Acórdão nº 3065/18.5T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 10-07-2019
Data de Julgamento | 10 Julho 2019 |
Número Acordão | 3065/18.5T8MTS.P1 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Proc. nº 3065/18.5 T8MTS.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 3
Apelação
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora C… veio intentar contra a ré B…, cabeça de casal da herança aberta por óbito de D…, a presente ação declarativa na forma de processo comum.
Sustenta que o contrato de arrendamento que celebrou com o autor da herança não transitou para o NRAU, por a tal se ter validamente oposto, como devidamente entendido pelo senhorio.
Pretende, assim, que seja a ré condenada a ver declarado e a reconhecer que o contrato de arrendamento em causa não transitou para o NRAU, não podendo ser livremente denunciado pelo senhorio, pelo que carece de fundamento legal a sua oposição à respetiva renovação.
A ré apresentou contestação, na qual admite que a autora não aceitou que o contrato de arrendamento ficasse submetido ao NRAU, com duração limitada pelo prazo de três anos, tendo, porém, contraposto que a ré propôs e aceitou, fora do NRAU, que o seu contrato de arrendamento passasse a vigorar pelo prazo de cinco anos, declaração que se tornou eficaz logo que chegou ao conhecimento dela, ré.
Foi proferido despacho saneador e dispensada, face à simplicidade dos autos, a realização de audiência prévia.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Proferiu-se sentença que:
1) Declarou que o contrato de arrendamento relativo ao rés-do-chão esquerdo e respetiva garagem do prédio situado na Rua …, nº …., freguesia …, concelho de Matosinhos, não transitou para o NRAU, não podendo por isso ser livremente denunciado pelo senhorio;
2) Declarou que carece de fundamento legal a oposição que a ré deduziu à respetiva renovação;
3) Condenou a ré a reconhecer o declarado em 1) e 2).
Inconformada com o decidido interpôs recurso a ré, a qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Está assente nos autos que:
a) O então senhorio, a quem a R. sucedeu e de cuja herança aberta por seu óbito é cabeça-de-casal, dirigiu em 16-7-2013 uma carta à A., sua arrendatária, comunicando-lhe a sua intenção de o contrato de arrendamento transitar para o NRAU.
b) Mais lhe comunicou nessa missiva que pretendia que o contrato passasse a ter prazo certo de 3 anos, sendo a renda mensal na quantia de €374,80.
c) A A. respondeu a essa missiva por carta de 12-8-2013 invocando, nos termos do disposto no art. 31º, n.º 4, al. a), do NRAU, que o seu RABC era inferior a cinco retribuições mínimas nacionais, para os efeitos do disposto no art. 35º do NRAU, juntando cópia do comprovativo do pedido de RABC, bem como a declaração emitida para o efeito pelo serviço de finanças.
d) Concluindo que não aceitava a transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
e) No final dessa sua missiva, a A. aceitava que o contrato passasse a ser de duração determinada, mas pelo prazo de cinco anos.
f) Por carta de 29-11-2013, a A. enviou ao senhorio a certidão emitida pelo serviço de finanças comprovativa do seu RABC, reiterando o teor da sua anterior comunicação de 2-8-2013, designadamente que aceitava que o contrato tivesse duração determinada, porém pelo prazo de cinco anos.
g) Por carta datada de 15-5-2018, a R. comunicou à A. que o contrato de arrendamento tinha ficado submetido ao prazo de cinco anos e que “Tal prazo de cinco anos sem renovações foi proposto por V. Exa. em carta datada de 12 de Agosto de 2013 enviada, registada com AR., ao senhorio e foi por este tacitamente aceite na resposta à missiva atrás referida, por carta de 9 de Setembro de 2013, também registada com AR.” (cfr. doc. n.º 11 da PI).
h) Nessa mesma comunicação, a R. comunicou à A. que o contrato tinha iniciado a produção de efeitos no dia 16-9-2013, cessando-os definitivamente no dia 16-9-2018, uma vez que não se renovava, sendo certo que se opunha expressamente à sua renovação (cfr. doc. 11 da PI).
2. A sentença recorrida deu como não provado que a A., por manifesto lapso, a propósito da interpretação da lei, concluiu, propondo que o contrato seja de 5 anos (para contrapor aos 3 anos propostos pelo senhorio).
3. Quando a lei exige que a validade da declaração observe requisitos de forma, nem por isso fica vedada a possibilidade de ser emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (ut n.º 2 do art. 217º do CC); em regra, que a validade da declaração negocial não depende da observância de requisitos de ordem formal, excepto se a lei fizer deles depender a validade do negócio – ut art. 219º e 220º do CC.
4. Afastando-se da máxima latina qui tacet consentire videtur, nem por isso o legislador deixou de atribuir significado declarativo ao silêncio, ao determinar no art. 218º do CC que o silêncio vale como declaração negocial sempre que esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção – vd., sobre o valor do silêncio como declaração negocial, Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., pg. 425; vd., tb, Henrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pgs. 434 e 435, Acs. STJ de 28-1-1999, CJ (STJ), ano VII, t.1-67, de 1-4-2009, proc. n.º 08S3254, www.dgsi.pt; de 11-1-2011, proc. n.º 2199/06.3TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt, de 19-5-2011, proc. n.º 5326/09.5TVLSB.S1, www.dgsi.pt e de 30-6-2011S, CJ (STJ), ano XIX, t.2-136.
5. O silêncio, enquanto meio declarativo, não resulta de uma ausência de vontade; é, apenas, a manifestação da sua ausência. Sendo o silêncio operante uma forma de reacção declarativa, está obviamente excluída a exteriorização ou a manifestação da vontade, pelo que o “declarante” não tem que agir.
6. Quando, excepcionalmente, a lei atribui...
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 3
Apelação
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora C… veio intentar contra a ré B…, cabeça de casal da herança aberta por óbito de D…, a presente ação declarativa na forma de processo comum.
Sustenta que o contrato de arrendamento que celebrou com o autor da herança não transitou para o NRAU, por a tal se ter validamente oposto, como devidamente entendido pelo senhorio.
Pretende, assim, que seja a ré condenada a ver declarado e a reconhecer que o contrato de arrendamento em causa não transitou para o NRAU, não podendo ser livremente denunciado pelo senhorio, pelo que carece de fundamento legal a sua oposição à respetiva renovação.
A ré apresentou contestação, na qual admite que a autora não aceitou que o contrato de arrendamento ficasse submetido ao NRAU, com duração limitada pelo prazo de três anos, tendo, porém, contraposto que a ré propôs e aceitou, fora do NRAU, que o seu contrato de arrendamento passasse a vigorar pelo prazo de cinco anos, declaração que se tornou eficaz logo que chegou ao conhecimento dela, ré.
Foi proferido despacho saneador e dispensada, face à simplicidade dos autos, a realização de audiência prévia.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Proferiu-se sentença que:
1) Declarou que o contrato de arrendamento relativo ao rés-do-chão esquerdo e respetiva garagem do prédio situado na Rua …, nº …., freguesia …, concelho de Matosinhos, não transitou para o NRAU, não podendo por isso ser livremente denunciado pelo senhorio;
2) Declarou que carece de fundamento legal a oposição que a ré deduziu à respetiva renovação;
3) Condenou a ré a reconhecer o declarado em 1) e 2).
Inconformada com o decidido interpôs recurso a ré, a qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Está assente nos autos que:
a) O então senhorio, a quem a R. sucedeu e de cuja herança aberta por seu óbito é cabeça-de-casal, dirigiu em 16-7-2013 uma carta à A., sua arrendatária, comunicando-lhe a sua intenção de o contrato de arrendamento transitar para o NRAU.
b) Mais lhe comunicou nessa missiva que pretendia que o contrato passasse a ter prazo certo de 3 anos, sendo a renda mensal na quantia de €374,80.
c) A A. respondeu a essa missiva por carta de 12-8-2013 invocando, nos termos do disposto no art. 31º, n.º 4, al. a), do NRAU, que o seu RABC era inferior a cinco retribuições mínimas nacionais, para os efeitos do disposto no art. 35º do NRAU, juntando cópia do comprovativo do pedido de RABC, bem como a declaração emitida para o efeito pelo serviço de finanças.
d) Concluindo que não aceitava a transição do contrato de arrendamento para o NRAU.
e) No final dessa sua missiva, a A. aceitava que o contrato passasse a ser de duração determinada, mas pelo prazo de cinco anos.
f) Por carta de 29-11-2013, a A. enviou ao senhorio a certidão emitida pelo serviço de finanças comprovativa do seu RABC, reiterando o teor da sua anterior comunicação de 2-8-2013, designadamente que aceitava que o contrato tivesse duração determinada, porém pelo prazo de cinco anos.
g) Por carta datada de 15-5-2018, a R. comunicou à A. que o contrato de arrendamento tinha ficado submetido ao prazo de cinco anos e que “Tal prazo de cinco anos sem renovações foi proposto por V. Exa. em carta datada de 12 de Agosto de 2013 enviada, registada com AR., ao senhorio e foi por este tacitamente aceite na resposta à missiva atrás referida, por carta de 9 de Setembro de 2013, também registada com AR.” (cfr. doc. n.º 11 da PI).
h) Nessa mesma comunicação, a R. comunicou à A. que o contrato tinha iniciado a produção de efeitos no dia 16-9-2013, cessando-os definitivamente no dia 16-9-2018, uma vez que não se renovava, sendo certo que se opunha expressamente à sua renovação (cfr. doc. 11 da PI).
2. A sentença recorrida deu como não provado que a A., por manifesto lapso, a propósito da interpretação da lei, concluiu, propondo que o contrato seja de 5 anos (para contrapor aos 3 anos propostos pelo senhorio).
3. Quando a lei exige que a validade da declaração observe requisitos de forma, nem por isso fica vedada a possibilidade de ser emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (ut n.º 2 do art. 217º do CC); em regra, que a validade da declaração negocial não depende da observância de requisitos de ordem formal, excepto se a lei fizer deles depender a validade do negócio – ut art. 219º e 220º do CC.
4. Afastando-se da máxima latina qui tacet consentire videtur, nem por isso o legislador deixou de atribuir significado declarativo ao silêncio, ao determinar no art. 218º do CC que o silêncio vale como declaração negocial sempre que esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção – vd., sobre o valor do silêncio como declaração negocial, Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed., pg. 425; vd., tb, Henrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pgs. 434 e 435, Acs. STJ de 28-1-1999, CJ (STJ), ano VII, t.1-67, de 1-4-2009, proc. n.º 08S3254, www.dgsi.pt; de 11-1-2011, proc. n.º 2199/06.3TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt, de 19-5-2011, proc. n.º 5326/09.5TVLSB.S1, www.dgsi.pt e de 30-6-2011S, CJ (STJ), ano XIX, t.2-136.
5. O silêncio, enquanto meio declarativo, não resulta de uma ausência de vontade; é, apenas, a manifestação da sua ausência. Sendo o silêncio operante uma forma de reacção declarativa, está obviamente excluída a exteriorização ou a manifestação da vontade, pelo que o “declarante” não tem que agir.
6. Quando, excepcionalmente, a lei atribui...
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