Acórdão nº 2953/17.0T8BCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-05-2021

Data de Julgamento19 Maio 2021
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA.
Classe processualREVISTA
Número Acordão2953/17.0T8BCL.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça





Processo n.º 2953/17.0T8BCL.G1.S1

Recurso de Revista

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.Relatório

AA, que foi admitido pelo Município ....., ao abrigo de um contrato de emprego-inserção+, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho, contra:

Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., pedindo:

a) O pagamento de quantia não inferior a € 6.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

b) O pagamento que se vier a liquidar em sede de execução de sentença em consequência da incapacidade que se vier a apurar, bem como das despesas com deslocações hospitalares, consultas, exames médicos e cirurgias que se venham a revelar absolutamente necessários.

O Tribunal de 1ª instância proferiu despacho saneador-sentença onde julgou o Tribunal do Trabalho absolutamente incompetente para conhecer da ação e absolveu os réus da instância.

Na sequência de um recurso interposto pelo Autor, o Tribunal da Relação proferiu acórdão em que, considerou que o Tribunal do Trabalho não era o competente materialmente e confirmou a sentença recorrida.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista para este Tribunal, tendo apresentado as seguintes conclusões:

A) Ocorrendo a chamada “dupla conforme” em que o Acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido, a sentença proferida na primeira instância, verdade também que aquele mesmo douto Acórdão fundamentou a sua decisão em argumentos que não estão devidamente concretizados, sendo irrecusável que a decisão recorrida, tão carecida da necessária e conveniente fundamentação, redunda, todavia em graves prejuízos para o recorrente, o que se reputa totalmente injustificado e sem o necessário e melhor esclarecimentos dos seus legais fundamentos, tudo a requerer uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

B) A questão em apreciação revela-se de extrema importância pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e também na jurisprudência com decisões em ambos os sentidos.

C) O Recorrente intentou ação de processo comum, em 11/12/2017, nos juízos cíveis do Tribunal Judicial da Comarca ..., a qual correu assim inicialmente os seus termos pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., sob o nº …, tendo sido proferido, em 28/06/2018, despacho saneador que, oficiosamente, decidiu julgar por verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta e considerou competente o Juízo do Trabalho – ..., do Tribunal da Comarca ..., para onde forma remetidos os autos.

D) A determinação da competência material do tribunal deve assentar na estrutura do objeto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulado na petição inicial.

E) O acervo fáctico descrito na petição inicial, os respetivos enquadramentos jurídicos e normativos e os pedidos formulados pelo autor, conclui-se qua a apreciação e a decisão do caso sub iudice competirá ao Juízo de Trabalho territorialmente competente.

F) O Juízo do Trabalho ..., Juiz …, entendeu que tal competência para apreciação e decisão do acidente em apreço cabe na competência residual da jurisdição cível.

G) Entende o Recorrente que o tribunal do trabalho é o absolutamente competente para prosseguimento dos presentes autos, pois, mesmo e apesar do recorrente, à data do acidente ser beneficiário do Rendimento Social de Inserção, o acidente por si sofrido enquanto exercia funções para o Município de ..., deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei nº 98/2009, de 4/09, neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal dos Conflitos 053/17, de 25/01/2018 e o Acórdão do Tribunal dos Conflitos 015/17, de 19/10/2017.

H) Também o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 19/10/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 15/2017, que numa situação idêntica à reportada nos presentes autos considerou que o acidente sofrido pelo trabalhador como acidente de trabalho, nos termos da Lei nº 98/2009, concretamente à luz dos artigos 3º que se refere ao âmbito da lei e da noção conceito de acidente de trabalho que resulta dos artigos 8º e 9º do referido diploma.

I) Igualmente num recente Acórdão do TRP de 10/07/2019, Proc. 1942/18.2T8VNG.P1 “atenta a força persuasiva que tem um Acórdão do Tribunal de Conflitos, será de seguir o seu posicionamento. Assim e em suma, havendo contratos de emprego-inserção uma dependência funcional e uma relação jurídico de subordinação por parte do seu beneficiário em relação à entidade promotora na prestação do trabalho socialmente necessário, podemos considerar que existe uma relação laboral sui generis. Sendo o beneficiário de tais contratos de emprego-inserção um trabalhador por conta de outrem em sentido lato, o sinistro ocorrido na execução desse contrato deve ser considerado como um acidente de trabalho, sendo os juízos do trabalho os competentes para conhecer das suas consequências”.

J) Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados na p.i., que versam sobre direitos conferidos pela Lei n.º 98/2018, o tribunal do trabalho é o competente em razão da matéria para conhecer a presente ação, não se compreendendo o porquê da improcedência do recurso, e consequentemente confirmação da decisão recorrida, quando o próprio Tribunal da Relação de Guimarães tem proferido inúmeros acórdãos no sentido de considerar o tribunal do trabalho competente para apreciar e decidir estas questões.

K) O Tribunal fez errada interpretação e aplicação da lei sendo o acórdão recorrida passível de censura, o que conduz, sem prejuízo de melhor opinião, à procedência do presente recurso, estão preenchidos os requisitos de que depende a admissão da presente revista excecional, estando devidamente alegada matéria factual adequada e idónea (art.º 672.º, nº 2, al. a), do CPC).

L) Os presentes autos foram remetidos da jurisdição cível para este Juízo do Trabalho, pelo que, e salvo o devido respeito, caberia a este Juízo do Trabalho remeter os presentes novamente à jurisdição cível para posterior tramitação ou remeter os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães para dirimir o presente conflito de competências, nos termos do disposto no art.º 111.º do CPC, contudo tal não aconteceu.

M) Atento o exposto, e salvo o devido respeito, estamos perante um conflito de competência, a ser dirimido pelo Tribunal ad quem, nos termos do disposto no art.º 111.º do CPC, atentas as decisões proferidas, conflito esse que urge dirimir.

N) Por tudo isto, o Douto Acórdão violou os artigos 3.º, 8.º e 9.º da Lei nº 98/09, de 04/09, o artigo 11º do Código do Trabalho, o artigo 111º do CPC e o artigo 126º, nº 1, al. c), da LOFTJ, pelo que deve ser revogado.

O) Assim, o Tribunal fez errada interpretação e aplicação da lei sendo o acórdão recorrida passível de censura, o que conduz, sem prejuízo de melhor opinião, à procedência do presente recurso, estão preenchidos os requisitos de que depende a admissão da presente revista excecional, estando devidamente alegada matéria factual adequada e idónea (art.º 672.º, n.º 2, al. a), do CPC).

TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista excecional e, em consequência, determinar o prosseguimento dos autos, julgando o Tribunal do Trabalho absolutamente competente para conhecer a presente ação.

Se assim, não se entender, atento o exposto e o facto dos presentes autos terem já sido remetidos dos juízos cíveis (onde foram intentados inicialmente), e por se verificar a existência de um conflito negativo de competência, se requer a V. Exas. se dignem dirimir o presente conflito.”

Nas contra-alegações a Ré/Seguradora pugnou pela inadmissibilidade da revista, atento o valor fixado à ação de € 6.000,00. O Réu/Município ... pugnou pela manutenção do acórdão recorrido.

A presente Revista, não obstante, ter sido interposta como revista excepcional, sempre seria admissível, independentemente do valor da causa, bem como da existência, ou não, de dupla conforme, pois estão em causa regras de competência material, pelo que o recurso é sempre admissível, ao abrigo do art.º 629.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido de considerar que o Tribunal do Trabalho é o competente para julgar esta causa, porquanto o acidente em causa, deve ser qualificado como um acidente de trabalho.

II.Fundamentação

Tal como resulta das conclusões do recurso de revista que delimitam o seu o objeto, a questão que importa apreciar é de saber se o Tribunal do Trabalho é, ou não, o competente para julgar um acidente ocorrido durante o exercício de funções ao abrigo de um “contrato de emprego-inserção+.

Fundamentos de facto

A fundamentação de facto relevante para a apreciação deste recurso é aquela que resulta da alegação do autor e da documentação junta aos autos:

- O Autor celebrou em maio de 2016, um “Contrato Emprego-Inserção+” com o Município ...;

- No âmbito do exercício de funções decorrente desse contrato, mais concretamente, quando se encontrava a recolher lixo, sofreu um acidente, que lhe provocou lesões incapacitantes, nomeadamente, perda de parte de um dedo da mão, sofrendo ainda de dores, perda de mobilidade, angústia pela incapacidade com que ficou, bem como pela insegurança em relação a seu futuro.

- Nessa sequência, o Autor intentou ação declarativa comum na jurisdição cível, sendo que o Juízo Cível, ao qual os autos foram distribuídos, se declarou incompetente em razão da matéria, absolveu as RR. da instância e após transito da decisão, determinou a remessa do processado ao Tribunal do Trabalho; o Tribunal do Trabalho, também se declarou incompetente, o que foi confirmado pelo Tribunal da Relação.

Fundamentos de direito

Da análise da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido que a confirmou, constatamos que ambas as instâncias concluíram...

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