jogo de futebol, a aptidão ofensiva é transversal à consciência ético-jurídica de qualquer cidadão colocado na mesma posição.
G)
A situação, in casu, não se traduz apenas numa indelicadeza, grosseirismo ou má educação, mas sim, de facto, numa ofensa da honra e consideração do árbitro, aqui Recorrente, e como tal merecedor de tutela penal.
H)
Não é necessário que o agente com o seu comportamento queira “ofender a honra ou consideração alheias”, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efetiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da ação previstos nas normas incriminatórias respetivas.
I)
Até porque, como já referimos antes, resulta dos autos, que o Arguido, aqui Recorrido, tinha a perfeita consciência de que as expressões e imputações que proferiu dirigidas ao árbitro, aqui Recorrente, iriam afetar a sua honra e consideração, não tivesse aquele assumido em conferência de imprensa o seguinte que infra se transcreve:
“O que ele fez hoje foi, e vou repetir isto, sabendo das consequências do que estou a dizer, o que ele fez hoje foi roubar o A....”
(…)
“Sei que vou ser castigado e digo-vos mais, tenho prazer em ser castigado.”
J)
Por outro lado, o Tribunal a quo fundamentou ainda a sua Decisão de não pronúncia que “As expressões imputadas ao arguido se bem que proferidas num tom e de um modo manifestamente inadequados às circunstâncias, correspondem ainda ao exercício do direito de crítica objetiva. São juízos de valor sobre atuações do assistente no âmbitodas suas funções no âmbito da arbitragem a um jogo e não propriamente sobre apessoa.” (negritos nossos).
K)
Não podemos concordar com tal desqualificação das condutas do Arguido, em causa nos presentes autos, sendo, tal Decisão, salvo devido respeito, contra legem, pois que, se o Legislador não qualificasse o crime em virtude do exercício das funções de juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, nenhum cidadão poderia ser ofendido na sua honra e consideração no exercício e por causa das suas funções. O que não pode suceder num Estado de Direito Democrático!
L)
O Legislador qualificou este crime atendendo precisamente à qualidade e funções exercidas pelo Ofendido, aqui Recorrente, pelo que não pode o Tribunal a quo querer desqualificar e desvalorizar as condutas do Arguido como sendo o exercício do direito à crítica objetiva pelo Arguido.
M)
Aliás, como resulta dos artigos 6 e 7 dos factos indiciados, o Arguido, aqui Recorrido, proferiu e imputou tais expressões ao Ofendido (enquanto pessoa), porém, no exercício e por causa das suas funções naquelas circunstâncias de tempo, hora e lugar. Conforme infra se transcreve:
“O que ele fez hoje foi, e vou repetir isto, sabendo das consequências do que estou a dizer, o que ele fez hoje foi roubar o A..., hoje o A... foi espoliado, foi roubado e foi maltratado foi isso que hoje aconteceu. E vou dizer o seguinte, chegou a altura de pormos o dedo na ferida. Isto vem a acontecer há uma série de jogos (...) Sendo que hoje, no segundo golo do B..., no amarelo ao CC, sabendo que o CC vai ficar excluído do próximo jogo, estas são atitudes persecutórias contra o A....
E claro que inequívoco que este Senhor hoje esteve no Estádio ... com um objetivo, prejudicar o A....
Hoje o que aconteceu no Estádio ..., volto a repetir, para que fique gravado, foi um roubo.
Sei que vou ser castigado e digo-vos mais, tenho prazer em ser castigado.
E hoje fomos espoliados.”
(…)
“porque o que aconteceu no segundo golo é um roubo, não há mais nada a dizer que não isto.
Hoje tiraram-nos um ponto dentro de campo. E quem nos tirou não foi o B..., quem nos tirou foi o Senhor Árbitro. Isso é claro.” (negritos e sublinhados nossos).
N)
Com as expressões proferidas, o Arguido, aqui Recorrido, dirigiu-se à comunicação social, imputando ao Assistente, aqui Recorrente, juízos de valor ofensivos da honra e consideração do Assistente, lançando, pelo menos, a suspeita da prática de crimes no exercício das suas funções de árbitro de futebol, mormente com o objetivo de favorecer a equipa contrária.
O)
O Arguido, aqui Recorrido, fê-lo, ciente da possibilidade de tais suspeitas serem infundadas, em virtude das funções exercidas pelo Assistente, aqui Recorrente, na qualidade de árbitro de futebol, agindo o Arguido, aqui Recorrido, consciente de que o veículo (e a sua posição de Presidente do A...) através do qual propalou as suspeitas facilita a sua divulgação - conferência de imprensa - e cujas expressões e imputações acabaram...
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