Acórdão nº 309/19.0T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-06-2021
Judgment Date | 17 June 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 309/19.0T8VRL.G1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório
1. AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada, pedindo que:
a) – Seja reconhecido o direito a haver para si o prédio rústico (que melhor identificou) vendido pela 1.ª Ré (BB) à 2.ª Ré (Minfo - Comércio de Micro Informática, Limitada), mediante o pagamento do preço declarado na escritura pública de compra e venda;
b) – Seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/10/2019, do dito prédio a favor da 2.ª Ré.
Alegou para o efeito, e em síntese, que:
É arrendatária rural do prédio identificado nos autos, por contrato escrito de 16 de Setembro de 1969, objeto de duas denúncias escritas sucessivas e de uma prorrogação, por acordo das suas partes iniciais.
Desde sempre explorou o dito imóvel, fazendo-o agora com a ajuda de dois filhos, que com ela vivem.
Mais alegou que, não obstante ter sido notificada pela 1.ª Ré, na qualidade de sua atual senhoria, por carta de 7 de Dezembro de 2018, para exercer o direito legal de preferência na venda do dito prédio rústico à 2.ª Ré, pelo preço de € 82.500,00, viu sucessivamente ignoradas as duas cartas que lhe enviou, informando-a de que pretendia preferir e pedindo informações mais detalhadas sobre o negócio.
Alegou ainda que o negócio se realizou, transmitindo a favor da 2.ª Ré a propriedade do prédio rústico de que é arrendatária, assistindo-lhe por isso o direito de preferir na venda havida, cujos contornos concretos nunca lhe chegaram a ser indicados, impedindo-a de exercer o direito aqui em causa.
2. Regularmente citadas, apenas a 2.ª Ré veio contestar, pedindo que a ação fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida da instância. Além disso, deduziu reconvenção, pedindo que:
a) – Seja declarado que o prédio por si adquirido à 1.ª Ré e onde se inclui a área ocupada pela Autora é sua propriedade;
b) – Seja a Autora condenada a restituir-lhe esse prédio, bem como a abster-se da prática de quaisquer atos que impeçam ou diminuam a sua utilização por si própria;
c) - Seja a Autora condenada no pagamento da quantia de € 750,00, por cada mês que dure a ocupação do prédio, a contar da notificação da reconvenção.
Alegou para o efeito e em síntese, que:
A lei exige a redução a escrito de qualquer contrato de arrendamento rural, pelo que o invocado pela Autora é nulo.
Além disso, não tendo sido junto com a petição inicial esse contrato de arrendamento rural, deve ser declarada a extinção da instância.
Mais alegou que a própria Autora reconheceu, na sua petição inicial, ter exercido o seu pretenso direito de preferência depois de decorrido o prazo de oito dias que lhe tinha sido fixado para o efeito, tendo por isso o mesmo caducado.
Ainda assim, impugnou os factos alegados pela Autora, negando designadamente que a mesma seja arrendatária rural do prédio em causa.
Por fim, defendeu ter adquirido validamente o dito prédio rústico, ocupando a Autora parte dele, sem qualquer título que o legitime.
3. A Autora replicou, pedindo que, quer as exceções deduzidas, quer o pedido reconvencional formulado, fossem julgados totalmente improcedentes, e reiterando o seu pedido inicial.
4. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho a admitir a reconvenção.
No saneador, foi julgada improcedente a exceção dilatória inominada de falta de contrato escrito de arrendamento rural, bem como a exceção perentória de caducidade do exercício do direito de preferência em causa.
5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente.
6. Inconformada com esta decisão, a 2.ª Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação …. que proferiu acórdão a julgar improcedente o recurso, bem como o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, confirmando integralmente a sentença recorrida.
7. De novo irresignada, a 2ª Ré veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como revista «normal» e, subsidiariamente, como revista excecional, formulando as seguintes conclusões:
1 - Nos termos do artigo 671°, n° 1 do C.P.C., cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa.
2 - A presente ação é de valor superior a 30 000,00 € que é a alçada dos tribunais da Relação, sendo o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer, em recurso, da presente causa - artigos 42°, n° 2 e 44°, n° 1 da Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto, pelo que o presente recurso de revista é legalmente admissível nos precisos termos em que é formulado.
3 - A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que indeferiu a junção aos autos do documento apresentado pela recorrente com as suas alegações de recurso, nem com o segmento decisório que julgou improcedente a exceção dilatória de inutilidade e/ou impossibilidade supervenientes da lide, nem com o entendimento do Tribunal de que a A. foi notificada por ser arrendatária e que a preferência não continha todos os elementos necessários.
4 - Com o recurso para o Tribunal da Relação a Recorrente juntou, com as suas alegações de recurso, certidão de uma escritura pública epigrafada «DISTRATE DE COMPRA E VENDA», celebrada em 09 de Março de 2020, através do qual as partes distrataram a referida escritura de Compra e Venda, tendo a constituinte do primeiro outorgante já restituído à sociedade MINFO-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA o preço que ela pagou na escritura revogada, através do cheque número …04, sacado sobre o Banco Santander Totta, no dia da escritura.
5 - O documento é superveniente, pois a escritura pública apenas foi celebrada em 09 de Março de 2020, o que impossibilitou a sua junção aos autos pela recorrente com os articulados.
6 - Conforme resulta do disposto no art. 651°, n.° 1, do C. P. Civil, as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425°, do C. P. Civil, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na Ia instância.
7 - As partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excecional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1ª instância, cabendo à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência objetiva ou subjetiva; ora, a sentença foi proferida em 04 de Dezembro de 2019, a escritura pública de Distrate de Compra e Venda foi celebrada em 09 de Março de 2020 e foi junto com as alegações de Recurso interpostas pela recorrente em 16-03-2020, logo, estamos perante um documento superveniente.
8 - Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, deverá o acórdão ser revogado nesta matéria e substituído por outro que admita a junção aos autos do documento apresentado pela recorrente com as suas alegações de recurso denominado por Distrate de Compra e Venda.
9 -Tendo a 1ª Ré (BB) e a 2ª Ré (aqui recorrente) celebrado, em 09 de Março de 2020, uma escritura pública de «DISTRATE DE COMPRA E VENDA» do prévio negócio de alienação do prédio rústico de que a Autora (AA) se reclama arrendatária, e por isso onde pretende preferir no lugar da adquirente, com a existência daquele documento a instância deve ser extinta por inutilidade superveniente da lide.
10 - De acordo com o disposto no art.° 277.°, al. e) do Código de Processo Civil, a inutilidade superveniente da lide constitui, com efeito, causa de extinção da instância, impedindo, por conseguinte, o conhecimento do mérito da ação, o mesmo valendo para a impossibilidade superveniente.
11 - A instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente inútil, i.e., sempre que por facto ocorrido na pendência da instância, a continuação da lide não tenha qualquer utilidade, e ainda, extingue-se ou finda de forma anormal todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objeto, ou por motivo atinente à causa, a respetiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e., deixe de interessar a sua apreciação.
12 - A inutilidade da lide é simples reflexo, no plano processual, da inutilidade aa relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objeto ou à causa, e sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a ação se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar - mas antes cessar, e extingue-se porque se tornou inútil o prosseguimento da lide: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
13 - A escritura pública de distrate de compra e venda "nasceu", e, por conseguinte, foi apresentada, nos presentes autos em devido tempo, consubstanciando uma inutilidade superveniente da lide, uma vez que, o direito de que a. se arroga se extinguiu por via daquela escritura pública, pelo que, ocorreu no presente caso uma revogação do contrato por comum acordo, com eficácia retroativa entre as partes, sendo o chamado contrato extintivo ou abolitivo ou "contrarius consensus" - artigo 406°, n° 1 do C.C. - com o qual as partes, por mútuo consentimento, extinguem a relação contratual existente entre eles.
14 - Deixaram de estar reunidos os requisitos para o invocado exercício do direito de preferência por parte da A., estipulado no artigo 31°, n° 2 do Decreto-Lei n° 294/2009, de 13 de Outubro, e existe extinção da instância, por inutilidade superveniente ou impossibilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277°, e) do C.P.C..
15 - No caso dos autos não existe qualquer direito de preferência da A., como previsto no artigo 31°, n° 2 do Decreto-Lei n° 294/2009, de 13 de Outubro, com...
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