Acórdão nº 304/20.6T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão304/20.6T8PTL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. J..., Lda., intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C..., Lda., formulando os seguintes pedidos:

«a) Ser declarada a ineficácia da comunicação da R. de iniciativa de transição para o NRAU e actualização da renda nos termos do NRAU, datada de 01-10-2019, e em consequência ser a R. condenada a restituir à A. o montante das rendas mensais que esta houver pago desde janeiro de 2020, inclusive, no excedente ao valor mensal de 389,00€, sendo o já pago em excesso até ao presente de 2.153,76€.
b) Sem prescindir, subsidiariamente, para hipótese de se considerar que a comunicação inicial da R. é eficaz, deve ser corrigido para 350,11€ o valor da renda mensal atualizado máximo legal, desde a renda vencida em 01-01-2020, por submissão dos normativos aplicáveis (artº 35º nº2 als. a) e b) ex vi artº 54º nº2 NRAU) aos limites do abuso do direito, conforme enunciado nos artºs 62 a 69 supra, condenando-se a R a restituir à A. o montante das rendas mensais que esta houver pago desde janeiro de 2020, inclusive, no excedente a esse valor mensal de 350,11€, sendo o já pago em excesso até ao presente de 2.309,32€.»
Para o efeito, alegou ser arrendatária de várias divisões com utilização independente, do prédio urbano composto de 3 pisos e logradouro, na Rua ... e no Largo ..., freguesia ... e ..., em ..., inscrito na matriz urbana sob o atual artigo ...01, sendo a Ré a atual locadora.
Mais alegou que a Ré, para sujeitar a Autora ao regime jurídico do NRAU, procedeu a comunicação imprecisa e lacunosa, quer porque emitida por referência a elementos tributários das partes arrendadas que foram obtidos por comunicação falseada pelos antecessores da Ré à Autoridade Tributária, mormente a autonomização física das partes arrendadas e a sua afetação, com o intuito de aumentar o valor do locado. Em todo o caso, mesmo que se considere a comunicação apta à transição para o NRAU, sustenta a Autora que a real identificação e afetação das partes locadas determina uma diminuição da renda.
*
A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que o valor da renda atual é o devido em função da eficaz sujeição da relação arrendatícia entre Autora e Ré às normas do NRAU.
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1.2. Convocada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, a absolver a Ré dos pedidos.
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1.3. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem na parte relevante[1]:
«1) - A A. propôs esta ação em 21-04-2020, alegando, em síntese, que (…).

23) – O OBJECTO DO RECURSO:
Pretende a Recorrente:
- que se reaprecie a matéria de facto dada como “não provada”, dando como “provado” o essencial dos 8 fatos numerados 5 e 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, com as redação abaixo sugerida em C.1.a.2 e C.1.b.5,
- que se reaprecie a matéria dos Factos Provados D, Q e R, retificando-se parcialmente, nos termos sugeridos em C.2-b)
- que se julgue ineficaz a comunicação de transição para o NRAU e de atualização da renda ou, se julgada eficaz, que se atenda o pedido subsidiário, considerando-se o valor reduzido dos armazéns, e, procedendo esta impugnação, como séria e fundadamente se espera, seja revogada a douta sentença que julgou a ação improcedente, substituindo-a por outra que, com todas as consequências legais, julgue procedentes os pedidos, principal e subsidiário, formulados na PI.
24) A Recorrente considera incorretamente julgado o Facto Não Provado 5, com o seguinte teor:
“5. A autora nunca tomara conhecimento da discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente” identificadas por aquele modo abstrato, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta e da caderneta.”
Considera a Recorrente, com fundamento
- Na falta de qualquer prova em contrário, dar aquele facto por “provado” é a única ilação compatível com a parte final do Facto Provado G, onde o Tribunal exarou que aquelas designações das partes locadas pelas letras e nºs E1, L2, L5, L6 e L7, até então, não haviam sido utilizadas em declarações negociais no âmbito da cedência do gozo temporário do prédio, seja, no âmbito do arrendamento.
E, por outro lado, a forma como aquelas designações inovadoras foram comunicadas pela carta de 30-09-2019, mais as obscureceram, no sentido de dificultar a perceção da Recorrente: (i) a referência errada/falsa a uma parte afeta a serviços, (ii) a errada/falsa autonomização desse espaço e do designado por L6, por criar maior confusão quanto às áreas e quanto à composição (logradouro) e (iii) a falta de indicação dos nºs de polícia.
Quanto aos nºs de polícia, se a tirania informática não permitia que os nºs de polícia constassem da caderneta, na identificação das partes suscetíveis de utilização independente, então, era devida a anexação de uma planta (como oportunamente o foi para a AT) ou outro tipo de descrição percetível na carta, para suprimento.
Assim, conforme C.1.a.2 o Facto 5 deverá julgar-se provado, com a seguinte redação:
A autora nunca tomara conhecimento das designações E1, L2, L5, L6 e L7 constantes da carta de 30-09-2019 e da caderneta anexa, na discriminação do prédio em divisões alegadamente “com utilização independente”, não conseguindo identificar no prédio os espaços a que pudessem referir-se cada uma daquelas designações.
25) A recorrente considera incorreta a decisão que julgou não provados os factos 6 e 7, 8 e 9, e 10 e 11, por ter desconsiderado que a Autora só exercia o comércio, com a porta aberta, nos horários de abertura do comércio na loja do nº 34 da Rua ... e de que os restantes espaços no Largo ..., ...) eram usados pela autora apenas para armazém, à porta fechada, de artigos com escassa saída cuja comercialização era promovida nas lojas dos nºs 34 e .../... de polícia da Rua ... ou do ..., com menção de que aqueles de L7 e L5 têm correspondência com os do Facto Provado B, espaço afeto a armazém desde 1967, conforme o contrato/escritura então celebrado, e os de E1 e L6 têm correspondência com os do Facto Provado D:
Na verdade, a decisão impugnada julgou não provados os seguintes factos (6, 7, 8, 9, 10 e 11):
6. No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso pela Rua ..., mas pelo nº 34 e não pelo n.º 36, e só a essa é que destina ao comércio.
7. Face à planta referida em P, o espaço identificado como L2, que tem acesso pela Rua ..., é a única parte do prédio no gozo da autora na qual esta exerce o comércio.
8. Os espaços designados na planta referida em P por L5 e L7 são usados pela autora apenas para armazenagem e correspondem aos identificados no documento referido em B, estando afetos a armazenamento ininterruptamente desde 1967.
9. Destinam-se o L5 e L7 a arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos, e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das 2 lojas comerciais da autora, ali próximas, mas não contíguas, uma na Rua ..., e a outra nos nºs 29/31 de um outro prédio sito na mesma rua.
10. A planta designa por E1 e L6 espaços não demarcados nem separáveis um do outro.
11. Os espaços designados na planta referida em P por E1 e L6 vêm a ser utilizados há mais de 50 anos, ininterruptamente, com o conhecimento da ré e senhorios antecedentes, para arrumação manual e guarda, à porta fechada, de materiais, ferramentas, equipamentos e móveis que não têm pronta saída, pela possibilidade de serem necessários ao abastecimento das duas referidas lojas comerciais da locatária, não contíguas, instaladas na Rua ....
(i) – Considerando as passagens das gravações acima identificadas e transcritas, em C.1.b.1, dos depoimentos das testemunhas AA (trabalhador da Autora desde 1999), BB (trabalhador doutra empresa de que é sócio o gerente da Autora, desde 2021), CC (Trabalhador do estabelecimento hoje da Autora, entre 63 e 71), DD (ex-sócio da Autora), EE (Trabalhador do estabelecimento hoje da Autora, entre 62/63 e 2000), arroladas pela Autora e, FF, indicada pela Ré e mãe do seu gerente;
(ii) – Porque resulta que ao julgar não provados os factos 6, 7, 8, 9, 10 e 11, o Tribunal cai no absurdo de tratar espaços com acesso estreito e por degraus (no caso de E1 com 26 degraus em pedra) e nas traseiras do prédio (planta do doc. ... e Factos provados Q e R) com o mesmo VPT e, assim, com a mesma renda por m2 da loja do nº 34 de polícia, com acesso direto à Rua ..., apesar da manifesta diferença de valores entre aqueles espaços e esta loja, diferença, por certo superior a 100%;
(iii) Porque, quanto à correspondência dos nºs de polícia, ocorre o acordo das partes, pois estes foram alegados pela Autora nos art.ºs 20, 21, 23 e 24, não foram impugnados pela Ré, têm apoio parcial no Facto Provado D e puderam ser verificados na Inspeção Judicial, na audiência de julgamento;
(iv) E porque ainda deverá atentar-se, quanto à destinação dos espaços dos nºs de polícia ..., ... e ..., agora designados por L7 e L6 (r/c coberto) a armazém de materiais de construção civil, que é isso que consta da escritura de 1967 do (Facto Provado B), referente a esses espaços,
Os Factos 6, 7, 8, 9, 10 e 11 deverão julgar-se provados, com a seguinte redação:
6. e 7 - No prédio referido em A, a autora só tem o gozo de uma divisão com acesso direto à Rua ..., e só essa é que destina ao comércio, à porta aberta, nos horários de abertura do comércio;
8 e 9. Os espaços designados na planta referida em P por L5 (nºs 9 e 11) e L7 (nº 5), também referidos no Facto Provado Q, no Largo ..., são usados pela autora apenas para armazém, à porta fechada, de...

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