Acórdão nº 2944/21.7T8GMR-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10-07-2023

Data de Julgamento10 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão2944/21.7T8GMR-E.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

Em 31.5.2021, o Banco 1..., S.A. veio requerer a declaração de insolvência de A... – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS QUÍMICOS PARA USO INDUSTRIAL E DOMÉSTICO, LDA., tendo a insolvência sido decretada por sentença proferida em 6.9.2021.
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O credor Banco 1..., S.A. veio deduzir incidente de qualificação da insolvência como culposa, pedindo que:

a) sejam julgados verificados os pressupostos da qualificação da insolvência como culposa, descritos no artigo 186.º, n.º 3, al. a) e b) e n.º 2, alínea f) e, em consequência, seja declarada a insolvência da A... como culposa.
b) nos termos do disposto no artigo 189.º, n.º 2, al. a), do CIRE, seja afetado pela qualificação da insolvência, nos termos do artigo 188.º, n.º 6 do CIRE, o sócio gerente da A..., AA.
c) seja o visado pelo incidente de qualificação da insolvência condenado no pagamento do montante total dos créditos não satisfeitos com a liquidação do património da Insolvente, até às forças do respetivo património, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 189.º, n.º 2, alínea e), do CIRE.
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O Sr. Administrador da Insolvência (doravante AI) emitiu parecer no sentido da insolvência ser considerada como culposa (requerimento de 14.6.2022).
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O Ministério Público, com base nas circunstâncias de facto e de direito invocadas no requerimento do credor “Banco 1..., S.A.”, factos esses que considera que, pelo menos, indiciam que a insolvência terá sido agravada, em consequência de atuação dolosa ou culpa grave da empresa e do seu gerente de direito e de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, entendeu que a mesma deverá ser qualificada como culposa, nos termos do disposto nos artigos 185.º e 186.º, n.º 3, al. a) e b) e n.º 2, alínea f), do CIRE, devendo a referida qualificação afetar o gerente de direito e de facto da sociedade insolvente indicado, a saber, o gerente de direito e de facto AA, com as consequências previstas no artigo 189.º, nºs 2 a 4, do CIRE.
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A insolvente deduziu oposição, considerando que o pedido formulado deve ser julgado totalmente improcedente, declarando-se a insolvência da A... como fortuita.
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Foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado à causa o valor de 30 000,01, identificou-se o objeto do processo e procedeu-se à enunciação dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:

Nestes termos, decide este Tribunal:
A) Qualificar como culposa a insolvência de A... Para Uso Industrial e Domestico Ldª. NIF: ..., com sede na Rua ..., ..., ... ...
B) Será abrangido pela qualificação como culposa o gerente de direito AA;
C) Declarar o gerente AA inibido para o exercício do comércio durante 5 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo titular de órgão de sociedade civil ou comercial, associação, fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
D) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou massa insolvente detidos pelo gerente AA, bem como determinar que sejam restituídos à massa quaisquer bens ou direitos recebidos em pagamento desses créditos;
E) Condenar o gerente AA a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, a liquidar em execução de sentença, por não ser possível neste momento calcular o montante dos prejuízos, devendo como critério para a sua quantificação, atender-se ao montante dos créditos reclamados, aos quais deverá ser subtraída a quantia que em rateio final (se existindo) vier a ser apurada, para distribuição, após pagamento das custas processuais.”
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A insolvente A... – INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS QUÍMICOS PARA USO INDUSTRIAL E DOMÉSTICO, LDA. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com a seguinte conclusão:

Ex positis, tendo restado amplamente demonstrado e de forma incontroversa que a A... foi vítima de caso fortuito e não há que se falar em dolo, conduta culposa e/ou má-fé, serve o presente APELO para requerer se digne este E. Tribunal a receber e mandar processar o presente recurso, para, no mérito, atribuir TOTAL PROVIMENTO ao pleito de forma a reformar a sentença, para que seja declarada a insolvência como fortuita, eis que não se vislumbram presentes nenhum dos requisitos constantes no nº 2, alínea “f” e nº 3, letras ... e ... todos dos artigo 186, do CIRE, por medida da mais lídima e escorreita Justiça!
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

1.- Os documentos cuja junção foi requerida em sede de recurso, já existiam e poderiam ter sido juntos aos autos há muito tempo, pelo que a sua junção aos autos, agora requerida, é absolutamente injustificada, nos termos do artigo 651.º, n.º 1 do CPC e dos artigos 425.º e 423.º do mesmo Código, pelo que deve ser rejeitada.
2.- Nas conclusões não é referido qualquer recurso sobre a matéria de facto, pelo que temos de concluir que tal matéria não é objecto do recurso, desde logo porque não foram cumpridos os requisitos do artigo 640.º n.º1 do CPC.
3.- Em todo o caso, a factualidade dada como provada na Douta Sentença, encontra-se devidamente fundamentada na prova produzida, a qual foi correctamente apreciada pela M.ma Juíza.
4.- A conduta do gerente de direito AA integra o preenchimento das condutas típicas previstas na alínea f) do n.º 2 e na alínea a) n.º 3 do art. 186º do CIRE.
5.- Nestes termos, a actual Sentença deve ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto.
6.- Nenhuma norma foi violada na Sentença recorrida, não se verificando nenhuma nulidade na mesma.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Por despacho proferido pela relatora não foi admitida a junção aos autos dos documentos apresentados pela recorrente com as alegações de recurso de 20.3.2023 (ref. Citius ...13) e com o requerimento da mesma data (ref. Citius ...15) tendo sido determinado o seu desentranhamento dos autos.
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Foram colhidos os vistos legais.
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OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se a insolvência não deve ser considerada como culposa, por não se verificarem os requisitos constantes no nº 2, al. f) e nº 3, als. a) e b), do art. 186º, do CIRE.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

1) A A... encontra-se em situação de insolvência desde, pelo menos, o ano de 2020, altura em que o IAPMEI revogou todos os pedidos de concessão de apoios financeiros à Insolvente.
2) Tais decisões eram expectáveis, pelo menos, desde a data em que a insolvente foi notificada dos projetos de decisão e não deduziu qualquer resposta em sede de audiência prévia.
3) Os resultados líquidos referentes aos exercícios económicos de 2018 a 2020 foram negativos: “… a sociedade obteve resultados líquidos negativos nos exercícios económicos de 2018 e 2020, nos valores de € 268.453,42, € 74.501,92 e € 22.524,01, respectivamente.”
4) O passivo da sociedade é constituído, essencialmente, por dívidas ao Banco 1..., à construtora “R...”, à CM de ... e ao IAPMEI, ascendendo a cerca de 4 milhões de euros, inexistindo património capaz de responder por estas dívidas.
5) A A... e a sua gerência da Insolvente promoveu a celebração de negócios com a empresa M..., igualmente administrada pelo sócio gerente da Insolvente.
6) A sociedade insolvente é uma sociedade por quotas, com um capital social de € 2.524.000,00, cujo representante legal é AA, sócio detentor de duas quotas (nos valores nominais de € 1.766.800,00 e € 731.960,00), representativas de 99% do capital social da empresa.
7) Resulta do Relatório do Administrador de Insolvência, elaborado nos termos do art.º 155.º do CIRE que: “Por contrato de compra e venda a devedora prometeu adquirir a tecnologia de uma torre de “sopragem” para fabricação de sabões em pó e outros produtos a uma sociedade de direito brasileiro denominada “M...”. O contrato previa os seguintes pagamentos: Condições de pagamento. Valor total do equipamento: € 4.771.520,00 (quatro milhões e setecentos e setenta e um mil e quinhentos e vinte euros); Condições de pagamento: € 1.000.000,00 (um milhão de euros) como sinal e princípio de pagamento. € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) na aprovação do projecto detalhado e inspeção do comprador. € 1.771.520,00 (um milhão e setecentos e setenta e um mil e quinhentos e vinte euros) na entrega do equipamento. Tendo em consideração que a unidade produtiva ainda não se...

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