Acórdão nº 2955/15.1T8BRG.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 05-12-2017
Data de Julgamento | 05 Dezembro 2017 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2955/15.1T8BRG.G1.S2 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. RELATÓRIO
1. A Santa Casa da Misericórdia de AA veio intentar acção com processo comum contra o Clube de Campismo e Caravanismo de BB, pedindo que a ré seja condenada a: a) ver declarado que o contrato de arrendamento teve o seu termo por oposição à renovação em 31 de Março de 2015; b) entregar à autora livre de pessoas e coisas o arrendado; c) indemnizar a autora com €1.000,00 por cada dia de atraso na entrega do arrendado ou o valor que vier a ser fixado, a contar de 1 de Abril de 2015 até efetiva entrega.
O réu apresentou contestação, com reconvenção, e a autora réplica.
2. O processo seguiu os seus trâmites e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente. Em consequência foi declarado que o contrato de arrendamento em causa teve o seu termo por oposição à renovação em 31 de Março de 2015, condenando-se a R. a entregar à A., livre de pessoas e coisas, o local arrendado, com absolvição da R. do pedido de indemnização formulado e absolvição da A. do pedido reconvencional.
3. Inconformado com a decisão proferida, veio o réu, Clube de Campismo e Caravanismo de BB, interpor recurso de apelação.
O tribunal da Relação de Guimarães proferiu acórdão em que negou provimento à apelação e, em consequência, confirmou a sentença recorrida.
4. Novamente inconformado com a decisão, dela interpõe recurso de revista normal o R. e, não sendo aquela admitida, excepcional.
Porque as decisões judiciais da 1ª e 2ª instância haviam sido no mesmo sentido e sem voto de vencido, constituindo obstáculo ao recurso de revista normal (dupla conforme), veio a R. a pedir que, se não fosse possível o recurso de revista normal, o mesmo fosse admitido como revista excepcional.
Por acórdão do STJ de 24.10.2017, a formação a que alude o art.º 672.º, n.º3, do CPC admitiu a revista excepcional.
5. A recorrente pediu que ao recurso interposto fosse atribuída eficácia suspensiva, mas a relatora do processo no STJ entendeu que apenas se poderia fixar o efeito devolutivo ao recurso, tendo despachado nesse sentido, por força do art.º 676.º, n.º1 do CPC.
6. Nas conclusões do recurso a R. afirma o seguinte (por transcrição, já expurgadas das referências à revista excepcional):
1- Não se conformando com este douto Acórdão, dele vem a Associação Ré interpor recurso de REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça (…)
2- (…)
3- (…)
4- (…)
5- (…)
6-Na verdade, serão estas as questões de facto e de direito a submeter à apreciação do Tribunal:
1) Caracterização e natureza do contrato de arrendamento;
2) Início e termo do contrato de arrendamento em vigor, designadamente no seu último aditamento, com interpretação do seu teor e da vontade das partes;
3) Regime legal aplicável e designadamente do NRAU e normas transitórias, bem como forma e prazo de denúncia;
4) Prazo de renovação do contrato que se impõe à Autora em fase de transição do regime legal aplicável;
5) Pedido reconvencional, caracterização das obras efectuadas pela Recorrente e da responsabilidade da Autora em reembolsar a Ré pelo valor determinado pelo Tribunal, bem como do exercício do direito de retenção por parte da Ré até que tal montante seja pago.
7-Acresce que é importante a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1028º (Fim do contrato), 1031º (obrigações do locador, 1055º (oposição à renovação), 1054º (renovação do contrato), 1066º (arrendamentos mistos) e 1108º e seguintes (disposições especiais para arrendamentos para fins não habitacionais), e regime do Dec. Lei 39/2008, matéria em apreciação nos autos.
8- (…)
9-Deste modo, estão verificados os pressupostos de facto e de direito para que seja atribuído o efeito suspensivo ao recurso de REVISTA NORMAL, quer à REVISTA EXCECIONAL, o que se requer (n.º 2 do artigo 676º do CPC).
10-Prontificando-se a recorrente, caso isso a recorrida requeira, prestar caução de valor não inferior ao valor da renda a pagar até 30.09.2017, em qualquer modalidade que lhe seja fixada.
11-A Recorrente entende, salvo melhor opinião, que, atenta a prova documental, bem como os depoimentos gravados, a decisão deveria ser precisamente a contrária, ou seja deverá antes a douta sentença ser revogada e julgar-se totalmente improcedente a acção, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos, e a reconvenção julgada procedente, com condenação da Autora / Apelada no pagamento da quantia de 131.092,64 €, acrescida de juros e com reconhecimento do direito de retenção por parte da Ré até que se mostre pago, sem prejuízo de se julgar improcedente o pedido de despejo, com declaração de que o contrato se mantém em vigor e se mostra renovado nos termos legais.
12-Deixou o Tribunal de apreciar e valorar devidamente matéria de facto essencial, omissão de pronúncia que influiu na boa decisão da causa, o que constitui nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, com a consequente aplicação do disposto nos artigos 682º. 683º e 684º do CPC e reenvio do processo ao Tribunal a quo.
13-Pois que, nos termos do artigo 662º, n.º 1 e 682º, n.º 3 do NCPC entende a Ré que pode e deve ser também ampliada a matéria de facto dada por provada e que foi objecto de prova, designadamente:
a)-Que o local arrendado nunca o foi para outro fim que não fosse a de instalação e exploração de um parque de campismo;
b)-Que, nos termos do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, com as alterações do Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro, de conhecimento oficioso, um parque de campismo é um empreendimento turístico.
c)-Que a actividade ali desenvolvida pela Ré / Apelante é uma actividade que é classificada como integrada na chamada indústria turística, com a prática de actos comerciais discriminados no artigo 19º do referido DL 39/2008;
d)-Que os créditos resultantes da realização de obras decorrentes do disposto neste Decreto-Lei gozam, por parte da entidade exploradora, ou seja a Apelante, do privilégio creditório imobiliário previsto no n.º 4 do artigo 57º, logo sendo a Apelante credora do respectivo montante dado por provado (131.092,64 €);
e)-Que o regime aplicável é o da urbanização e da edificação nos termos do n.º 1 do artigo 23º do Dec. Lei n.º 39/2008.
14-Sem prejuízo do atrás concluído, atendendo aos critérios dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, bem como ao teor do texto do contrato original, designadamente quanto ao montante da renda e fim do contrato – “Primeira: O prédio arrendado destina-se à instalação de um parque de campismo e caravanismo”, não restam dúvidas quanto ao fim do contrato.
15-Como tal, e contrariamente à interpretação da douta sentença recorrida, faz todo o sentido a sua integração nas normas transitórias do NRAU – artigos 27.º e seguintes, uma vez que os contratos de prédios rústicos para fins comerciais ou industriais são sujeitos às regras do arrendamento urbano para aqueles fins.
16-Desta feita mantém-se o nosso entendimento quanto à aplicação do artigo 1097.º, nos termos da redacção conferida pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro.
17-Nunca a Autora comunicou à Ré que pretendia aplicar ao contrato o regime previsto na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, muito menos a Ré alguma vez aceitou expressamente submeter ao regime desta lei o contrato de arrendamento e designadamente este seu último aditamento.
18-Mas, ainda que se considerasse que o contrato tivesse o seu termo em 31.03.2015 (versão da Autora) ou mesmo 31.12.2015 (versão da Ré), a “denúncia” ou declaração de intenção de não renovação naquela data não foi efectuada com a antecedência mínima legal, então exigível.
19- A Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que veio alterar o regime do arrendamento, introduziu nova redação aos artigos 1.110º do Código Civil, estipulando no seu n.º 2 que “na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de 10 anos…
20-Também a mesma Lei n.º 6/2006 veio dar nova redacção ao artigo 1.097º do Código Civil, ao estipular que “o senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato”.
21-Acresce que da mesma Lei n.º 6/2006, das suas normas transitórias, designadamente nos seus artigos 26º e 27º, resulta ser este novo regime aplicável ao contrato objecto dos autos.
22-Assim, é de concluir que a Autora não observa nem a forma prevista no artigo 1.097º do C. Civil, na redacção do DL 321-B/90, de 15 de Outubro, nem os prazos e meio processual estipulados, muito menos o prazo de um ano previsto no mesmo artigo na redacção da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que lhe é aplicável.
23-Na verdade, atento o disposto na Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que aprova o NRAU, que só entrou em vigor no prazo estipulado no seu artigo 65º, tendo em atenção a data da sua entrada em vigor e o disposto nos seus artigos 59º, n.º 1 e n.º 4, ou seja que “ as normas supletivas contidas no NRAU só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável”, é óbvio e definitivo que, mesmo que fosse considerada a alegação e confissão da Autora de que o contrato teve o seu termo em 31.03.2015, a Autora não efectuou a denúncia do contrato na forma e com a antecedência legal exigidas, o que conduz a total improcedência da acção.
24-Deste modo, o contrato em curso tinha o seu termo não em 31.03.2015, mas sim em 31.12.2015 e, porque a Autora não fez qualquer denúncia do mesmo no prazo e forma legal, para ter efeitos nesta data de 31.12.2015 ou em qualquer outra, o contrato encontra-se virtual, automaticamente, legal e formalmente renovado, os termos da lei aplicável supra citada.
25-Finalmente, não estamos perante o arrendamento simplista de um terreno rústico, mas antes de um...
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