Acórdão nº 304/17.3T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 02-11-2023
Data de Julgamento | 02 Novembro 2023 |
Case Outcome | REVISTA PARCIALMENTE CONCEDIDA. |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 304/17.3T8PVZ.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Processo n. 304/17.3T8PVZ.P1.S1
Recorrente: AA
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. BB e CC propuseram ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, na qual pediram:
-a) que se declare a falecida DD a única proprietária e detentora do direito real sobre a quantia total de € 172.126,65 e ainda da quantia correspondente a metade do valor que resultou da venda das 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, das contas de fundos n.º ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral, cujo montante não é inferior a € 25.000;
-b) que se condene Ré a:
- reconhece-las como únicas proprietárias da referida quantia de € 172.126,65 e do montante que se apurar corresponder à metade do valor que resultou da venda das 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, por aquisição da mesma através de sucessão por morte de DD;
- restituir-lhes, enquanto herdeiras de DD, a quantia de € 172.126,65 e a quantia que se apurar corresponder à metade do valor que resultou da venda dos 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio da qual indevidamente se apropriou, acrescida dos juros legais à taxa de 4%, desde a interpelação (14/10/2016) até efetivo e integral pagamento, computando-se os mesmos até 22/02/2017 no montante de € 2.829,98.
Subsidiariamente, pediram:
- que se declare a falecida DD proprietária e detentora do direito real sobre a quantia total de € 105.562,35, correspondente a metade dos valores das contas de que era contitular, referidas nas alíneas a), b), c), d), h), i), j), k), l), m), n) e o) do art.º 8º da pi, no montante de € 66.564,30 e € 38.998,05 relativo aos valores depositados nas contas referidas nas alíneas e), f) e g) do mencionado art.º 8º, das quais era única titular;
- que se condene a Ré a:
- reconhece-las como únicas proprietárias da referida quantia de € 105.562,35, por aquisição da mesma através de sucessão por morte de DD;
- restituir-lhes, enquanto herdeiras de DD, a quantia de € 105.562,35 da qual indevidamente se apropriou, acrescida dos juros legais à taxa de 4%, desde a interpelação (14/10/2016) até efetivo e integral pagamento, computando-se os mesmos até 28/02/2017 no montante de € 1.515,47.
2. Alegaram, em síntese, que, em 17 de janeiro de 2016, faleceu DD, sem testamento, nem qualquer outra disposição de última vontade, deixando a suceder-lhe sete primos, entre os quais as autoras se incluem. Dois desses herdeiros doaram-lhes os respetivos quinhões hereditários e os restantes três repudiaram a herança, sendo, por isso, as autoras as únicas herdeiras.
Dessa herança faziam parte, entre outros, valores monetários e outros depositados em instituições bancárias, em contas e aplicações que discriminam, bem como os respetivos valores à data do óbito, doze delas contituladas pela Ré, a qual, após o óbito, procedeu à sua movimentação através de levantamentos e transferências nos montantes de € 3.563,20, € 65.008,78, € 1.773,48, € 2.639,69, € 101,43, € 4.000, € 5.000, € 1,42, € 1.469,27, deu ordem de venda de obrigações que rendeu € 19.867,20 e € 29.704,13 que transferiu para uma conta sua; estava autorizada a movimentar três contas da exclusiva titularidade da falecida tendo dado ordem de venda de unidades de participação de um Fundo que rendeu € 28.362,97 e levantou um depósito a prazo no valor de €10.000, transferindo subsequentemente € 39.997,05.
Acrescentaram que as quantias depositadas e demais produtos diziam respeito a valores auferidos por DD, sendo a Ré titular de algumas das contas apenas para garantir a existência de um terceiro para a movimentação em caso de incapacidade ou impossibilidade daquela; a Ré não tinha rendimentos suficientes para ser detentora das quantias depositadas, nem a titular teve intenção de efetuar a sua transmissão, sabendo que não era herdeira e que os montantes não lhe pertenciam.
Por último, referiram que, em 12 de outubro de 2016, remeteram, através da sua mandatária, carta interpelando a Ré para proceder à devolução dos valores de que se apropriou.
3. A Ré contestou invocando as exceções de inadmissibilidade da reivindicação e de petição da herança e contrapôs que teve uma relação longa e próxima com a autora da sucessão e o seu marido, de quem era sobrinha neta, por ter sido acolhida quando tinha 7 anos, sendo por eles tratada como se fosse filha; após a morte do marido, a sua relação com a autora da sucessão estreitou-se mais, apoiando-se reciprocamente; a autora da sucessão sempre cuidou de prover ao seu sustento e concretizar providências com vista a garantir a sua estabilidade financeira, tendo subscrito três seguros de vida dos quais foi indicada beneficiária, tornando-a contitular das referidas contas e autorizando-a a movimentar as restantes, doando-lhe os montantes depositados e mantendo-se contitular para poder ajudá-la na realização de transferências ou execução de transferências devido às suas parcas habilitações literárias.
Formulou reconvenção pedindo:
- o seu reconhecimento como proprietária dos valores objeto do pedido das Autoras;
- a condenação das Autoras a reconhecê-la como proprietária dos referidos valores;
- o seu reconhecimento como proprietária do montante de € 28.200;
- a condenação das Autoras, solidariamente, a restituir-lhe o montante de € 28.200, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento;
- o seu reconhecimento como titular do direito de crédito relativo ao remanescente do preço do imóvel no valor de € 85.000;
- a condenação das Autoras, solidariamente, a indemniza-la no montante de € 85.000, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento ou, subsidiariamente, a restituir-lhe esse montante a título de enriquecimento sem causa;
- a condenação das Autoras, solidariamente, a indemniza-la a título de danos não patrimoniais, no montante de € 20.000, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação da contestação, até efetivo e integral pagamento.
Alegou que é única proprietária dos valores referidos na petição, por lhe terem sido doados, acrescentando que a autora da sucessão era proprietária de duas frações situadas no concelho de ..., encetou negociações com vista à sua alienação, celebrando contrato promessa a 28 de agosto de 2015, cujo sinal de € 10.000 lhe doou, o que aceitou, declarando ser seu desejo que o remanescente do preço também fosse por si recebido para que adquirisse habitação própria, o que transmitiu a familiares e amigos; em 12 de outubro de 2016, a mandatária das Autoras remeteu-lhe uma carta para devolução voluntária dos saldos movimentados e restantes objetos de valor, tendo a Autora BB telefonado dias depois exigindo que lhes entregasse o sinal e, posteriormente, deslocou-se a um café onde se encontrava, fazendo a mesma exigência, ameaçando que iria ao Banco de Portugal, o que a levou a emitir um cheque no valor € 28.200 por se ter sentido perturbada e com receio; as Autoras omitiram às promitentes compradoras que o preço remanescente tinha sido doado, tendo recebido delas o valor de € 85.000, agindo com abuso de direito ao celebrar o contrato de compra e venda; referiu, ainda, que devido à ameaça, passou a viver ansiosa com medo do que as Autoras poderiam fazer em seu desfavor e andou angustiada.
4. As Autoras replicaram pronunciando-se relativamente às exceções afirmando serem as únicas herdeiras e únicas titulares do direito de propriedade sobre os bens reivindicados; argumentaram que a constituição da Ré como beneficiária de seguros demonstra a existência de situações específicas em que houve intenção de fazer doação, mas tal não acontecia relativamente à sua inserção nas contas como titular ou autorizada, pois destinava-se apenas a garantir a movimentação, à semelhança do que fez com o filho da primeira Autora, que recusou, tendo mantido a titularidade e contitularidade por ser a proprietária dos valores aplicados e depositados aplicando-os e gerindo-os como entendia.
No que diz respeito ao sinal, referiram que o contrato promessa foi alterado em 25 de novembro de 2015, com reforço do mesmo no montante de € 18.200, fixando o remanescente em € 66.800, que receberam na data da celebração da escritura, tendo pago € 6.150 à imobiliária que mediou o negócio; o valor do sinal foi recebido por DD e depositado nas suas contas bancárias.
Acrescentaram que foi a Ré quem tomou a iniciativa de comunicar a existência do contrato promessa, tendo marcado encontro para entrega da documentação respeitante à venda, sendo o primeiro cheque para devolução do sinal emitido a 13 de abril de 2016 e substituído por outro a 19 de abril, depositado no dia seguinte, pois o primeiro, emitido de conta de DD, não tinha provisão devido aos levantamentos da Ré; nos contactos mantidos com a Ré esta nada referiu acerca da doação; restituíram à Ré os valores de condomínio que a mesma suportara
5. Realizada audiência prévia, a reconvenção foi admitida, sendo proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade dos pressupostos processuais.
6. Decorrido o julgamento, a primeira instância:
«I. julgando a ação parcialmente provada e procedente:
A) declara a falecida DD única proprietária da quantia total de € 172.123,80 e da metade do valor que resultou da venda de 6845 unidades de participação do Fundo Mobiliário Vip Montepio, das contas de fundos n.º ............-1 e .............-2, do Banco Montepio Geral, não inferior a € 25.000;
B) condena a Ré AA a:
i) reconhecer que as Autoras BB e CC adquiriram o valor identificado em A) por sucessão por morte de DD;
ii) a restituir às Autoras os montantes identificados em a), acrescidos de juros à taxa legal de de 4% desde 14 de Outubro de 2016 até integral...
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