Acórdão nº 3070/16.6T8PDL.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 20-09-2018

Data de Julgamento20 Setembro 2018
Número Acordão3070/16.6T8PDL.L1-6
Ano2018
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
1.- Relatório

A, viúva, por si e na qualidade de representante de B e da Herança de C, propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra D [ … Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento :
a) ao Banco Comercial Português, S.A., dos montantes em dívida referentes a dois contratos de empréstimo, contraídos pela 1ª Autora e pelo seu falecido marido C.
1.1. - Para tanto, invocaram as demandantes/autoras, em síntese , que :
- A e o então seu marido C, e em 7/2/2000, outorgaram um contrato de seguro de vida com a Ré , e tendo em vista a cobertura do risco de morte de ambos , sendo o capital seguro o de 10.980$00, e sendo beneficiária do mesmo o BCP, na qualidade de credora e entidade mutuante em sede de empréstimo para a habitação;
- Já em 11/3/2009, voltaram A e o então seu marido C, a outorgar um contrato de seguro de vida com a Ré, e tendo em vista a cobertura do risco de morte de ambos, sendo agora o capital seguro o de €23.767,98, e sendo beneficiária do mesmo o BCP, na qualidade de credora e entidade mutuante em sede de empréstimo para a realização de obras;
- Ocorre que, tendo em 25/10/2014 vindo a falecer o C , e decorridos mais de ano e meio, não procedeu ainda a Ré ao pagamento ao BCP das quantias mutuadas e ainda em dívida pelos mutuários.
1.2.- Após citação, contestou a Ré D, pugnando pela improcedência da acção.
Para tanto, aduziu a Ré Seguradora, no essencial, e em sede de defesa por excepção e por impugnação motivada, que sendo certo que celebrou com A e o então seu marido C, um contrato de seguro com cobertura de morte ou invalidez total e permanente, a verdade é que em 27/8/2013 ( data de reposição de apólice em vigor ) declararam os segurados encontrarem-se de boa saúde e não terem sido sujeitos no último ano a um qualquer tratamento médico regular.
Ora, porque as aludidas informações sobre o estado de saúde não eram verdadeiras, bem pelo contrário, e a aceitação da adesão pela Ré teve como pressuposto as mesmas [ as quais condicionaram a avaliação e a aceitação do risco por parte da Ré ] , está-se - no entender da Ré - perante declarações inexactas , as quais implicam a nulidade dos pedidos de adesão, libertando a Ré seguradora do pagamento de qualquer indemnização.
1.3. - Findos os articulados, proferido despacho [ respondido afirmativamente ] conducente ao aperfeiçoamento dos articulados ( petição e contestação ), e satisfeito o contraditório relativamente às excepções invocadas em sede de contestação, foi designada uma audiência prévia [no âmbito da qual foi proferido despacho saneador - tabelar - , identificado o objecto do litigo e enunciados os temas da prova ], tendo-se de imediato designado a data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
1.4.- Por fim, realizada que foi a audiência de julgamento com a observância das pertinentes formalidades legais, e conclusos os autos para o efeito, foi de seguida proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
Dispositivo
Em face do exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a RéD, do pedido deduzido contra a mesma pelas Autoras A, Be Herança de C.
Mais condeno as Autoras nas custas do processo.
Registe e notifique.
Ponta Delgada,22 de março de 2018.”
1.5.- Notificados da sentença identificada em 1.4., e com a mesma não se conformando, vieram de imediato os AA da referida decisão Apelar, alegando e deduzindo as seguintesconclusões :
A) A douta Sentença confunde os seguintes conceitos:
a) Consumo de álcool - ingestão de bebidas alcoólicas em menor ou maior grau ( foi a única coisa que se deu por provada com referência a 2008);
b) Alcoolismo - existência, além do consumo, de pelo menos mais um dos critérios que fazem parte do seu quadro definidor, o que não se provou;
c) Doença pré-existente - " toda a doença considerada manifestada em data anterior ao da celebração do presente contrato", ou seja " toda a doença que tenha sido objecto de um diagnóstico inequívoco ou que com suficiente grau de evidência se haja revelado", conforme definição constante do art. 1° das condições gerais do Contrato de Seguro em análise, o que no caso também não se provou que existisse antes da assinatura de quaisquer dos três contratos - apenas "abusos de álcool" e que quando morreu sofria de antecedentes;
B) Por presunção judicial não se pode concluir, em sede de direito, que se pode presumir o início da patologia em Janeiro de 2008 quando o que apenas se deu por provado (também por presunção judicial) foi que os "abusos de álcool" tiveram início nessa data, o que, inverteria as regras do ónus da prova;
C) " Não pode recorrer-se a presunções simples, naturais, judiciais ou hominis para suprir a falta de prova relativamente a factos oportunamente discutidos e apreciados na audiência de discussão e julgamento" ( conforme o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2013, Proc. n.° 03B2536);
D) Um facto não provado em matéria factual não pode ser reconduzido a provado em sede de conclusões de direito ( conforme douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.1996, Proc. nº 0101442);
E) As presunções judiciais exigem regime semelhante ao das declarações tácitas - haver toda a probabilidade: se a doença veio porventura do consumo do álcool e este foi dado por iniciado em 2008, então a doença não pode vir do mesmo dia em que se inicia o consumo de álcool...
F) Era à R. que, nos termos do art. 342° do CC, competia provar que havia com toda a probabilidade doença pré-existente à data da assinatura dos contratos, o que não fez ;
G) O facto dado por assente a 12° deve ser concretizado no tempo, pois que apenas se provou que C tinha esses antecedentes à data do seu falecimento, quando deu entrada no hospital ( 24.10.2014 ) ;
H) O facto dado por assente a 13º deve ser reduzido à causa objectiva da sua morte: foi paragem cardio-respiratória em consequência de "choque séptico refrectário com ponto de partida abdominal", constituindo as demais doenças os seus antecedentes pessoais;
I) O facto dado por assente a 17° deve ser eliminado pois baseia-se apenas em declarações indirectas constantes de um Relatório confidencial ;
J) O facto dado por assente a 19° deve ser eliminado pois não se fez qualquer prova da intenção, nem o abuso de álcool constitui uma patologia;
K) O que o falecido requisitou em 2013 e consta do ponto 5 da matéria provada foi a reposição do seguro feito em 2000 e não um novo seguro, o que foi aceite, pelo que deve ser respeitada a vontade das partes ;
L) Não se provou que, seja em 2000, seja em 2009, seja em 2013, o falecido já sofresse das patologias constantes a 12º da matéria dada por provada.
M) A A. enviou os documentos pedidos, com excepção daqueles que seriam impossíveis de arranjar : Relatório Médico motivo da baixa em 2008 (o que já consta do documento da Segurança Social entregue à R. e junto aos autos) e Relatório ou diagnóstico do falecido, que não o já entregue pela A. à R., e junta por esta com a sua Contestação e o Relatório Médico junto pelas AA. ao seu doc. 4 da PI;
N) Estamos em face de um contrato a favor de terceiro ( art. 443º do CC) ;
O) " A cláusula da entrega de documentos e Relatórios não endereça concretamente a alguém ( seja o beneficiário, sejam os herdeiros do segurado/promissário ) uma obrigação de apresentação dos documentos;"
P) "A R. não poderá utilizar a mesma cláusula para impor àqueles uma prova que não lhes competiria, mas sim a ela, pois as convenções de inversão do ónus da prova são nulas ;"
Q) Conforme a Comissão Nacional de Protecção de Dados "as normas constitucionais e os diplomas legais em vigor proíbem o acesso das seguradoras aos dados pessoais de saúde dos titulares segurados já falecidos, sem o consentimento expresso destes para o efeito";
R) A A. cumpriu mais do que as suas obrigações, tendo, outrossim, havido excesso quer da R. quer do Tribunal, com o devido respeito, na devassa aos elementos confidenciais do falecido o que, embora pouco alterem a prova dos autos, devem, por esse motivo, ser dados por nulos e não escritas na Sentença os seus conteúdos ;
S) Ainda que se decida pela nulidade ou anulabilidade invocada ou o simples direito ao não pagamento por parte da R., então haverá lugar à reposição da situação existente, o que foi pedido pelas AA. mas não mereceu qualquer pronúncia na douta Sentença ;
T) Foram assim violadas, entre outras normas, os artigos 217°, 342°, 345°, 351° e 443° do CC, assim como os artigos 607° n.° 4 e 608° n.° 2 do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser, a douta Sentença, revogada e substituída por outra que corrija a matéria de facto provada e, em qualquer caso, condene a R no pedido ou, caso assim se não entendesse, ao menos reponha a situação pré-existente, com a reposição de todas as prestações pagas.
1.6.- Apresentando contra-alegações, nelas veio a Ré e apelada D , impetrar que a apelação seja julgada improcedente , devendo manter-se na íntegra a sentença apelada, porque não merecedora de qualquer reparo .
*
Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer
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