Acórdão nº 3/09.0TBFUN-H.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 02-05-2013

Data de Julgamento02 Maio 2013
Número Acordão3/09.0TBFUN-H.L1-6
Ano2013
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório:

B, S.A., instaurou, em 8 de Julho de 2011, no Tribunal Judicial do Funchal a presente acção declarativa de separação de bem (crédito), sob a forma de processo sumário, nos termos do artigo 146.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), contra a MASSA INSOLVENTE DE C C.ª, S.A., credores da insolvente C. S.A., e C.C.ª, S.A., pedindo que fosse julgado extinto na esfera jurídica da insolvente o direito de crédito desta sobre o Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira E.P.E. (SESARAM) e, em consequência, e objectivamente o mesmo crédito nos seus contornos e montante separado da massa insolvente e restituído ao Banco A. que, como terceiro, procedeu ao seu pagamento entretanto tornado definitivo.

Alegou para tanto, em síntese, que entre o A. e o Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira E.P.E. (doravante designado por SESARAM) foi celebrado, em 12 de Fevereiro de 2003, um protocolo, tendo em vista o desconto junto do primeiro das facturas resultantes dos fornecimentos àquele, se o fornecedor assim o pretendesse; (ii) que nos termos da cláusula 5.ª daquele protocolo, o SESARAM se obrigou ao respectivo pagamento no prazo de 12 meses a contar da data de emissão das facturas, ficando o A. desde logo autorizado a debitá-las por idênticas quantias; (iii) que a insolvente forneceu diversos serviços ao SESARAM; (iv) que a insolvente aderiu ao referido protocolo através da celebração de um contrato com o A., que intitularam de “contrato de abertura de crédito para a mobilização antecipada dos valores de facturas emitidas sobre o Serviço Regional de Saúde, EPE”, posteriormente alterados por dois aditamentos, tendo a insolvente utilizado os aditamentos do referido protocolo em relação a todos os fornecimentos que efectuou à SESARAM; (v) que em sede da presente insolvência reclamou os seus créditos, a título de capital, no valor de 3.714.497,47€, por ter sido esse o valor que adiantou à insolvente por conta dos referidos contratos e mediante apresentação das respectivas facturas conferidas pelo SESARAM; (vi) apenas ter reclamado o referido crédito por, à data, o SESARAM ainda não ter provisionado a sua conta junto do A. e por este ter direitos contratuais sobre a insolvente; (vii) que em virtude do contrato, o crédito que a insolvente detinha sobre o SESARAM foi cedido ao A.; (viii) que após o crédito ter sido pago pelo SESARAM ao A., em 03 de Novembro de 2009, o crédito do mesmo sobre a insolvente se extingui; (ix) que nem as facturas da insolvente sobre o SESARAM subsistem, nem o A. está obrigado a devolver qualquer quantia, pois foi ele o próprio pagador, entretanto reembolsado pelo devedor originário, a saber, o SESARAM; (x) ser o titular do referido crédito e não a insolvente.

A MASSA INSOLVENTE de C C.ª, S.A., deduziu contestação, alegando, em suma, (i) que as decisões de apreensão de bens, da notificação ao SESARAM relativamente à apreensão do crédito em causa para a massa, e das assembleias de credores de 21 de Abril de 2009, de 24 de Setembro de 2009 e de 04 de Novembro de 2009, transitaram em julgado; (ii) que se está perante a violação dos princípios da adequação formal, da celeridade e da unidade do sistema jurídico, e o consequente indeferimento da petição inicial; (iii) que o A. aprovou o relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência; (iv) que tal comportamento processual do A., por um lado, e o carácter urgente do processo de insolvência (cfr. artigo 9.º do CIRE), por outro lado, conjugados com os mecanismos legais existentes de verificação, de restituição e de separação de bens (cfr. artigos 128.º e 141.º do CIRE), impõe-se concluir que o mecanismo previsto no artigo 146.º do CIRE não pode ser agora utilizado pelo A., por este violar designadamente o princípio de boa-fé; (v) que a não apresentação tempestiva do mecanismo processual adequado a fazer reconhecer o seu alegado direito, viola o princípio da economia processual, da celeridade e da adequação formal, os quais determinam o indeferimento liminar da petição inicial; (vi) que a apreensão de bens efectuada pelo administrador da insolvência, a notificação do SESARAM, advertindo-o de que o crédito em causa estava apreendido, a aprovação do relatório e o decidido nas assembleias de credores efectuadas em 14 de Setembro e 04 de Novembro de 2009, transitaram em julgado; (vii) que esses despachos, decisões ou actos de autoridade judicial são equiparados por lei a sentenças (cfr. artigo 48.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); (viii) que no momento da prática ou da detecção de qualquer acto com o qual não concorde, o sujeito processual visado deve impugná-lo no prazo legalmente previsto (cfr. artigo 205.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); (viii) que a presente acção configura um abuso de direito na vertente do venire contra factum proprium; (ix) que o mecanismo do artigo 146.º do CIRE não pode ser utilizado sob pena de constituir um prémio ao desleixo; (x) que é inconstitucional o artigo 146.º, nºs 1 e 2, do CIRE, interpretado no sentido de permitir o seu uso a um credor que atempadamente reclamou os respectivos créditos, aprovou o relatório do Administrador da Insolvência e aceitou as concretas apreensões de bens por este efectuadas, quando o que pretendia fazer em matéria já objecto, quer da referida reclamação quer do referido relatório, em termos contrários ao que destes e da mencionada apreensão resulta, por ofender, à luz da unidade do sistema jurídico falimentar, os princípios da igualdade, da economia processual, da celeridade e da adequação formal, consignados nos artigos 2.º, 13.º e 20.º, da Constituição da República Portuguesa, 2.º, n.º 2, 265.º-A e137.º do Código de Processual Civil e 9.º do CIRE; (xi) que da interpretação do contrato celebrado entre o A. e a insolvente resulta que o crédito em causa, decorrente dos fornecimentos que a insolvente efectuou em benefício do SESARAM, é da sua titularidade e não do A.; (xii) que o A. agiu com litigância de má fé.

Finalizou, peticionando que:

a) “A presente acção seja indeferida liminarmente por força do trânsito em julgado da decisão judicial de apreensão de bens, da comunicação ao SESARAM relativamente à apreensão do crédito em causa para a massa e das assembleias de credores de 21 de Abril, de 24 de Setembro e 04 de Novembro de 2009, bem como por não ser de admitir o recurso por parte do A., no caso e contexto presentes, supra invocados, ao disposto no artigo 146.º do CIRE, por se mostrarem violados os princípios da adequação formal, da celeridade e da unidade do sistema jurídico falimentar” (sic.);

b) A presente acção seja julgada integralmente improcedente;

c) O A., na pessoa dos respectivos representantes legais, seja condenado como litigante de má-fé, nos termos explicitados sob o artigo 93.º e seguintes da contestação.

As credoras M, LDA., S, LDA., e C, LDA., deduziram contestação.

Alegaram, em suma, (i) que da interpretação do contrato de mútuo celebrado entre o A. e a insolvente não resulta que esta tivesse transmitido para a esfera jurídica daquele o seu direito de crédito sobre o SESARAM; (ii) que o crédito em questão pertence à massa insolvente; (iii) que o SESARAM violou o determinado na sentença quanto à apreensão de bens ao entregar directamente ao B a quantia em dívida; (iv) não ser admissível, no caso concreto, a compensação prevista no artigo 99.º do CIRE.

Concluíram pela improcedência da acção.

O autor respondeu à contestação.

Por despacho datado de 23 de Setembro de 2011, o Tribunal convidou o autor a aperfeiçoar a petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 508.º, nºs 1, alínea b), 2 in fine e 3, do Código de Processo Civil.

O autor juntou nova petição inicial aperfeiçoada.

As rés MASSA INSOLVENTE DE C C.ª, S.A., M LDA., S, LDA. e C, LDA., mantiveram o alegado nas respectivas contestações à petição inicial originária.

Saneado o processo, foi proferida, de imediato, decisão de mérito ao abrigo do disposto no artigo 510.º, n.º 1, alínea b), aplicável ex vi do artigo 787.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, e do artigo 148.º do CIRE, tendo a presente acção sido julgada procedente, decidindo-se, em consequência:

«1. Declarar extinto na esfera jurídica patrimonial da MASSA INSOLVENTE DE C C.ª, S.A. o direito de crédito desta, no valor de 3.714.497,47€ (três milhões, setecentos e catorze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e quarenta e sete cêntimos) sobre o SERVIÇO DE SAÚDE DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA, E.P.E., apreendido nos autos;

2. Determinar que o crédito no valor de 3.714.497,47€ (três milhões, setecentos e catorze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e quarenta e sete cêntimos) seja separado da massa insolvente e restituído ao seu titular B, S.A. que, como terceiro, procedeu ao seu pagamento;

3. Absolver a MASSA INSOLVENTE DE C C.ª, S.A. como litigante de má-fé».

Inconformada, apelou a MASSA INSOLVENTE DE C.C.ª, S.A.

Alegou e formulou as seguintes conclusões:

1º Em primeiro lugar, comparando o teor das duas petições iniciais apresentadas pelo Autor (08/07/2011 e a 17/10/2011), e em face do teor do Despacho, de 26/09/2011 (a convidar o Autor a aperfeiçoar a respectiva petição nos termos no mesmo exarados), transitado, logo com força de caso julgado formal, verifica-se que a segunda petição não cumpre de modo efectivo com o aperfeiçoamento nos termos ali determinados, designadamente quanto aos pontos concretos aí referidos, daí decorrendo a necessidade de indeferimento liminar da acção apresentada, por falta de resposta efectiva ao mencionado convite ao aperfeiçoamento, sob pena de violação do disposto no art. 672º do CPC.

2º Tal questão, não obstante expressamente invocada pela Ré na respectiva segunda contestação, não foi objecto de qualquer apreciação pelo Tribunal a quo, o que integra nulidade, por omissão de...

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