Acórdão nº 3122/18.8T8VCT.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-01-2023
Data de Julgamento | 19 Janeiro 2023 |
Case Outcome | CONCEDIDA PARCIALMENTE |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 3122/18.8T8VCT.G2.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Relatório
Transcunha – Transportes Rodoviários de Viana, Lda. propôs contra Auto Viação Cura, Lda. e T..., S.A. ação declarativa de condenação, peticionando
(i) que se declare que a Autora é titular do direito de concessão dos transportes urbanos da área de Viana do Castelo, que abrange as freguesias de Darque, Carreço, Perre, Santa Marta de Portuzelo, Vila Nova de Anha e Mazarefes em regime de exclusividade,
(ii) a condenação das Rés a reconhecerem esse direito,
(iii) a condenação das Rés a pagarem solidariamente à Autora a quantia de € 45.945,34, acrescida de juros à taxa legal a contar da citação até efetivo e integral pagamento,
(iv) a condenação das Rés a pagarem solidariamente à Autora os prejuízos que a sua conduta, descrita na petição inicial, lhe causar a partir de 1 de janeiro de 2018 e até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos, a liquidar ulteriormente; e
(v) a condenação das Rés a pagarem solidariamente à Autora uma indemnização no montante de € 500,00 por cada passageiro que embarque e/ou desembarque dentro da área de concessão dos transportes urbanos de Viana do Castelo, no período referido na alínea anterior do pedido.
Alegou que na sequência de um concurso público lançado pelo Município de Viana do Castelo, foi adjudicado à Autora, por escritura de concessão de serviço público de transportes coletivos de passageiros da área urbana e freguesias limítrofes, outorgada em 22 de setembro de 2015, o Município de Viana do Castelo adjudicou à Autora a concessão dos transportes urbanos da área urbana de Viana do Castelo e freguesias limítrofes, pelo prazo de 10 anos. Porque lhe foi conferido o direito exclusivo, perante os utilizadores e a concedente de assegurar os serviços objeto da concessão, dentro do perímetro territorial definido no caderno de encargos as rés ao efetuarem o transporte de passageiros dentro da área de concessão dos transportes urbanos de Viana do Castelo e efetuam as paragens de embarque/desembarque de passageiros que têm por origem e/ou destino essa área em trajetos e pontos de paragem totalmente inseridos na área de concessão dos transportes urbanos, violaram os direitos da autora.
Regularmente citadas, contestaram as Rés, por impugnação alegando que as Rés desenvolvem a sua atividade de transporte de passageiros e as paragens existentes nas respetivas localidades, há mais de 30 anos, servem, ao abrigo dos referidos alvarás e títulos, os interesses das Rés, para além dos interesses da Autora e impugnam os prejuízos invocados pela Autora.
Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu as Rés dos pedidos. Interposto recurso de apelação incidindo sobre a matéria de facto e sua impugnação foi mantida sem alteração a matéria fixada como provada e não provada em primeira instância e confirmada a sentença confirmada nos seus precisos termos e fundamentos.
Vem agora a autora interpor recurso de revista concluindo que:
“I. A questão decidenda, pelos interesses em presença e previsível aplicação a outros processos, assume relevância social e económica, não se circunscrevendo os interesses em presença aos interesses (privados) das partes em litígio.
II. Se a tese acolhida no douto acórdão se consolidar na ordem jurídica está aberta a porta para que os operadores de transporte urbano de passageiros que operam em regime e exclusividade, perdendo a garantia de que essa exclusividade possa ser oposta a outros operadores de transportes a operar na mesma área geográfica, reclamem avultadas indemnizações às entidades públicas que lhes conferiram essa exclusividade, pois que, a confirmar-se a douta decisão a quo, a mesma não tem qualquer aplicação ou de nada vale.
III. A revista justifica-se ainda pela relevância jurídica da questão decidenda e para uma melhor aplicação do direito, não tendo os nossos tribunais superiores sido ainda confrontados com questões decorrentes da aplicação do Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros (Lei nº 52/2015, de 9/06) e, bem assim, da sua compatibilização com o regime anterior, fixado no Regulamento dos Transportes em Automóveis, aprovado pelo Decreto nº 37272 de 31 de dezembro de 1948.
IV. Ademais, o douto acórdão a quo, ao considerar prejudicado o recurso quanto à matéria de direito, não conheceu o concreto ato ilícito invocado, omitindo ainda a apreciação da questão da aplicação da lei no tempo, com a consequente convocação das normas transitórias fixadas na Lei nº 52/2015, ali também suscitada.
V. Considerando a atualidade da questão decidenda, a sua complexidade e previsível aplicação a outros processos, atendendo ainda à particular relevância social e económica dos interesses em presença e, finalmente, por estarmos perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se impõe para uma melhor aplicação do direito, a revista deve ser excecionalmente admitida com fundamento no disposto nos artigos 672º, nº 1, alíneas a) e b), e 674º, nº 1, alíneas a) e c), do CPC. Nulidade por omissão de pronúncia
VI. O douto acórdão recorrido, julgando improcedente o recurso quanto à matéria de facto, não podia demitir-se de conhecer o recurso quanto à matéria de direito, já que, no caso, a decisão daquela não tinha por efeito, ou, sequer, a virtualidade, de prejudicar o conhecimento desta.
VII. O acórdão a quo, ao omitir o conhecimento do recurso quanto à matéria de direito, incumpriu o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 608º do CPC, sendo, por isso, nulo nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), aplicável ex vi do artigo 666º do CPC, o que se invoca.
Violação da lei substantiva
VIII. O Julgador subsumiu incorretamente, por errada ou má interpretação, os factos ao direito aplicável.
IX. Por efeito do disposto no artigo 7º do RJSPTP, o contrato de concessão administrativa aludido na alínea i) dos factos provados, por resultar de um procedimento concursal, mantém-se em vigor, tal qual foi celebrado, até ao termo da sua duração – ou seja, 2025.
X. Nos termos do disposto no artigo 8º da mesma lei, esse contrato continua a ser regido pelo antigo RTA, o que ocorre até por razões de ordem lógica, pois que mal se compreenderia que, tendo o procedimento concursal decorrido na vigência do RTA, tal contrato ficasse sujeito a uma lei que não existia nem estava em vigor na data da abertura do concurso que o precedeu.
XI. O direito de exclusividade da Recorrente na prestação do serviço do transporte urbano tem previsão legal nos artigos 98º (corpo) § 3 e 139º (corpo) § único do RTA, o que se manteve na lei atualmente em vigor, conforme flui dos nos artigos 3º, alínea h), 27º/1 e 21º/1, alínea h) do RJSPTP.
XII. Muito embora o artigo 27º do RJSPTP admita que outros operadores de serviço público realizem carreiras na área geográfica de uma concessão em regime exclusivo, isso só é permitido dentro dos condicionalismos nele fixados e apenas por forma a assegurar as ligações com áreas geográficas adjacentes (vd. artigo 27º, nº 3, alínea a), in fine, do diploma citado), o que as Recorridas, como se provou, não cumprem.
XIII. A distinção entre o serviço de transporte urbano (ou, na nomenclatura hodierna, serviço de transporte municipal) e o serviço de transporte interurbano (hoje, serviço de transporte inter-regional) sempre foi muito clara e inequívoca, tal como resulta do artigo 98º do RTA e dos atuais artigos 3º, alíneas r) e s), 6º e 7º do RJSPTP.
XIV. O RJSPTP não ignorou que, em determinados casos, poderá ocorrer coincidência geográfica parcial no itinerário percorrido pelo operador inter-regional e pelo operador municipal, tal como sucede no caso dos autos, em que, para além dessa coincidência, ocorre também coincidência nas paragens utilizadas por um e outro operador, sendo esse possível conflito resolvido de acordo com o previsto no artigo 27º, nºs 3, alínea a), e 4, do RJSPTP.
XV. Da conjugação dos preceitos legais citados resulta evidente que o direito de exclusividade conferido à Recorrente não impede as Recorridas de efetuarem o atravessamento geográfico da área urbana da cidade de Viana do Castelo e freguesias limítrofes e de aí largarem os seus passageiros, com origem fora da área urbana e freguesias limítrofes e com destino nessa mesma área.
XVI. Mas esse direito de exclusividade já as impede ou proíbe, na realização do serviço interurbano ou inter-regional, de tomarem passageiros dentro da área da concessão dos transportes urbanos e cujo destino se situe na mesma área.
XVII. O acórdão recorrido ignorou que, nos termos da lei atualmente em vigor, a única concorrência que pode existir entre operadores é no momento da escolha dos concessionários pelos municípios, em sede de procedimento concursal, não sendo admissível que essa concorrência exista ou se mantenha após a adjudicação da concessão.
XVIII. Estão, assim, preenchidos no caso todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual das Rés, instituto com base no qual a Autora as demandou.
XIX. A conduta das Recorridas descrita nas alíneas q) e r) é, assim, ilícita, violando o disposto nos artigos 98º, alíneas a) e b) e § 3, e 139º do RTA ou, no caso de se entender não ser essa a lei aplicável, o artigo 27º da Lei nº 52/2015, de 9.06, e, ainda, o artigo 30º, nº 3, ponto 3.3. da Postura de Regulamentação do Trânsito na área da cidade de Viana do Castelo.
XX. A conduta das Recorridas é culposa, na medida em que, enquanto operadores interurbanos, sabiam, como sabem, que tinham, e têm, de cumprir o direito de exclusividade da Recorrente na concessão do transporte urbano de passageiros na área de Viana do Castelo e freguesias limítrofes, do qual, de resto, tinham perfeito conhecimento, mas, ainda assim, impediram a Autora de exercer na plenitude esse direito, causando-lhe dano ou...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO