Acórdão nº 3053/19.4YRLSB-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-02-2020

Data de Julgamento11 Fevereiro 2020
Número Acordão3053/19.4YRLSB-1
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
C…., português, residente no Rio de Janeiro, Brasil, veio intentar contra G…, brasileira, consigo residente, a presente ação declarativa com processo especial, ao abrigo dos artigos 978.º a 985.º do Código de Processo Civil, pedindo a revisão e confirmação da decisão de autoridade administrativa brasileira que constitui e declara a união estável entre ambos.
A requerida interveio nos autos e apresentou resposta, confirmando manter uma união de facto estável com o requerente e confirmando a veracidade dos documentos.
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 982.º do mesmo código, apresentou alegações, nas quais concluiu dever ser indeferido o pedido de revisão e confirmação da “escritura declaratória de união estável” formulado pelos requerentes, invocando os Acórdãos STJ de 21/03/2019 e de 09/05/2019 no sentido de que os atos em causa não se reconduzem a verdadeiras decisões, contendo um mero enunciado assertivo ou constatativo limitando-se o notário a atestar o que declaram os requerentes, sem acrescentar atividade decisória, ainda que meramente homologatória.
*
2. Saneamento
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e da hierarquia.
Não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras nulidades, exceções ou questões prévias que cumpra conhecer e que impeçam o conhecimento de mérito.
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3. Objeto da causa
A única questão a decidir consiste em verificar se estão demonstrados os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da decisão estrangeira apresentada.
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4. Fundamentação
4.1. De facto:
Resultam da prova documental produzida, com relevância para a decisão da causa (artigos 607º, nº 4 do CPC e 371º do Código Civil), os seguintes factos:
1 – Em 7 de janeiro de 2013, na cidade e Estado de Rio de Janeiro, Brasil, no 15º Ofício de Notas, perante o respetivo escrevente, compareceram C…e G…, ambos de nacionalidade brasileira e residentes no Rio de Janeiro, tendo declarado: «(1º) – Que, pela presente escritura e na melhor forma de direito, reconhecem que mantêm uma união estável, contínua e publicamente, desde o dia 2 de fevereiro de 2010, (02.02.2010), até aos dias atuais, constituindo unidade familiar, nos precisos termos do artigo 1723 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002); (2º) – Que, conforme lhes faculta o artigo 1725 c/c artigo 5º, da Lei 9278/96, convencionam que o regime que regerá a referida união será o de comunhão parcial de bens; (3º) – Que os outorgantes reciprocamente, são dessa maneira e por suas vontades ora manifestadas, beneficiários de quaisquer seguros, planos de saúde, pecúlios ou pensões para os quais eles, outorgantes, contribuam, valendo esta declaração para todos os efeitos de inscrição nas instituições para as quais contribuem, seja ela pública ou privada, e ainda para todos os efeitos de direito; assumindo os outorgantes toda a responsabilidade pela veracidade das declarações aqui prestadas.(…)».
2 – O requerente nasceu em 21/02/1979, tendo nacionalidade portuguesa.
3 A requerida nasceu em 12/10/1978, tendo nacionalidade brasileira.
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4.2. De direito:
O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no denominado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa[1].
Os requisitos necessários à confirmação de sentença estrangeira estão previstos no artigo 980.º do Código de Processo Civil, no qual se dispõe, sob a epígrafe “Requisitos necessários para a confirmação”:
«Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.»
Apesar da não dedução de oposição, o tribunal não pode dispensar-se de conhecer oficiosamente das condições ou requisitos de confirmação (artº 984 do CPC).
O sistema português de reconhecimento da eficácia da sentença estrangeira combina o princípio da revisão formal e da revisão de mérito (artºs 980º e 984º do CPC). A revisão tem, em certa medida, o carácter de mérito quando o tribunal português verifica se a sentença não contém uma decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artº 980º, al. f) do CPC)[2].
No caso concreto, a primeira e prévia questão que se coloca é a de se o instrumento cuja revisão e pedida é suscetível de confirmação e revisão, cabendo na previsão do art. 978º do CPC, onde se estabelece que «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»
O termo decisão sobre direitos privados deve “interpretar-se em termos suficientemente amplos para abranger decisões proferidas, seja por autoridades judiciais, seja por autoridades administrativas.”[3]
Luís Lima Pinheiro indica neste sentido, citando abundante jurisprudência[4] que “Em princípio, só estão sujeitas a revisão as decisões proferidas por um órgão jurisdicional. Mas este regime de reconhecimento deve ser aplicado analogicamente às decisões de autoridades administrativas estrangeiras que, Portugal, são da competência dos tribunais. Isto verifica-se geralmente naquelas atividades que os tribunais portugueses desenvolvem no quadro de processos de jurisdição voluntária.” E ilustra com o exemplo do divórcio consensual concluindo que o regime de revisão e
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