Acórdão nº 296/04.9TBPMS-E.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 17-12-2019

Data de Julgamento17 Dezembro 2019
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão296/04.9TBPMS-E.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


Nos presentes autos, é executada a AA - Construção Civil, Lda

Tendo tomado conhecimento da data para abertura de propostas em carta fechada, apresentou a executada nos autos requerimento de arguição de nulidade por falta da sua citação e da sua notificação.

Foi proferido despacho, em 20.06.2014, que mandou notificar os demais intervenientes para se pronunciarem sobre tal requerimento.

Posteriormente, em 10.05.2016, foi proferido despacho que qualificou aquela pretensão como incidente processual sujeito a pagamento de taxa de justiça (cfr. artigo 7.º, n.º 4, do RCP) e que ordenou a notificação da requerente para juntar aos autos comprovativo desse pagamento.

Na sequência, a requerente / executada alegou que tinha requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos.

Sobre tal requerimento incidiu despacho no qual se considerou que o pedido de apoio judiciário e a sua concessão apenas relevava para actos a praticar após o pedido, e porque não foi junto o comprovativo do pagamento, ordenou a notificação da requerente para os efeitos do artigo 570.º, n.º 3, do CPC, ex vi do artigo 145.º, n.º 3, do CPC.

Em obediência a tal despacho, a requerente / executada efectuou o pagamento da taxa de justiça de 51,00 euros e da multa respectiva de 102,00 euros.

Porém, porque tal pagamento se verificou no 2.º dia útil posterior ao termo do respectivo prazo, a julgadora, no entendimento de que o prazo do artigo 139.º, n.º 5, do CPC é aplicável apenas à prática de actos processuais e não à pratica de actos tributários, considerou inexistir pagamento e, consequentemente, ordenou a notificação da requerente para efectuar o pagamento de multa equivalente à taxa de justiça, mas não inferior a 5 UCS, nos termos do artigo 570.º, n.º 5, do CPC, sob pena de desentranhamento do requerimento.

Esta multa não foi paga pela executada.

Pelo que foi proferido despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento.


Inconformada, apelou a executada para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Apreciando o recurso, decidiu este Tribunal, por Acórdão proferido em 10.07.2019, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença.


Inconformada ainda, vem agora a executada recorrer de revista, pugnando, essencialmente, pela revogação do Acórdão recorrido e formulando as seguintes conclusões:

1) Vem o presente recurso ordinário interposto, do Douto Acórdão, que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida, salvo o devido respeito, que é muito, a recorrente, não pode concordar com a posição nele sufragada, razão pela qual, interpôs recurso de tal decisão.

2) Os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está inerente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

3) Tendo o articulado superveniente sido admitido por despacho judicial proferido em 18JUN2014, transitado em julgado, não pode posteriormente ser rejeitado, por violação do caso julgado formal.

4) O caso julgado formal, vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1), impossibilita qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão de voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, vinculando-o à decisão proferida, valendo em caso de necessidade, a decisão que sobre o mesmo objecto, tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), e in casu, tal decisão foi a prolactada em 20.06.2014.

5) No caso sub judice, verifica-se que a Mma. Juiz a quo pelo despacho de 20.06.2014. admitiu o articulado superveniente de 18.06.2014, ordenando a notificação dos demais intervenientes processuais para se pronunciarem, relegando para momento posterior a designação de nova data para a diligência, após “decisão a proferir quanto à nulidade” nele invocada.

6) No entanto, por despacho proferido posteriormente em 10.05.2016, o Mmo. Juiz a quo, determinou que afinal o acto estaria sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça, vindo a final em 07.11.2017 a mandar desentranhar o articulado superveniente, rejeitando-o.

7) Do exposto conclui-se que houve violação do caso julgado formal (art. 620º, do CPC), sendo a sanção pela violação do caso julgado formal, a ineficácia jurídica de todas as decisões que se produziram como consequência necessária da violação do caso julgado formal.

8) Sendo que, o caso julgado formal nos termos do art. 620.º, do CPC tem força obrigatória dentro do processo, a ineficácia jurídica das decisões produzidas como consequência necessária da violação do caso julgado formal, pode ser conhecida oficiosamente e a todo o tempo no decorrer do processo.

9) A recorrente apresentou aos autos em 18.06.2014, sob a ref.ª 17138528, um articulado superveniente em que suscitou nulidades processuais decorrentes de falta de citação e de falta de notificação de diversos actos processuais.

10) Apreciado em 20.06.2014, pelo despacho ref. ª 3063452, devidamente transitado em julgado, veio o douto Tribunal, a admitir o requerimento e a determinar a notificação aos restantes intervenientes processuais para se pronunciarem, não tendo então o tribunal considerado que o articulado estava sujeito a taxa de justiça.

11) Entendeu o tribunal de 1.ª instância, dois anos depois, em despacho autónomo, proferido em 10.05.2016 sob a ref. ª 81434432, que afinal o articulado estava sujeito a taxa de justiça, determinando a notificação da parte para efectuar o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente (51,00€) desconsiderando o teor do despacho ref.ª 3063452, que havia admitido o articulado, e que havia transitado em julgado.

12) Ao abrigo do princípio da confiança e da segurança jurídica, tendo o requerimento sido anteriormente objecto de despacho, que o admitiu, ordenando a notificação dos restantes intervenientes processuais, a recorrente firmou a convicção – esperada – de que o articulado que havia apresentado havia sido admitido, e que iria ser apreciado pelo tribunal.

13) O contrário, é uma violação do caso julgado formal, decorrente do art. 620.º, n.º 1 do CPC, que determina que, os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

14) O despacho interlocutório proferido em 20.06.2014 de admissão do articulado em que é suscitada a falta de citação, não é um despacho excluído por aplicação do art. 620.º, n.º 2 do CPC do elenco dos despachos previstos no n.º 1 do mesmo artigo, não sendo um despacho de mero expediente; nem proferido no uso legal de um poder discricionário; nem uma decisão de agilização ou simplificação processual ou de adequação formal.

15) Mas sim, um despacho interlocutório que: admite o articulado superveniente; ordena a notificação dos restantes intervenientes processuais para exercício de contraditório; dá sem efeito uma diligência; e relega a sua posterior marcação, para momento posterior à prolação da decisão sobre a nulidade que nele havia sido suscitada.

16) Razão pela qual, e salvo melhor opinião, e com o devido respeito, o despacho de admissão proferido em 20.06.2014, integra o elenco dos despachos que recaem sobre a relação processual e que têm força obrigatória dentro do processo.

17) Sendo que, a sanção pela violação do caso julgado formal é a ineficácia jurídica de todas as decisões que se produziram como consequência necessária da violação do caso julgado formal, e que o caso julgado formal nos termos do art. 620.º, do CPC tem força obrigatória, e pode ser conhecida oficiosamente, a todo o tempo, no decorrer do processo.

18) Não sendo vedada a sua arguição pela parte, nem sendo um acto que se considere sanado, antes pelo contrário, como ensina Rui Pinto, «o caso julgado formal tem uma expressão quantitativaprotege a parte não recorridamas também tem uma expressão qualitativaprotege o sentido mais favorável ao recorrente E dentro dessa expressão qualitativa vimos ainda que esse caso julgado vai abranger o silogismo judiciário, i.e., os fundamentos, se ele for mais favorável ao recorrente.»[1]

19) Após a admissão do articulado superveniente, pelo despacho de 20.06.2014, devidamente transitado, entendeu o tribunal de 1.ª instância, dois anos depois, em despacho autónomo, proferido em 10.05.2016, sob a ref. ª 81434432, que o articulado afinal estaria sujeito a taxa de justiça, determinando a notificação da parte para efectuar o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente (51,00€) desconsiderando o teor do despacho de 20.06.2014, que havia admitido o articulado e que havia transitado em julgado e que formara caso julgado formal sobre a admissão do articulado e restantes segmentos do despacho.

20) Veio a recorrente informar aos autos em 27.05.2016, sob a ref. ª 22781864, que havia requerido apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, que foi concedido, constando do pedido de concessão de apoio judiciário no campo 4.3 “observações” que: “… A sociedade requerente foi dissolvida, encontrando-se em liquidação, sem recursos financeiros que lhe permitam recorrer defender os seus interesses em juízo…”. Sendo assim inequívoca a situação de insuficiência económica da recorrente.

21) Pelo despacho ref. ª 82894122, notificado em 03.10.2016, foi a parte, não obstante o apoio judiciário de que beneficiava, que a isentava do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, condenada no pagamento de uma multa, por aplicação do art. 570.º n.º 3 do CPC, em violação ao despacho interlocutório ref.ª 3063452, que havia transitado em julgado e formado caso julgado formal quanto à matéria nele consignada, de...

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