Acórdão nº 2976/18.2T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-05-2021
Judgment Date | 10 May 2021 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 2976/18.2T8LRA.C1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
PROC. N.º 2976/18.2T8LRA.C1.S1
6ª SECÇÃO (CÍVEL)
REL. 168[1]
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ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
“Sabril –Sociedade de Areias e Britas, Lda.,” interpôs acção declarativa de condenação contra Adelino Duarte da Mota SA (“ADM”), Mota Pastas Cerâmicas SA (“Mota Pastas”), Mota Mineral Industriais SA (“Mota Mineral”), Mota II Soluções Cerâmicas SA (“Mota II”) e Felmica Minerais Industriais SA (“Felmica)”, pedindo que, seja:
a) A 1ª Ré condenada a pagar-lhe o valor de 511.121,14 €, acrescido dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento;
b) A 2ª Ré condenada a pagar-lhe o valor de 1.128,65 €, acrescido dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento;
c) A 3ª Ré condenada a pagar-lhe o valor de 115.308,04 €, acrescido dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento;
d) A 4ª Ré condenada a pagar-lhe o valor de 2.944,02 €, acrescido dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento;
e) A 5ª Ré condenada a pagar-lhe o valor de 40.789,02 €, acrescido dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, o seguinte:
- No âmbito das respectivas actividades comerciais, foi estabelecida uma relação de parceria entre a Autora e as Rés (que se encontram em relação de grupo), através da qual aquela fornecia a estas caulinos, barros e argilas, prestando-lhes igualmente serviços de transporte, e as Rés prestavam à Autora serviços de transporte, armazenagem e de máquinas, fornecendo-lhe também inertes;
- Em função dessas relações a Autora é credora de cada uma das Rés dos valores acima indicados nas várias alíneas dos pedidos;
- Sucede que, em 19.10.2017, as Rés comunicaram à Autora a suspensão de todos os fornecimentos e prestação de serviços, bem como a suspensão generalizada dos pagamentos das facturas emitidas e enviadas, invocando o início de uma auditoria forense no âmbito da gestão do grupo Mota;
- Comunicaram ainda, depois da interpelação para pagamento que a Autora dirigiu a cada uma delas, que o respectivo Grupo é credor da Autora e dos seus beneficiários efectivos, em função de uma prática reiterada de desvio de bens, oportunidades de negócio, segredos industriais e recursos materiais e humanos do Grupo Mota;
- Na sequência destes factos, a Ré Mota Mineral intentou contra a Autora uma acção de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos dolosos, que corre termos com o n.º 1871/18….., reclamando os prejuízos pela subtração de matérias primas e equipamentos, processo esse que se insere num plano engendrado e perpetrado pela O........, S.A., que controla a sociedade veículo A......SA, sociedade que, por sua vez, controla a CCM e as participadas, pretendendo atacar e perseguir, AA, accionista detentor dos outros 50% do capital social da CCM, e, hoje, ex-administrador de todas as empresas do Grupo Mota, bem como perseguir todas as pessoas e empresas que com ele se relacionem, para o afastar, e posteriormente vender a empresa e realizar para si a mais valia.
As Rés contestaram, defendendo que o alegado contrato de fornecimento que subjaz às facturas em causa nos autos é nulo, por força do artigo 397º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC), ou, se assim se não considerar, é anulável, nos termos do artigo 261º do Código Civil (doravante CC), por se tratar de um negócio consigo mesmo.
Alega, para tanto, que:
- O referido AA, ao mesmo tempo que exercia o cargo de administrador das Rés, utilizou os seus genros – BB e CC – para ocultar que era o verdadeiro dono e gerente da Autora e instrumentalizou-a para efectuar diversos desvios de matéria-prima e materiais pertencentes às Rés – em particular, à Ré Mota Mineral, com isso tendo-lhe causado prejuízos no valor de 1.891.434,00 €;
- Até 02.10.2017, o AA e a sua filha DD eram membros do Conselho de Administração da CCM e das Rés, mas os mesmos, por deliberação unânime das Assembleias Gerais das Rés, datada de 29.09.2017, foram destituídos com justa causa, tendo sido decretada em 02.10.2017 a suspensão judicial de ambos do Conselho de Administração das Rés, tendo esta decisão sido confirmada por sentença de 19.05.2018;
- Tal destituição veio a suceder em função dos seguintes factos:
No decurso de uma Auditoria Forense Independente apurou-se que AA é dono e beneficiário efectivo da W...... e da Autora, actuando os seus genros como testas de ferro. Com efeito, no decurso dessa auditoria, em 02.10.2017, foi encontrada uma pasta nos escritórios da ADM com os originais dos títulos de acções ao portador representativos do capital social da W......, no cofre da ADM, situado no gabinete de AA, bem como, minuta do livro de registo de acções da W......, no qual se consignam as transmissões realizadas com as acções representativas da totalidade do capital social da W...... dos genros de AA para este, transmissão que aconteceu poucos dias depois da constituição dessa sociedade. Acresce que o referido AA assumiu o risco empresarial da Sabril quando em 15.07.2015 prestou fiança com beneficio de excussão prévia a favor dela, no montante de um milhão e setecentos euros, sendo que em 01.07.2014 avalizara quatro letras da mesma no valor total de um milhão de euros, sucedendo ainda que o mesmo se apresenta pública e comercialmente associado à actividade da A., especialmente para efeitos de angariação de clientela e tratando de aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão das empresas do grupo.
Terminaram as Rés a contestação, deduzindo a 3ª Ré reconvenção, na qual pede que a Autora seja condenada a pagar-lhe o valor acima referido de 1.891,434,00 € em função do qual deverá ser declarada a compensação dos créditos da Autora e da 3º Ré, e que, consequentemente, se reconheça que tal Ré nada deve à Autora, porquanto o seu crédito é superior ao crédito desta.
A Autora deduziu réplica, pondo em causa os factos invocados pelas Rés, referindo que mesmo que a Autora fosse propriedade e administrada pelo ex-administrador, os negócios não seriam nulos, visto o disposto no n.º 5 do artigo 397º CSC. No tocante à reconvenção, que impugna, aduz que os créditos invocados não são compensáveis, e que, de todo o modo, se verifica em relação a tal pedido, a excepção da litispendência, visto que a matéria do pedido reconvencional já se encontra a ser dirimida judicialmente no referido Processo 1872/18….
As Rés, ao abrigo do n.º 3 do artigo 3º do CPC, responderam às excepções, nada alegando de novo.
A fls 873, vº, o pedido reconvencional da 3ª Ré foi reduzido para o montante de 1.413.333,00 €.
Teve lugar audiência prévia, na qual se fixou o valor da causa em 2.562.724,87 €, e se julgou admissível a reconvenção, mas considerou-se verificada a excepção de litispendência relativamente à mesma, absolvendo-se a Autora da instância reconvencional, tendo ainda sido fixados o objecto do litígio e os temas de prova.
As Rés interpuseram apelação da decisão que julgou procedente a excepção dilatória da litispendência, recurso que foi admitido a subir em separado, e que se encontra já decidido, tendo sido julgado improcedente.
Iniciada a audiência de julgamento, as Rés deduziram articulado superveniente, e com ele juntaram documentos, a que a Autora respondeu, pugnando pela sua inadmissibilidade e pela condenação das RR. como litigantes de má-fé em indemnização na quantia de 1.000,00 €.
Foi indeferido o articulado superveniente, mas admitida a junção aos autos dos documentos que o acompanhavam.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando-se: a 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia de 511.121,14 €, acrescida dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento; a 2.ª Ré a pagar à Autora a quantia de 1.128,65 €, acrescida dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento; a 3.ª Ré a pagar à Autora, a quantia de 115.308,04 €, acrescida dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento; a 4.ª Ré a pagar à Autora, a quantia de 2.944,02 €, acrescida dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento; a 5.ª Ré a pagar à Autora a quantia de 40.789,02 €, acrescida dos juros vincendos, contabilizados até efectivo e integral pagamento.
A mesma sentença absolveu as Rés do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
As Rés apelaram, mas a Relação ….. confirmou o julgado, “ainda que com fundamentos não coincidentes com os nele utilizados”.
Continuando inconformadas, apresentaram as Rés recurso de revista normal, pedindo subsidiariamente a admissão da revista excepcional.
Rematam as respectivas conclusões do seguinte modo:
1. O presente recurso vem interposto do Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal da Relação …. em15.06.2020, no qual julgou improcedente o recurso apresentado pelas Recorrentes, confirmando assim, ainda que com fundamentos essencialmente diferentes, a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e condenado as Recorrentes a pagar à Recorrida o montante total de € 671.290,87, acrescido de juros.
2. Encontram-se verificados todos os requisitos para a interposição do presente recurso de revista, nos termos e para os efeitos dos artigos 671.º, n.º 1 e 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC.
3. Não estamos perante uma situação de “dupla conforme”, nos termos e para os efeitos do artigo 671.º, n.º 3 do CPC. De acordo com o mencionado preceito, a chamada “dupla conforme”encontra-se dependenteda verificaçãodetrês requisitos: (i)ausência devoto vencido; (ii) conformidade decisória; e (iii) conformidade essencial da fundamentação.
4. No caso sub judice, não se encontra preenchido o requisito da “conformidade essencial da fundamentação”, porquanto resulta evidente do próprio Acórdão Recorrido que estamos perante um caso em que a fundamentação constante deste é...
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