Acórdão nº 29369/15.0T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-06-2018

Data de Julgamento07 Junho 2018
Número Acordão29369/15.0T8LSB.L1-6
Ano2018
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

MS, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra o “COMITÉ PORTUGUÊS PARA A UNICEF” e a “CARITAS PORTUGUESA”, pedindo que seja declarado nulo o testamento cerrado lavrado por FS, devendo os Réus restituir à massa da herança todos os bens que à data do falecimento pertenciam a FS e a Autora ser declarada única e universal herdeira do seu falecido irmão FS.
Para tanto, alega em síntese, que é a única herdeira de FS, falecido no seguimento de suicídio, que este sofria de doença mental e que na data em que outorgou o testamento a favor das rés estava num período paranóide que o incapacitava de exprimir livremente a sua vontade, tendo inclusive vários internamentos compulsivos com comportamento delirantes e tresloucados, de desconfiança e isolamento, não testemunhados nem apreendidos por nenhum dos médicos que, no acto de celebração do testamento, declararam que o testador estava na posse das suas faculdades mentais, concluindo pela nulidade do mesmo por incapacidade do testador.
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Citados os réus, contestou apenas a 1ª ré, impugnando os factos alegados quanto à incapacidade do testador, alegando que foi o falecido autor do testamento que a contactou com vista a saber dos procedimentos para realização de um testamento a seu favor, que nos contactos com a R. o testador sempre se apresentou lúcido e capaz, manifestando a sua vontade de forma livre e esclarecida e que o testamento foi feito na presença de dois médicos psiquiatras, que atestaram a sanidade mental do testador, concluindo assim pela improcedência da acção.
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Procedeu-se ao saneamento do processo, com fixação do objecto do litígio e temas de prova em audiência prévia, após o que, realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção integralmente improcedente, absolvendo as rés do pedido formulado.
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Não conformada com esta decisão, impetrou a A. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem, no que se reporta ao recurso interposto e admitido da sentença final:
“O Tribunal a quo dispunha de elementos suficientes para responder em termos diferentes daqueles em que o fez à matéria de facto.
8.º
Vários são os Factos considerados pela Apelante como incorrectamente julgados impondo-se a alteração da matéria dada como provada e não provada da seguinte forma:
A) Factos Provados:
a.1) Por acordo:
NOVO PONTO 3.1:
De acordo com o Relatório de Autópsia, junto a fls. 138 e ss, FS foi “ Encontrado sem sinais de vida, em rigidez cadavérica, com um saco de na cabeça, no interior de veículo ligeiro. Não foram realizadas manobras de reanimação. A vítima estava sentada no lugar do condutor da viatura, que estava destrancada e tinha no seu interior duas garrafas com gás hélio de cor vermelha, ligados com dois tubos de plástico transparentes, atados à volta do pescoço com um fio e introduzidas no saco de plástico transparente colocado na cabeça. O óbito foi verificado no dia 08.06.2015 às 9h45 pelo Médico do INEM.”
a.2) Resultantes da instrução e discussão da causa:
FACTO N.º 12 – Nova redacção:
“12. O falecido, em determinados períodos da sua vida, especificamente, entre os meses de Fevereiro de 2015 até ao momento em que FS cometeu suicídio, em 8.06.2015 tinha comportamentos delirantes e tresloucados, de desconfiança, de isolamento, de sentimento de perseguição, de inquietação e agitação e publicitação do pensamento.”
FACTO N.º 20 – Nova redacção:
“20. Em determinados períodos da sua vida, especificamente, entre os meses de Fevereiro de 2015 até ao momento em que FS cometeu suicídio também gesticulava e esbracejava na rua, sem sentido, nomeadamente junto do café Luanda, sito na esquina da avenida de Roma com a Avenida Estados Unidos da América, sendo cisto por diversos amigos dos filhos da Autora que frequentam aquele café”
FACTO N.º 24 – Nova redacção:
“Nunca se conheceu ao Falecido vontades altruístas em ajudar quem quer que fosse ou qualquer organização não-governamental de ajuda humanitária nas quais sempre disse não acreditar”.
NOVO FACTO N.º 30 (cuja redacção se sugere):
“Face aos comportamentos identificados nos factos 12; 13, 16, 19, 20, 21 e 22, a notícia do suicídio de FS não surpreendeu quem o conhecia e com ele convivia.”
NOVO FACTO N.º 31 (cuja redacção se sugere):
“FS tão depressa revelava comportamentos reveladores de ter uma doença mental com segundos depois aparentava ter comportamentos normais.”
NOVO FACTO N.º 32 (cuja redacção se sugere):
“Nos períodos em que estava mais doente, o FS tinha comportamentos violentos dirigidos sobretudo contra a sua família.”
NOVO FACTO N.º 33 (cuja redacção se sugere):
“A família nunca interditou FS por temer que este se suicidasse, como ameaçava fazer.”
NOVO FACTO N.º 34 (cuja redacção se sugere):
“A família de FS, nomeadamente a Autora, preocupava-se com ele, em que ele tomasse a medicação prescrita; socorria-o; acompanhava-o; apoiava-o; os seus sobrinhos geriam o seu património de forma a que ele tivesse sempre dinheiro para fazer a sua vida”
A retirar da matéria não provada os seguintes factos:
NOVO FACTO N.º 35 - anterior facto não provado a):
“O médico Psiquiatra Dr. AA pelo menos desde Janeiro de 2007 diagnosticou ao falecido uma doença mental de perturbação paranoide da personalidade”.
NOVO FACTO N.º 36 - anterior facto não provado b):
“O falecido, à data da feitura do testamento, dizia que nós não tínhamos vontade própria devido a esse controlo e que eramos todos guiados por tais entidades extra-terrestres”.
NOVO FACTO N.º 37 - anterior facto não provado c):
“No período que imediatamente antecedeu e sucedeu o dia 07 de Maio de 2015 o falecido teve comportamentos reveladores de se encontrar num período de perturbação paranóide que o incapacitavam de exprimir livremente a sua vontade no momento da feitura do testamento”.
NOVO FACTO N.º 38 - anterior facto não provado d):
“Quer à data da feitura do testamento quer imediatamente antes do acto suicidário o falecido também falava acerca de nós não existirmos na realidade e sermos apenas uma simulação criada por computador.”
NOVO FACTO N.º 39 - anterior facto não provado e):
“O contexto comportamental imediatamente anterior e posterior à data da celebração do testamento colocam à evidência em causa a integridade da consciência e da lucidez do
falecido.”
NOVO FACTO N.º 40 - anterior facto não provado f):
“À data da celebração do testamento, celebrado praticamente um mês antes de ter cometido suicídio, o falecido atravessava um período de crise na sua doença que não lhe permitia ter o livre exercício da sua vontade.”
Inexistem factos não provados
9.º
Face aos sinais dos autos conclui-se que a única razão pela qual FS produziu a vontade vertida no testamento dos autos foi porque padecia de doença que o impedia de formar e de exercer livremente a sua vontade.
10.º
O Tribunal devia ter fundado a sua convicção no depoimento das provas testemunhais mencionadas em cada ponto identificado nas alegações supra como incorrectamente julgado que, de uma forma espontânea, escorreita e coerente, depuseram sobre os factos de que tiveram conhecimento directo.
11.º
A prova produzida pela Apelante afigurou-se credível por coerente, sem contradições, precisa e por se alicerçar em conhecimento directo dos depoentes desinteressados.
12.º
O Tribunal a quo desconsiderou os depoimentos das testemunhas SS e AD, ambas ajuramentadas, por considerar erradamente que as mesmas não eram credíveis por terem interesse na causa, sem que em parte alguma dos seus depoimentos ressalva que tivessem interesse directo ou indirecto na causa por não serem herdeiros legítimos do De Cujos, porém, sempre se dirá que os seus depoimentos são todos corroborados por depoimentos de outras testemunhas que nem sequer são familiares do Falecido. Andou mal o Tribunal recorrido.
13.º
Ficou demonstrado que está FS nunca acreditou em organizações não-governamentais de ajuda humanitária como são as Rés Apeladas.
14.º
Ficou demonstrado que em períodos de agudização da doença o Falecido revoltava-se
contra a família; temia ser envenenado pela família; afirmava ser roubado pela família; era física e verbalmente violento com elementos da família.
15.º
Ficou demonstrado que mesmo em períodos de doença mais aguda a família nunca deixou de acompanhar o Fernando, de se preocupar, de cuidar, de tratar, de se responsabilizar, mesmo quando isso punha em risco, nomeadamente a Autora e o Sobrinho SS.
16.º
Verifica-se que todo o processo de contacto do Falecido com a Apelada UNICEF decorreu desde início com base no erro: o de ter uma doença e estar prestes a ser operado.
17.º
Além da sua patologia, não havia razão para que o FS saísse fora daquilo que é o normal e habitual comportamento de manter beneficiária da herança a herdeira legitima que é a Autora, sua Irmã, que tal como ficou dito na prova testemunhal, toda a vida foi praticamente sua Mãe.
18.º
Da sentença recorrida não constam claros os meios de prova tidos em consideração, não se encontrando devidamente fundamentado o processo lógico-dedutivo percorrido pelo Tribunal para chegar àquela decisão acerca da matéria de facto na parte em que se recorre.
19.º
O momento da formação da vontade de testar de FSverifica-se em Abril de 2015 e não no dia 07.05.2015 em que formalizou essa vontade perante notário e peritos.
(cfr. Ponto 27 da matéria provada).
20.º
O direito à prova tem assento Constitucional por ser um Direito Fundamental.
21.º
O Juiz tem o dever de valorar todas as provas produzidas, à luz do princípio da livre apreciação das provas.
22.º
A decisão recorrida incorreu em erro ostensivo na apreciação da prova, de forma arbitrária, ignorando ou afrontando directamente as mais elementares regras da experiência havendo desconformidade flagrantes entre a prova produzida e a decisão do Tribunal
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