Acórdão nº 3120/22.7T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 08-05-2024

Data de Julgamento08 Maio 2024
Case OutcomeNEGADA A REVISTA.
Classe processualREVISTA
Número Acordão3120/22.7T8LRA.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Processo n.º 3120/22.7T8LRA.C1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos José de Morais


Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado


Conselheiro José Eduardo Sapateiro


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. - AA apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT).


BA Glass Portugal, S.A., frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado motivador do despedimento com justa causa, concluindo:


Termos em que deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, devendo o despedimento por justa causa proferido pelo empregador ser declarado lícito e regular.”.


2. - O Autor contestou/reconviu, pedindo:


“(D)eve ser declarada a ilicitude do despedimento, com as legais consequências e, em reconvenção, deverá o empregador ser condenado:


a) a reintegrar o Trabalhador ou, no caso de por ela optar, a pagar a indemnização a que alude o artigo 391º nº1 do CT de montante não inferior a 45 dias de retribuição por cada ano de trabalho;


b) a pagar ao Trabalhador o montante das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão;


c) a pagar ao Trabalhador os juros à taxa legal sobre aquelas quantias, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”.


3. - Na sentença da 1.ª instância foi decidido:


“(D)eclaramos ilícito o despedimento do autor, AA, perpetrado pela ré, BA Glass, S.A., pelo que:


a) condenamos a ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde 13 de maio de 2022 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, apuradas a esta data no valor de € 11.613,20 (onze mil seiscentos e treze euros e vinte cêntimos);


b) condenamos a ré a pagar ao autor uma indemnização calculada até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, com referência a 40 dias de remuneração base por cada ano completo ou fração de antiguidade, calculada a esta data no valor de € 38.710,67 (trinta e oito mil setecentos e dez euros e sessenta e sete cêntimos).


c) condenamos a ré ao pagamento das custas processuais.”.


4. - O Tribunal da Relação de Coimbra acordou:


“(J)ulgar a apelação parcialmente por provada, passando a aparte dispositiva da sentença a ser a seguinte (7):


“Pelo exposto, declaramos ilícito o despedimento do autor, AA, perpetrado pela ré, BA Glass, S.A., pelo que:


a) condenamos a ré a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde 29 de junho de 2022 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, apuradas a esta data (06.10.2023) no valor de € 17.690,77 (dezassete mil seiscentos e noventa euros e setenta este cêntimos) à qual serão deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.


b) condenamos a ré a pagar ao autor uma indemnização calculada até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, com referência a 30 dias de remuneração base por cada ano completo ou fração de antiguidade, calculada a esta data no valor de € 29.033 (vinte e nove mil e trinta e três euros).


*


Custas por recorrente e recorrido na proporção da sucumbência.


[7 As alterações introduzidas por esta Relação vão assinaladas a negrito.]”.


5. - A Ré apresentou recurso de revista, concluindo, em síntese:


1. Vem o recurso interposto do douto acórdão retro, na medida em que, pese embora tenha procedido a modificação substantiva do acervo factual, manteve o juízo de ilicitude do despedimento em pauta nos autos.


2. A Recorrente impugna o exercício, pelo Tribunal da Relação, dos respetivos poderes-deveres em matéria de reapreciação do probatório (cfr. artigo 674.º, n.º 1, al. b), 3; 682.º, n.os 2 e 3, e 683.º, n.º 2, CPC).


2.1. No que respeita aos factos provados 25 e 26, o Tribunal da Relação entendeu – e assim declarou – dever ser dada prevalência à convicção da 1.ª instância ante a existência de depoimentos contraditórios, exonerando-se de firmar, como era sua obrigação, convicção probatória própria, violando o teor dos artigos 640.º e 662.º CPC.


2.2. O duplo grau de jurisdição em matéria factual implica que o Tribunal de 2º grau proceda à reapreciação crítica da prova produzida, produzindo juízo probatório próprio.


2.3. Assim, no respeitante a estes dois pontos impugnados, o aresto recorrido salda-se deficiente, impondo-se a respetiva anulação, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, al. c) CPC ex vi artigo 679.º CPC e 87.º/1, CPT.


2.4. Já no que respeita à alínea f) do elenco de factos não provados, o Tribunal da Relação declinou transpô-lo para o rol de factos provados, por ter entendido que “(…) o autor tivesse sempre conhecimento desse envio (…)”, pese embora tenha formado convicção de que “o autor tinha conhecimento dos equipamentos que, em concreto, eram enviados para reparação caso estivesse presente na zona de moldes (…)”.


2.5. Como assim, deveria o Tribunal recorrido, como agora se requer, ter assentado resposta restritiva: O Trabalhador tinha conhecimento dos equipamentos que, em concreto, eram enviados para reparação quando estava presente na zona de moldes. Tanto deve ser ora remediado por este Supremo Tribunal de Justiça, assim se complementando o facto assente n.º 29.


2.6. Contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, o facto aditando n.º 22 – A reveste relevância na economia dos autos, já que relata os proventos arrecadados pelo Recorrido em virtude da atividade desenvolvida junto da J....


2.7. Acresce que o facto em apreço assenta em documentos particulares dotados de força probatória plena, posto que não impugnados.


2.8. Tendo, aliás, sido requisitados pelo Tribunal.


2.9. Termos em que o facto n.º 22 – A deve ser incluído no elenco de factos assentes [cfr. arts. 607.º/5 ex vi 663.º/ 3 (ex vi art.º 679.º) CPC e 363.º/2 e 376.º/1, CC], o que se requer junto deste Supremo Tribunal de Justiça.


3. Sendo ordenado o reenvio dos autos ao Tribunal de procedência como peticionado em 2.3. supra, a reapreciação do juízo de (i)licitude do despedimento ficará dependente do cumprimento do acórdão anulatório, sendo apenas apreciado após regresso do processo a este Supremo Tribunal de Justiça (se tal se justificar).


4. Não se determinando a remessa do processo ao Tribunal da Relação (sem prescindir), deve a questão da (i)licitude do despedimento ser aferida em sede de revista normal ou, subsidiariamente, excecional.


4.1. Com efeito, o Tribunal da Relação procedeu a alteração relevante do elenco de factos provados.


4.2. E deu como provado que o Trabalhador não se mostrava disponível para realizar trabalho suplementar, facto que o Tribunal de 1.ª instância não teve por provado, valorando tal falta de prova em desabono do despedimento em crise.


4.3. Ante o exposto, as fundamentações de 1.ª e 2.ª instâncias não se equivalem, o que legitima a revista normal.


(…).


4.4.2. Do exposto resulta que o Tribunal da Relação, brevitatis causa:


- cingiu o âmbito do dever de lealdade aos deveres de não-concorrência e sigilo;


- entendeu ser necessária a prova de (1) artifício e (2) danos patrimoniais ou reputacionais para que se concluísse existir justa causa subjetiva.


4.4.4. Por um lado, o dever de lealdade não se desdobra apenas nas vertentes de não-concorrência e sigilo (consistindo estas hipóteses em meros exemplos que a lei prevê no artigo 128.º, n.º 1, al. f) CT). A situação em apreço, pese embora não corresponda ponto-por-ponto a situação típica de concorrência desleal, ainda assim afronta o dever de lealdade, cumprindo aferir se, enquanto situação paralela à concorrência desleal, pode configurar justa causa.


4.4.5. Por outro lado, não se mostra exigível a prova de prejuízos ou danos para que se possa afirmar a violação do dever de lealdade e existência, neste âmbito, de justa causa subjetiva. Tal tem sido afirmado pela casuística e pela doutrina.


(…).


5. Os autos documentam comportamento violador do dever de lealdade e suficientemente grave para firmar justa causa de despedimento.


6. Nesse sentido, não pode senão entender-se que as instâncias andaram mal ao reputar de ilícito o despedimento ora impugnado.


7. O legislador, ao estatuir que o trabalhador está obrigado a guardar lealdade à entidade patronal, não podendo negociar por conta própria ou alheia em concorrência com ela, inibe o trabalhador de toda e qualquer atuação que possa entrar em concorrência mais ou menos direta com a atividade desenvolvida pelo empregador ou interferir nessa atividade de modo potencialmente prejudicial.


9. No caso, é inequívoca a dependência da Empregadora quanto aos serviços prestados pela R..., já que as peças estão submetidas a condições de fabrico que as deterioram (cfr. factos provados 4 a 8, 12 e 13, 16).


10. Competia ao Trabalhador reparar tais peças (cfr. facto provado n.º 3).


11. A reparação não conseguida internamente é adjudicada à R... (facto provado n.º 10);


12. A R... é a única entidade que reparava boquilhas da fábrica da ... (facto provado n.º 11);


13. As pessoas de ambas as empresas conhecem-se e tratam-se mutuamente (facto provado n.º 14);


14. O Trabalhador está presente aquando da receção do material reparado (facto provado n.º 29);


15. O Trabalhador aufere mais honorários consoante mais peças reparar (facto provado n.º 21 e 22);


16. A Empregadora desconhecia que o Trabalhador prestava serviços para a R..., empresa sua fornecedora (facto provado n.º 23);


17. À face destes factos, resulta manifesto não ser inexigível à Empregadora manter ao seu serviço um trabalhador que intervém, ao lado da contraparte, nos contratos de prestação de serviços externos, quinhoando nos mesmos.


18. Tudo o que ocorre quando o Recorrido se recusava prestar trabalho suplementar à agora Recorrente (facto aditado na Relação) mas propunha-se desenvolvê-lo a...

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