Acórdão nº 2998/19.6T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 08-10-2019
Judgment Date | 08 October 2019 |
Acordao Number | 2998/19.6T8CBR.C1 |
Year | 2019 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]
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1 - RELATÓRIO
A (…) e P (…), uma cidadã portuguesa e um cidadão angolano, ambos residentes em (...) , propuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo de Família e Menores de Coimbra, contra o ESTADO PORTUGUÊS, ação declarativa, pedindo que seja judicialmente reconhecido que eles AA. vivem em união de facto, há mais de três anos.
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Conhecendo da questão da incompetência material do Tribunal para a causa, a Exma. Juíza a quo proferiu despacho no seguinte sentido:
«Através da presente acção os AA. pretendem obter o reconhecimento da sua união de facto, nos termos e para os efeitos das Leis nº 7/2001 de 11/5 e nº 37/1981 de 3/10.
De acordo com o artigo 122º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26/8, os juízos de Família e Menores têm competência, relativamente ao estado civil das pessoas e famílias para : a)Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges; b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum; c) Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio; d) Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil; e) Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil; f) Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges; g) Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família. |
Ora, a presente acção não se inclui, manifestamente, neste elenco, razão pela qual este tribunal é materialmente incompetente para a presente acção :
De acordo com o artigo 96º do C.P.C., a infracção das regras de competência fundadas na matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal . A incompetência em função da matéria decorre da propositura num tribunal de uma acção que, de acordo com o princípio da especialização, está reservada a uma espécie ou categoria diferente de Tribunal . A incompetência absoluta deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado (cfr. o nº 1 do artigo 97º do C.P.C.) . Ou seja, o legislador não atribuiu competência material aos juízos de Família e Menores para as acções de reconhecimento das uniões de facto, tanto mais que a Lei da nacionalidade refere expressamente que «O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português, pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação, a interpor no tribunal cível».- sublinhado meu. Assim, este tribunal é materialmente incompetente para os seus ulteriores termos, devendo o processo correr no juízo local com competência cível : o artigo 130º da Lei de Organização do Sistema Judiciário determina que às secções de competência genérica (que podem ser desdobradas em secções cíveis e em secções criminais) compete a preparação e o julgamento dos processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central . Por todo o exposto, ao abrigo dos artigos 96º, 97º e 99º, nº 1 do C.P.C., declaro a incompetência deste Tribunal em razão da matéria, determinando, consequentemente, o indeferimento liminar da petição inicial . Custas pelos AA. . Notifique .» |
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Inconformados com tal decisão vieram os Requerentes recorrer, formulando a concluírem as alegações que apresentaram, as seguintes conclusões:
«1. O propósito da ação sub judice é o do reconhecimento judicial da união de facto entre os Apelantes, conforme exigência da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03 de outubro (atualizada por último pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05 de julho) –, concretamente do artigo 3.º, n.º 3.
2. O reconhecimento judicial de uma união de facto não é, nos termos legalmente determinados, da competência de nenhum dos tribunais de competência territorial alargada (cf., neste exato sentido, artigos 111.º; 112.º; 113.º, 114.º; 116.º; 120.º, n.º 1, da LOSJ).
3. O reconhecimento judicial de uma união de facto, está incluído na competência interna dos tribunais de comarca.
4. O critério da competência em razão da matéria, releva, não só para determinar que os tribunais de comarca são, aqui, competentes, como também para determinar qual o juízo competente (cf., artigo 81.º da LOSJ). Os juízos são, assim, materialmente competentes para a apreciação de determinadas causas, nos termos pré-determinados pelo legislador.
5. Ora, o artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ, prevê que os juízos de família e menores são competentes para preparar e julgar “[outras] ações relativas ao estado civil das pessoas e família.’’.
6. Com efeito, parece certo que o legislador determinou a competência material dos juízos de família e menores para o conhecimento e apreciação de ações relativas a uniões de facto, designadamente ao reconhecimento judicial das mesmas.
7. A união de facto é, na verdade, uma relação familiar (pelo menos em sentido amplo), estando intimamente ligada ao estado civil das pessoas e família.
8. Por conseguinte, e havendo juízos cuja competência especializada é, precisamente, matéria de Direito da Família e dos Menores – sendo isso aquilo que está em causa –, não parece que o legislador tenha excluído, da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º, a união de facto. A união de facto diz respeito ao estado civil das pessoas.
9. Desta forma, mal esteve a Mm. Juiz do Tribunal a quo, quando indeferiu liminarmente a P.I. Não só os juízos de família e menores são abstratamente competentes para o conhecimento e apreciação deste tipo de ações – reconhecimento judicial da união de facto –, como, no caso sub judice, havia, e há, um juízo de família e menores concretamente competente: o juízo de família e menores do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.
10. Em suma, entendemos que a união de facto se inclui no âmbito objetivo do conceito de “estado civil das pessoas e da família’’, do artigo 122.º, n.º 1, alínea g, da LOSJ. Deste modo, esta não é uma matéria da competência (residual) do juízo local cível de Coimbra, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (cf., artigo 130.º, da LOSJ).
11. Pelo exposto, deve o presente Recurso ser considerado procedente. Em consequência, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo, ser revogada, considerando-se o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra competente, em razão da matéria, para conhecer, apreciar e decidir a ação de reconhecimento judicial da união de facto.»
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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.
Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir..
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2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir consiste em determinar se o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra detém ou não competência em razão da matéria, para uma ação em que é pedido pelos AA. que seja judicialmente reconhecido que os mesmos vivem em união de facto.
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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em conta são essencialmente os que decorrem do relatório que antecede.
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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Cumpre então decidir a questão supra enunciada, sendo certo que vamos fazê-lo começando por referir que a mesma já nem é uma questão nova para os tribunais superiores, face ao que vamos abordar a questão com a linearidade e sintetismo que a mesma reclama e justifica.
Consabidamente, no momento atual, é a Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto – Lei de Organização do Sistema Judiciário (doravante...
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