Acórdão nº 3040/09.0TBPRD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 06-02-2014

Judgment Date06 February 2014
Acordao Number3040/09.0TBPRD.P1
Year2014
CourtCourt of Appeal of Porto (Portugal)
TRPorto.
Apelação nº 3040/09.0TBPRD.P1 - 2013.
Relator: Amaral Ferreira (835).
Adj.: Des. Ana Paula Lobo.
Adj.: Des. Deolinda Varão.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. “B…, Ldª instaurou, no Tribunal Judicial de Paredes, acção declarativa de condenação, com forma de processo sumário, contra C…” pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 15.313,97, acrescida de juros de mora à taxa comercial, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que vendeu diversos artigos do seu comércio à sociedade “D…, Ldª” e que, para pagamento de tais artigos, esta sociedade emitiu e entregou-lhe quatro cheques que perfazem o montante de € 15.313,97, sacados sobre conta por si titulada e domiciliada em agência da R., que, apresentados a pagamento no prazo de oito dias contados sobre as datas da emissão, foram devolvidos com a menção “Falta ou vício na formação da vontade”, actuação essa que é ilícita, o que lhe causou prejuízos, traduzidos no valor dos cheques, cujas quantias por eles tituladas não recebeu.

2. Contestou a R. que, depois de sustentar a inaplicabilidade do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2008, em virtude de os cheques terem sido emitidos anteriormente, aduz que, seguindo prática bancária usual à data, a funcionária que executou a ordem de não pagamento considerou relevantes as razões invocadas pelo sacador (artº 12º da contestação), concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

3. Após resposta do A. a concluir como na petição e junção aos autos de certidão da acção executiva que a A. moveu contra a emitente dos cheques (Procº nº 545/08.4TBPRD), da qual resulta que não foi deduzida oposição pela executada, e convite à R. para concretizar o por si alegado no artº 12º da contestação, alegando quais as razões invocadas pela sacadora que reputou como válidas, o que fez, alegando tão só que a sacadora emitiu a declaração de revogação dos cheques por si emitidos, pedido de revogação que recepcionou e em função do que, por não subsistirem motivos para agir em contrário e por revogada a ordem de pagamento, fez obviar ao pagamento das quantias tituladas pelos cheques, foi proferido despacho saneador que, conhecendo de mérito, julgou a acção procedente e condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 15.313,97, acrescida de juros de mora à taxa comercial que a cada momento fosse devida, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

4. Inconformada, apelou a R. que, nas respectivas alegações, formula as seguintes conclusões:
1ª: Não resulta dos autos que possam ser dados como provados os factos das alíneas B) e D).
2ª: A sentença recorrida enferma de deficiência. Deve ser anulada.
3ª: Deve feita prova da existência de justificação válida para da ordem de revogação dada pelo sacador, do pagamento e do prejuízo.
4ª: Nos autos não foi feita prova da falta de pagamento, do prejuízo, nem do nexo de causalidade.
5ª: Devia ser feita prova da adequação, da legitimidade, do acatamento da ordem de revogação por parte da sacada ora recorrente.
6ª: A C… impugnou os factos alegados na p.i., entre outros, através dos artigos 12º, 13º e 19º da sua contestação.
7ª: O Sr. Juiz “a quo” devia ter elaborado base instrutória, com pelo menos, os factos atrás referidos.
8ª: Factos a provar através da inquirição das testemunhas arroladas e de outras que o Tribunal, oficiosamente, entendesse por conveniente, bem como de outros meios de prova.
9ª: O Julgador devia ter dado cumprimento ao disposto no artigo 508º-A, nº, l, alínea e) do CPC.
10ª: Havendo dispensa de audiência preliminar o Sr. Juiz devia ter feito prosseguir a acção, nos termos do nº 3 do artigo 508º-C do CPC.
11ª: Os factos ocorreram antes do AUJ 4/2008 e, então, era normal, embora não frequente, revogar cheques no prazo da apresentação. Havendo justo motivo, justa causa.
12ª: A C… não praticou qualquer acto ilícito. A conduta da C… não foi censurável.
13ª: Não estão provados os prejuízos a sua causa e o nexo de causalidade.
14ª: A C… não é obrigada ao pagamento de qualquer indemnização em sede de responsabilidade contratual ou extracontratual.
15ª: O Sr. Juiz “a quo” não podia conhecer imediatamente do mérito da causa, nos termos do artigo 510º, nº l, alínea b) do CPC.
16ª: Na sentença recorrida foram violadas, entre outras, as normas constantes dos artigos 483º, nº 1; 487, nº 3, ambos do C. Civil; 264º, nºs 2 e 3; 265º, nº 3; 508º-A; 508º-B; 510º, nº l, alínea b), e 645º nº l, todas do CPC, que deviam ter sido interpretadas a aplicadas no sentido de que devia ter sido elaborada base instrutória com a respectiva produção de prova em audiência de discussão e julgamento.
17ª: Deve ser anulada a decisão condenatória por erro na apreciação da matéria de facto e insuficiência desta e por erro na apreciação da matéria de direito, ordenando-se a produção de prova por deficiência da decisão recorrida, com repetição do julgamento.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e em consequência anulada a decisão condenatória por erro na apreciação da matéria de facto e insuficiência desta e por erro na apreciação da matéria de direito, ordenando-se a produção de prova necessária por deficiência da decisão recorrida, com repetição do julgamento, assim se fazendo, JUSTIÇA.

5. Não tendo sido oferecidas contra-alegações, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. A decisão recorrida teve como provados os seguintes factos:
A) A Autora entregou à Sociedade Comercial D…, Lda., sob encomenda desta, vários artigos do seu comércio.
B) Para pagamento dos artigos fornecidos a referida Sociedade emitiu quatro cheques, sacados sob a conta número ……….. da C…, com os seguintes datas, nºs e valores:
- 30 de Setembro de 2007, nº …….284, no valor de 2.500€;
- 10 de Novembro de 2007, nº …….953, no valor de 3.647,81€;
- 30 de Novembro de 2007, nº …….158, no valor de 6.156,99€; e
- 30 de Novembro de 2007, nº …….005, no valor de 3.009,17€.
C) Os referidos cheques foram devolvidos na compensação, respectivamente, em 3/10/07, 13/11/07 e 4/12, com o motivo: “Falta ou Vício na Formação da Vontade” por parte do sacador.
D) A Autora não recebeu por qualquer forma a quantia titulada pelos cheques referidos supra.

2. Tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, as questões suscitadas são:
- Impugnação e ampliação da matéria de facto;
- Responsabilidade civil do Banco Réu pela recusa de pagamento dos cheques.

Impugnação e ampliação da matéria de facto.
Tendo a decisão recorrida sido proferida no despacho saneador, sustenta a apelante R., invocando erro de julgamento da matéria de facto, por um lado, que não deviam ser dados como provados os que como tal constam de B) e D) da decisão recorrida, acima reproduzidos, e, por outro lado, que deve ser ampliada a matéria de facto de modo seja feita prova da existência de justificação válida da ordem de revogação pelo sacador, do pagamento e do prejuízo, com a consequente elaboração de base instrutória que contemple essa factualidade, produção de prova e anulação da decisão.
Vejamos.

No que à primeira parte da questão respeita, pretende a apelante que deve ser expurgada da factualidade provada a que consta das alíneas B) - “Para pagamento dos artigos fornecidos a referida Sociedade emitiu quatro cheques, sacados sob a conta número ……….. da C…, com os seguintes datas, nºs e valores: - 30 de Setembro de 2007, nº …….284, no valor de 2.500€; - 10 de Novembro de 2007, nº …….953, no valor de 3.647,81€; - 30 de Novembro de 2007, nº …….158, no valor de 6.156,99€; e - 30 de Novembro de 2007, nº …….005, no valor de 3.009,17€” - e D) - “A Autora não recebeu por qualquer forma a quantia titulada pelos cheques referidos supra” -, porque, segundo alega, os factos alegados pela apelada na petição foram por si impugnados, nomeadamente nos artºs 12º, 13º e 19º da contestação.
Em causa está, portanto, saber se ela observou o ónus de impugnação quanto aos factos em causa.
Não cremos que lhe assista razão.
Depois de no nº 1 estabelecer que “Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição”, estipula o nº 2 do artº 490º do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar nesta questão, sem outra indicação de origem, aqui aplicável na redacção anterior à constante da Lei nº 41/2013, de 26/6, dado que a decisão recorrida foi proferida em 7/1/2013, ou seja, antes da entrada em vigor da referida Lei, que ocorreu em 1/9/2013) que “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa no seu conjunto...”.
O preceito legal em apreço sofreu alterações significativas com a reforma processual civil de 1995/1996, com entrada em vigor no dia 1/1/97.
Para o caso presente interessa realçar o seguinte:
- No nº 1, correspondente à 1ª parte do nº 1 originário, a expressão «perante cada um dos factos» foi substituída por «perante os factos»;
- No nº 2, correspondente à 2ª parte do nº 1 originário, foram suprimidos o advérbio «especificadamente» (impugnados especificadamente) e o adjectivo «manifesta» (manifesta oposição);
- Desapareceu o nº 3 originário, que dispunha: «Não é admissível a contestação por negação», bem como o nº 5, introduzido pela reforma intercalar de 1985, que dispunha poder a impugnação ser feita, total ou parcialmente, por simples menção dos números dos artigos da petição inicial em que se narrassem os factos contestados.
O que destas modificações resulta é a maleabilização, ou
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