Acórdão nº 3092/21.5T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 12-09-2022

Data de Julgamento12 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão3092/21.5T8PNF.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
APELAÇÃO n.º 3092/21.5T8PNF.P1
Secção Social


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. No Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel, AA intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra R..., SA., pedindo: a imediata reintegração no seu posto e local de trabalho; o pagamento da retribuição, já vencida, referente ao mês de setembro e outubro de 2021, no montante de 2.193,54€ (700,00€ + 87,00€ + 199,77€ + 110€) x 2; pagamento das prestações vincendas até final. A título do pedido subsidiário peticiona: a distribuição imediata de serviço para o A. realizar, na qualidade de motorista; pagamento da retribuição do mês de setembro de 2021, no montante de 2.193,54€ (700,00€ + 87,00€ + 199,77€ + 110€) x 2; prestações vincendas até final.
Alegou, em suma, que celebrou com a R um contrato de trabalho, que esta lhe comunicou a dado passo a transmissão do estabelecimento, a que o a se opôs e que a ré acabou por despedir verbalmente o A.
Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.
Regularmente citada, a R. contestou, alegando que a transmissão do contrato de trabalho do A se operou para entidade terceira e que, ainda que tal não tivesse sucedido, o contrato de trabalho do A teria caducado.
Tendo o Tribunal a quo entendido que havia acordo das partes quanto aos factos pertinentes para apreciação do mérito da acção, foi convocada audiência prévia na qual foi concedida a oportunidade às partes de produzirem alegações.
I.1 Subsequentemente o tribunal a quo fixou à causa o valor de 2.193,54€ e proferiu sentença, fixando a matéria de facto e aplicando-lhe o direito, concluindo-a com o dispositivo seguinte:
A) Declaro a ilicitude do despedimento do Autor AA;
B) Condeno a Ré “R..., SA.” a reintegrar o Autor AA sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
C) Condeno a Ré “R..., SA.” a pagar ao Autor AA as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, à razão de:
a. Vencimento – 700,00
b. 6 Diuturnidades – 87,00€
c. Subsídio de Agente Único – calculado nos termos da cláusula 16ª da Convenção Coletiva de Trabalho publicada nos B.T.Es. n.ºs 8 de 29.02.80 e 14 de 15.05.82, e posteriores alterações e Portarias publicadas nos BTE nº 30 e 31 de 15.08.1980 e 22.08.1983.
D) Quantias estas acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a citação da R em 8/11/2021, sobre todas as prestações e até integral pagamento.
E) Absolve-se a R do que ademais é peticionado.
Custas por A e R na proporção do decaimento.
Notifique e registe.
[..]».
I.2 Inconformada com a sentença, a Ré empregadora apresentou recurso de apelação. As alegações de recurso foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1ª O A. foi admitido ao serviço da R., por contrato individual de trabalho, como motorista de serviço público rodoviário de passageiros, tendo o local de trabalho dentro do concelho de Amarante, executando serviços, ao abrigo de concessões atribuídas à R. pela Câmara Municipal de Amarante.
2ª Por deliberação da Câmara Municipal de Amarante, de 23 de agosto de 2021, foram revogadas todas as concessões de serviço de transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante, de que a R. era titular, a partir das 23h59 do dia 31 de Agosto de 2021.
3ª A partir de 1 de setembro de 2021, a exploração dos referidos serviços de transporte público passou a ser assegurado pela empresa R..., Lda, na qualidade de nova concessionária da concessão do transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante, por lhe ter sido adjudicada em concurso público, conforme comunicado pela Câmara Municipal de Amarante.
4ª A Câmara Municipal de Amarante havia privado a R. das instalações que lhe estavam atribuídas no terminal rodoviário de Amarante, que passaram a ser utilizadas pela nova concessionária, R..., Lda.
5ª A R. comunicou ao A. e à ACT a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária nos termos previstos no artigo 285º do Código de Trabalho e da Lei nº 18/2021, tendo a ACT reconhecido a transmissão do contrato de trabalho para a nova concessionária.
6ª O A. reconheceu o efeito de transmissão, tendo requerido a providência cautelar nº 2333/21.3T8PNF para ser integrado nos quadros da nova concessionária R..., Lda, que estava legalmente obrigada à transmissão operada ope legis (não por efeito da vontade da A., mas por ato de adjudicação em concurso pela autoridade pública concedente), e a respeitar os direitos adquiridos do A., pelo que a eventual oposição do A. constitui venire contra factum proprium.
7ª A transmissão da exploração de todas as concessões do serviço de transporte público rodoviário de passageiros no concelho de Amarante para a nova concessionária R..., Lda, por força do concurso público, implica a transmissão dos contratos dos trabalhadores afetos àqueles serviços, por força dos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e da Lei nº 18/2021.
8ª O sentido da Lei nº 18/2021 foi de garantir aos trabalhadores dos transportes a transmissão para os novos concessionários, por força de concurso público, indicando claramente que tal transmissão ocorre por efeito da “adjudicação”, que se há-de entender por “inicio da exploração da concessão”.
9ª Tratando-se de concessão de serviço público, os direitos dos trabalhadores estarão sempre salvaguardados, porquanto as regras da contratação pública impõem aos concessionários o cumprimento das obrigações laborais, podendo a concessão ser revertida para o concedente ou objeto de nova concessão, sempre assegurando a transmissão dos contratos de trabalho afetos à concessão.
10ª A Lei nº 18/2021 visou especificamente garantir a transmissão dos contratos de trabalho dos motoristas afetos ao serviço de carreiras para as novas concessionárias de serviço público.
11ª De outro modo, sempre se teria de entender ter ocorrido a caducidade do contrato de trabalho, por terem sido extintos os serviços efetuados pelo A., por revogação das concessões de que a A. era titular, não havendo outro serviço que lhe possa ser atribuído.
12ª A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 285º, nº 10, do Código de Trabalho e no artigo 3º da Lei nº 18/2021.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida.
I.3 O recorrido não apresentou contra-alegações.
I.4 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso, na consideração, no essencial, do seguine:
«[..]
o recorrido ao ter exercido o seu direito de oposição fê-lo de modo a reagir a possível ulterior resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, na sequência da transmissão da concessão poder resultar num prejuízo sério para si, por sua incerteza em relação à futura estratégia organizativa que a nova empresa concessionária pudesse vir a desenvolver; a quem cabe assumir os custos ligados à prestação dos serviços, nos quais se incluem, designadamente, os custos com o pessoal.
Do exposto, temos quer foi correctamente aplicado o regime previsto nos artºs. 285º. e 286º.-A, do Código do Trabalho, para concluir pela reintegração do trabalhador recorrido, com manutenção dos inerentes direitos que lhe assistem.
Como, sem reparo, foi julgada improcedente a excepção de caducidade.
[..]».
I.5 Respondeu a recorrente, referindo, no essencial, o seguinte:
- “tendo [..] cessado a exploração do serviço a que o trabalhador estava afeto (cuja exploração transitou para a nova concessionária do serviço), se não houver transmissão do contrato de trabalho, haverá extinção do posto de trabalho, exatamente o que a lei pretende evitar.
Assim, atentos os pressupostos enunciados no douto parecer do MP, a conclusão deveria ser exatamente a contrária, promovendo-se a procedência da apelação, assim se protegendo os direitos do trabalhador ao posto de trabalho agora afeto à nova concessionária (e não à recorrente).
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos ao ter concluído pela ilicitude do despedimento do Autor, com condenação da recorrente nos consequentes efeitos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo considerou provados, mercê do acordo das partes em sede de articulados, os factos seguintes:
a) Por contrato de trabalho celebrado em 13 de setembro de 2000, o A. foi admitido ao serviço da Ré, para sob as ordens, direção e fiscalização dos seus legais representantes exercer as funções de motorista na condução de veículos pesados de transporte de passageiros.
b) A Ré dedica-se à atividade dos Transportes Públicos de Passageiros e encontra-se inscrita na ANTROP – Associação Nacional dos Transportadores Rodoviários de Passageiros.
c) Por seu turno o A. encontra-se inscrito no STRUN – Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte.
d) Ao serviço da Ré auferiu ultimamente o A. a seguinte retribuição mensal:
• Vencimento – 700,00
• 6 Diuturnidades – 87,00€
• Subsídio de Agente Único – calculado nos termos da cláusula 16ª da Convenção Coletiva de Trabalho publicada nos B.T.Es. n.ºs 8 de 29.02.80 e 14 de
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