Acórdão nº 311/04.6TBENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16-04-2015
Data de Julgamento | 16 Abril 2015 |
Número Acordão | 311/04.6TBENT.E1 |
Ano | 2015 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I. RELATÓRIO
Em 18 de Maio de 2004, BB e CC intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra DD, Sociedade Unipessoal, Lda., EE e FF, pedindo a condenação:
a) da 1ª Ré a encerrar o estabelecimento comercial “DD, Sociedade Unipessoal, Lda.”, sito na fracção J – rés-do-chão direito do prédio situado na Av. (...), Entroncamento, até comprovar administrativamente que está totalmente eliminada a possibilidade de produzir ruídos perturbadores da saúde e repouso dos AA. e de sua família;
b) da 1ª Ré e 2ºs RR., solidariamente, a pagar um valor não inferior a € 29 350,00 a título de indemnização, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
c) da 1ª Ré a pagar um valor não inferior a € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da decisão de encerramento a decretar judicialmente, nos termos do disposto no artº. 829º-A do Código Civil.
Para tanto, alegam, em síntese, que são proprietários da fracção L – 1º andar esquerdo, para habitação, situada imediatamente por cima da fracção J – R/C direito destinado a comércio, propriedade dos 2ºs RR. e na qual a 1ª Ré instalou um estabelecimento comercial de talho, após a ter tomado de arrendamento aos 2ºs RR. e de ter obtido autorização do condomínio para instalar o aludido estabelecimento comercial “desde que o interessado se comprometa a assegurar as condições de isolamento de modo a garantir a segurança e comodidade dos condóminos”.
Em 9 de Outubro de 2002, a 1ª Ré abriu aquele talho ao público e desde então o referido estabelecimento está em funcionamento sem a necessária licença de utilização e sem condições de segurança e de salubridade, porquanto os equipamentos instalados provocam ruídos constantes que são audíveis no prédio dos AA., a vibração das máquinas interfere com a estrutura do prédio, fazendo-se sentir particularmente nos quartos de dormir dos AA. e sua família, e o talhar da carne e ossos causa pancadas que se transmitem à habitação dos Autores.
Acrescentam que esses ruídos ocorrem a qualquer hora do dia ou da noite e inclusivamente no fim-de-semana, vendo-se os AA. privados do seu direito ao repouso.
Apesar dos AA. terem apresentado uma reclamação junto da 1ª Ré, da Câmara Municipal do Entroncamento, da Delegada de Saúde do Entroncamento e da Inspecção Geral do Ambiente, os ruídos não cessaram, tendo em 28 de Abril de 2003 a Câmara Municipal ordenado o encerramento do estabelecimento de talho, ordem essa que não foi cumprida pela 1ª Ré e seu sócio-gerente apesar de devidamente notificados para o efeito, continuando esse estabelecimento em pleno funcionamento.
Referem, ainda, que, por causa dos ruídos produzidos por aquele estabelecimento, os AA. não conseguem dormir, nem descansar à noite e aos fins-de-semana, causando-lhes um permanente estado de nervosismo, irritabilidade e tensão emocional permanente, dificuldades em dormir, alterações de memória, tristeza e desgosto, tendo necessidade de serem medicamente assistidos.
A falta de descanso e cansaço provocado por esta situação interfere na actividade profissional dos AA., diminuindo a sua produtividade e a vontade de exercerem a sua profissão.
Apesar de ter sido alertada diversas vezes sobre esta situação, designadamente pelas autoridades administrativas, a 1ª Ré não empreendeu qualquer esforço para pôr fim aos aludidos ruídos, sendo que os 2ºs RR. conhecem essa situação desde o início e transmitiram aos AA. que deviam parar com as diligências que vinham fazendo junto da Câmara Municipal e que não têm intenção de fazer cessar os ruídos, pelo que deverão os AA. ser indemnizados pelos prejuízos causados na sua saúde e integridade física, num valor diário não inferior a € 25,00 desde 9 de Outubro de 2002.
Os RR. EE e FF apresentaram contestação, impugnando no essencial os factos alegados pelos AA. e alegando que o contrato de arrendamento foi celebrado com a 1ª Ré depois dos condóminos, entre os quais o A. BB, terem autorizado a instalação do estabelecimento comercial da Ré DD no locado.
Referem, ainda, que nos termos do aludido contrato, aquela Ré obrigou-se a fazer um uso prudente do locado e assumiu a responsabilidade pela execução das obras necessárias à instalação do seu estabelecimento, bem como pela obtenção das necessárias licenças, não tendo os contestantes conhecimento de que a 1ª Ré faça um uso imprudente do locado, estando este licenciado para comércio, sendo que a responsabilidade por qualquer eventual utilização indevida do locado recai sobre a Ré DD.
Concluem, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
A Ré DD, Sociedade Unipessoal, Lda. contestou, alegando, em síntese, que os AA. litigam de má fé porquanto autorizaram a instalação do referido estabelecimento, a Ré fez as obras necessárias de insonorização, tendo os níveis de ruído sido testados por uma empresa certificada estando dentro do legalmente admitido, para além de que os AA. apenas invocam que persistiram os ruídos, mas não dizem qual a intensidade desses ruídos ou se o nível dos mesmos ultrapassa o legalmente admissível, pelo que a petição inicial é inepta.
Acrescenta que os AA. “foram grandes apoiantes da ideia da instalação do talho”, a não existência de licença de utilização para esse talho deve-se às reclamações infundadas dos AA. e que o estabelecimento comercial da Ré não produz ruídos, nem prejudica o direito ao repouso dos AA., constituindo esta acção um abuso de direito por parte daqueles, pois a licença de funcionamento foi deferida tacitamente e só não o foi expressamente porque os AA. com as suas queixas infundadas atrasaram o processo que há muito corria na Câmara Municipal do Entroncamento
A Ré DD deduziu, ainda, reconvenção contra os AA., alegando que estes têm apresentado queixas, dolosa e infundadamente, junto de diversas instituições, o que causa sérios prejuízos à Ré com a perda de clientela do estabelecimento, o incómodo das fiscalizações das diversas entidades e com a paralisia do negócio, e pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos causados com a sua conduta, no montante de € 100 000, havendo ainda prejuízos cuja extensão não é possível determinar, remetendo a sua liquidação para a execução de sentença, devendo, ainda, os AA. ser condenados como litigantes de má fé.
Os AA. apresentaram réplica, na qual, em síntese, impugnam a excepção de ineptidão da petição inicial e o abuso do direito invocados pela 1ª Ré, o fundamento do pedido reconvencional deduzido por esta e a invocada litigância de má fé, alegando, ainda, que a Ré DD litiga de má fé por os valores peticionados em reconvenção constituírem um abuso de direito.
Concluem, pugnando pela improcedência das excepções invocadas, do pedido de condenação dos AA. por litigância de má fé e do pedido reconvencional e pela procedência da acção, pedindo a condenação da Ré DD como litigante de ma fé.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a arguida excepção de ineptidão da petição inicial, foi admitida a reconvenção deduzida pela 1ª Ré e seleccionada a matéria de facto assente e a que consta da base instrutória, a qual não sofreu qualquer reclamação.
Os AA. apresentaram um articulado superveniente, alegando, no essencial, que após a propositura da acção, no dia 23 de Julho de 2007, celebraram com GG, Lda. a escritura pública de permuta e mútuo com hipoteca, na qual os AA. cederam à segunda a fracção que na petição inicial alegaram ser sua, pelo preço de € 100 000, tendo desde aquela data deixado de residir naquela fracção, pois já não aguentavam mais viver naquela situação, que inviabilizava a satisfação das suas necessidades básicas de descanso, estabilidade e repouso.
Mais alegaram que, por via disso, tiveram de alterar o seu crédito de habitação, passando a sua prestação mensal de € 310,16 para € 512,94, concluindo pelo recebimento do aludido articulado superveniente, com todas as consequências advenientes.
O articulado superveniente foi liminarmente admitido.
A Ré DD respondeu ao articulado superveniente, aceitando “que os AA. tenham permutado as fracções”, mas apenas porque entenderam comprar outra fracção mais moderna e com outras características, e referindo que a Ré também encerrou o referido estabelecimento comercial.
Termina, pugnando pela improcedência da acção e procedência total da reconvenção.
Os RR. EE e FF também responderam ao articulado superveniente, alegando que o mesmo é inepto, pelo que deve ser rejeitado, para além de que, desde 23 de Julho de 2007, os AA. já não são os proprietários da fracção autónoma identificada nos autos e, desde essa data, deixaram de residir na mesma, pelo que são partes ilegítimas na presente acção, devendo, por isso, ser a instância declarada extinta por impossibilidade superveniente da lide.
Por despacho proferido em 20 de Junho de 2011, foi admitido o articulado superveniente apresentado pelos AA., foram julgadas improcedentes as excepções de ineptidão do articulado superveniente e de ilegitimidade activa, foi julgado improcedente o pedido de extinção da instância e foram aditados quatro quesitos à base instrutória a submeter a julgamento.
A Ré DD mudou a sua denominação para DD– Indústria e Comércio de Carnes, Lda., conforme despacho exarado em 7 de Setembro de 2011.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo na mesma sido proferido despacho a determinar a rectificação da alínea G) dos Factos Assentes.
Após a resposta à matéria de facto constante da base instrutória, que não sofreu qualquer reclamação, em 9/04/2013 foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência:
a) Julgou extinta a instância por inutilidade...
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