Acórdão nº 3107/20.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06-06-2024
Data de Julgamento | 06 Junho 2024 |
Número Acordão | 3107/20.4T8BRG.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
A) AA e BB vieram intentar ação declarativa com processo comum, contra CC e EMP01..., Lda, onde concluem pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:
1. Se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda do imóvel localizado na Rua ..., firmado entre os autores e a 1ª ré em 09/12/2019 e seu aditamento, firmado em 27/12/2019;
2. Se condenem as rés, solidariamente, no pagamento do valor de €40.000,00 aos autores, correspondente ao dobro do sinal pago por eles, acrescido de juros de mora, desde a citação.
Para tanto alegam, em síntese, que os autores celebraram com a 1ª ré CC, em 09/12/2019, um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel de que a ré era proprietária, pelo preço de €130.000,00, pagando os autores um sinal de €10.000,00, na assinatura do contrato e o restante no ato da escritura a celebrar até ao final de janeiro de 2020.
A 1ª ré comprometeu-se a vender o imóvel livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, sendo a 2ª ré intermediária no negócio, porém incumpriu o contrato-promessa, não sendo possível a celebração do contrato definitivo devido aos ónus (hipotecas e penhoras) que se mantinham sobre o imóvel na data designada para a celebração da escritura de compra e venda, tendo os autores interpelado a 1ª ré para comprovar no prazo de cinco dias que havia procedido à eliminação daqueles ónus, o que não sucedeu, pelo que a 2ª ré é responsável solidariamente com a 1ª ré uma vez que intermediou o negócio e omitiu aos autores a existência daqueles ónus, determinantes para a decisão dos autores, violando o seu dever de informar.
*
Pela ré EMP01..., Lda, foi apresentada contestação onde conclui:a) Deverá o valor da ação ser fixado em €40.000,00 (quarenta mil euros) nos termos dos artigos 296º, nº 1 e 301º. nº 1 do C.P.C, com as devidas consequências legais nomeadamente a remessa do processo para o Tribunal competente nos termos do artigo 310º do C.P.C.
b) Requer-se, por cautela, a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros EMP02..., S.A., NIPC ...31, com sede na Avenida ..., ... ..., na qualidade de ré em litisconsórcio necessário com a aqui 2ª ré, nos termos do disposto no artigo 33º, nº 2 do C.P.C, devendo a mesma ser citada para a ação nos termos do disposto do artigo 319º do C.P.C;
c) Deverá a exceção de ilegitimidade da aqui ré ser julgada procedente por provada, absolvendo-se a mesma da instância;
d) Caso assim não se entenda, seja a presente ação julgada improcedente por não provada, absolvendo-se a ré do pedido.
A referida ré contestou, por exceção e impugnação, sustentando, em síntese, ter cumprido o dever de informar os autores sobre a existência dos ónus sobre o imóvel e suscitou o incidente de intervenção principal provocada da companhia de seguros para a qual transferiu, por contrato de seguro, a responsabilidade decorrente da sua atividade profissional.
*
A ré CC apresentou contestação que foi considerada extemporânea e mandada desentranhar.*
Os autores apresentaram réplica onde pugnam pela declaração de rescisão por culpa da 1ª ré do contrato-promessa, pela declaração da responsabilidade solidária da 2ª ré, no ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos autores e na condenação de ambas no pagamento do valor de €40.000,00 (dobro do sinal).*
Foi admitida a intervenção principal provocada da chamada EMP03..., S.A., que contestou concluindo que a ação deve ser julgada improcedente, excecionando o abuso de direito dos autores.*
Foi elaborado despacho saneador que fixou à ação o valor de €170.000,00 e declarou a competência do tribunal, julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da 2ª ré, sociedade imobiliária e foi identificado o objeto de litígio e enunciados os temas de prova.*
Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde foi decidido julgar a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente:A) Declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado em ../../2019, com o aditamento de 27 de dezembro de 2019, entre os autores e a 1ª ré, tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra ..., destinada a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...20 e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...07;
B) Condenar a 1ª ré CC a pagar aos autores AA e BB a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
C) Absolver do pedido a ré EMP01..., Lda, e a Interveniente EMP03..., S.A.;
D) Condenar autores e 1ª ré no pagamento das custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50%.
*
B) Inconformado com tal decisão, veio a ré CC interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 512).*
C) Nas alegações de recurso da autora DD são formuladas as seguintes conclusões:I. O julgamento dos pontos X), Y), Z) e AA) da matéria de facto dada como provada não reflete de forma fiel ou correta a prova produzida, além de que a mesma contém particularidades jurídicas que, desde logo, poderiam e deveriam inquinar o seu julgamento e afastá-los da matéria de facto dada como provada.
II. É manifesto o vício substancial e a ineficácia da interpelação mencionada no ponto X) da matéria de facto dada como provada, a qual é endereçada pelo então Ilustre Mandatário dos autores, sem, contudo, demonstrar de forma minimamente adequada os seus poderes de representação.
III. A interpelação não subscrita pelos recorridos, e sem a instrução de qualquer instrumento de representação a não poderia ter a virtualidade de transmitir eficazmente qualquer posição dos recorridos uma vez que os mesmos apenas de forma incidental eram ali mencionados, não possuindo o cariz de uma indispensável interpelação admonitória.
IV. Não foi convencionado no contrato-promessa de compra e venda sob qual das partes impendia a marcação da escritura, não tendo existido qualquer ação para fixação de prazo, também não resultando do não resulta dos autos, nem da matéria de facto dada como provada que os recorridos alguma vez tenham procedido a alguma marcação da escritura pública de compra e venda em período subsequente ao da ineficaz interpelação.
V. Em circunstância alguma e sem embargo dos vícios da missiva de 15 de maio de 2020, o prazo de 5 (cinco) dias a contar da sua receção seria um prazo razoável e suficiente para constituir uma válida e legal interpelação admonitória.
VI. De acordo com o conteúdo da missiva endereçada pelo mandatário que não demonstrou qualquer poder representação e que não se encontrava subscrita pelos recorridos, também não contem qualquer intimação para o cumprimento do contrato promessa, bem como a comunicação de que uma eventual mora se poderia converter em incumprimento definitivo, antes limitando-se a solicitar a documentação atinente ao cancelamento dos ónus inscritos no imóvel.
VII. Mais a mais quando o prazo fixado de 5 dias é contemporâneo com o notório facto de que em abril, maio e junho de 2020 o país estava em pleno Estado de Emergência e todos os ramos da vida administrativa e económica se encontravam autenticamente paralisados.
VIII. No decurso do negócio sempre a recorrente foi dando resposta às solicitações dos recorridos onde se reafirma a vontade e intenção de realização do contrato prometido, tendo, de resto, no dia 23 de junho de 2023, ou seja, antes da precipitada interposição da ação, sido agendada a escritura pública de compra e venda para o dia 6 de julho de 2020, escritura essa a que os recorridos não compareceram, conforme certificado emitido pela ... Conservatória do Registo Predial ....
IX. No quadro fáctico em apreço a concessão de um prazo de 5 dias, terá de ser considerar como sendo totalmente irrazoável e propositadamente curto para que pudesse ter a possibilidade de ser cumprindo, incorrendo, por isso, os recorridos em claro abuso de direito.
X. A missiva de 15 de maio de 2020 subscrita unicamente pelo mandatário dos recorridos não espelha de forma fiel ou verdadeira a real vontade dos recorridos à data, uma vez que resultado depoimento dos recorridos em sede de declarações de parte que pretendiam a realização do contrato prometido até à data em que abandonaram o imóvel, o que sucedeu já no final do mês de setembro de 2020.
X. Isso mesmo se retira das declarações de parte dos recorridos a minutos 01:01:44 a 01:15:45, do recorrido marido e 12:30 a 19:45 da recorrida mulher devidamente transcritos nas alegações e que por brevidade se...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO