Acórdão nº 2984/04.0TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 26-06-2012
Data de Julgamento | 26 Junho 2012 |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2984/04.0TBCSC.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório:
1-1- AA - Arquitectos Associados, Lda, propõe a presente acção com processo ordinário contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 52.473,54 pelos serviços prestados que indica, acrescida de juros vencidos à taxa legal desde 19 de Abril de 2002, no montante de € 5.657,08 e de juros vincendos à taxa legal até integral pagamento.
Fundamente este pedido alegando que prestou serviços de arquitectura para o R., relativamente à construção de cerca de 60 moradias, mediante proposta de honorários que este aceitou, elaborada em função das possibilidades de construção que lhe foram comunicadas pelo mesmo R.. Posteriormente, veio a saber que o índice de construção admitido para o local era inferior àquele que o R. lhe havia indicado, apenas sendo possível construir cerca de 43 moradias, o que originou a alteração do projecto, aceite e acompanhado pelo R.. Mais tarde, a A. veio a obter na CMC (Câmara Municipal de Cascais) a indicação de uma nova área de construção o que obrigou a reformular o projecto, que deu entrada naquela autarquia no dia 6 de Abril de 2001, seguindo-se também uma alteração do acordo inicial sobre os honorários a pagar pelo R.. Em Novembro de 2001, a CMC comunicou a existência de diversas irregularidades do Projecto, o que é normal suceder, o que veio a dar lugar à sua correcção, acompanhada e aceite pelo R., com entrega do Projecto rectificado na CMC, no dia 19.04.2002. Entretanto, no dia 19 de Agosto de 2002, o R., sem conhecimento da A., entregou na CMC um requerimento onde afirma que depois de ter estudado o Projecto apresentado pela A. na CMC concluiu que o mesmo não dava satisfação à maioria das exigências colocadas pela autarquia, e que tinha sido amputado e alterado à sua revelia o projecto inicial, razões pelas quais solicitava a suspensão da análise do processo. No dia 7 de Outubro seguinte, o R. comunicou à A. que rescindia o contrato com justa causa, facto que, no dia 17 seguinte, comunicou à CMC, para que fosse cancelada a responsabilidade técnica da A. no respectivo processo, sem prejuízo de apresentar novo técnico. Em finais de 2002, a CMC indeferiu o processo, sem que os seus serviços tenham apreciado as correcções apresentadas pela A., e que a mesma considera estarem em condições de permitir a aprovação do Projecto. O terreno em causa nos autos é propriedade de ambos os RR., tendo ambos retirado proveito do projecto elaborado pela A. sendo, assim, ambos responsáveis pelo pagamento da dívida reclamada neste processo, no montante acima referido. Caso o Tribunal entenda que não é uso recorrer à Portaria de 7 de Fevereiro de 1972 para efectuar o cálculo de honorários de arquitectura, subsidiariamente, pede a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 111.484,15 acrescida de juros vencidos à taxa legal desde 19 de Abril de 2002, no montante de € 12.018,91 e dos juros vincendos à taxa legal; ou de € 40.084,15 acrescida de juros vencidos à taxa legal desde a citação; ou de € 52.924,15, acrescidas de juros vencidos à taxa legal desde a citação.
Os RR. contestaram alegando que a A. se inteirou das possibilidades de construção para o terreno em causa, antes de ter assegurado ao R. que era possível construir 60 moradias, sendo que o R. mais tarde não teve alternativa que não fosse aceitar um número inferior, em face da posição da CMC. A A. apresentou o projecto na CMC com grande atraso em relação ao previsto, sendo certo que o acordo de honorários tinha carácter provisório, dependendo da aprovação do projecto e sujeito a compensação pelos atrasos. Alegou ainda desconhecer se a A. efectuou as correcções exigidas pela CMC, até porque teve dificuldades em contactar com o seu gerente e responsável durante o período em que foram feitas essas correcções, e não lhe foi dado conhecimento do que foi apresentado na CMC. O R. pediu a suspensão do processo apenas para evitar o seu indeferimento imediato e dar tempo à A. para corrigir os erros do projecto.
Concluem sustentando que nada devem pagar à A.
Antes de ser proferido despacho saneador, foi ordenada a apensação a estes autos, a acção que corria termos pelo mesmo Tribunal com o nº 7620/04, instaurada por BB e mulher, CC, contra AA - Arquitectos Associados, Lda e DD
Nesta acção, os AA. alegam que, em função dos factos já acima mencionados, sobre o modo deficiente como os RR. prestaram os serviços, sofreram diversos prejuízos, com os honorários pagos e taxa camarária, no total de € 36.314,68 (ou 7.280.440$00). Para além dessas despesas, foram entretanto aprovadas medidas mais restritivas da construção, segundo as quais apenas será possível construir 22 fogos, em lugar daqueles que se poderia ter construído se o projecto tivesse sido elaborado de forma correcta, de onde deriva um prejuízo não inferior a € 1.400.000,00. Existem ainda outros prejuízos pelo atraso na comercialização do empreendimento, danos de que não procederam à sua quantificação alegando que, naquele momento, ainda não dispunham de dados para o poderem fazer.
Defendem, assim, que a 1ª R., por incumprimento do contrato e o 2° R., por incumprimento das suas obrigações como técnico autor do projecto, são solidariamente responsáveis pelos danos causados.
Concluem pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da indemnização de € 36.314,68 correspondente aos honorários que foram pagos a título de execução do projecto de arquitectura e à taxa paga na Câmara Municipal de Cascais para apreciação desse projecto, acrescida de juros á taxa legal a contar da citação e até integral pagamento, bem como a condenação dos mesmos RR. a pagar-lhes o montante dos danos patrimoniais derivados do atraso da entrega do projecto e da sua eficiente elaboração, danos esses a liquidar em execução de sentença.
Na contestação a esta acção os RR. defendem, em súmula, que foi cumprido o acordado, em relação ao qual o gerente da sociedade não foi parte, pelo que não são responsáveis por qualquer pagamento.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida sentença que julgou ambas as acções improcedentes, absolvendo os respectivos RR. dos pedidos formulados em cada uma delas.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram cada um dos AA. das acções declarativas respectivas, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 17-1-2012, julgado improcedentes os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A., AA, Arquitectos Associados Ldª, para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- A equidade é a justiça do caso concreto.
2ª- Os Tribunais apenas podem decidir por equidade nos casos estatuídos no art. 4º do CC.
3ª- Uma decisão segundo a qual não basta provar os pressupostos do direito para que este seja justo e que com esse fundamento declara o pedido improcedente, é uma decisão tomada por juízos de equidade.
4ª- A presente decisão viola o art. 4º do CC, que não permite a solução do presente caso por juízos de equidade.
5ª- Tendo o recorrido resolvido o contrato de prestação de serviços de arquitectura sem justa causa e tendo seguidamente tornado impossível a apreciação e subsequente aprovação do projecto pela Câmara Municipal (provocando ele próprio o indeferimento do projecto), deve ser condenado no pagamento dos honorários acordados para a integridade do serviço.
6ª- Deve, em consequência, ser revogado o douto acórdão ora em causa, sendo proferido douto acórdão que condene o recorrido como pedido.
Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, deveremos apreciar apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Se a Sociedade A., AA, Arquitectos Associados Ldª, cumpriu o acordo celebrado com os RR. e se, consequentemente, estes lhe devem pagar a totalidade do preço convencionado.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1. (A) Os RR., BB e CC, são proprietários de um terreno com a área total de 42 299 m2, correspondente aos prédios rústicos inscritos na respectiva matriz da freguesia de Alcabideche, nos arts. 1807 e 1808 e descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, nas fichas n.° 04296 e 0841.5.
2. (B) A A. é uma sociedade por quotas, tendo como objecto social prestação de serviços de arquitectura, planeamento paisagístico, topografia, instalações especiais, fiscalização de obra e gestão de projectos e dedica-se à prestação de serviços de arquitectura, exercendo efectivamente essa actividade profissionalmente, com um fim lucrativo.
3. (C) Os Réus são casados um com o outro desde 20/12/1999.
4. (D) O R. marido é engenheiro e dedica-se profissionalmente ao exercício de engenharia.
5. (E) A A. elaborou uma proposta de honorários e de condições da prestação de serviços de arquitectura.
6. (F) A A. enviou ao R. marido, que recebeu, uma carta com a proposta de condições e de honorários para a prestação dos serviços de arquitectura relativos ao projecto de um edifício com aproximadamente 60 moradias unifamiliares em banda, organizadas em condomínio.
7. (G) Segundo constava da proposta de honorários que o R. marido aceitou, os honorários seriam calculados do seguinte modo:
a. Por cada projecto tipo € 4.289,66 (860.000$00);.
b. Por cada repetição de projecto tipo € 299,28 (60.000$00);
c. Pela concepção geral do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO