Acórdão nº 2931/22.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29-06-2023
Data de Julgamento | 29 Junho 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 2931/22.8BELSB |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
J. A., autor nos autos de acção administrativa especial instaurada contra o Estado português, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença, de 9.3.2023, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a presente acção administrativa parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu a pagar-lhe a quantia de €2.000.00 […], acrescida de juros de mora, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Na acção foi peticionado: «Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser o réu condenado a pagar ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €6 800, livre de impostos, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, a citar e até integral pagamento.»
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1ª. // Porque provados por documentos e admitidos por acordo, tendo interesse para avaliar a diligência do autor e dos operadores judiciários intervenientes, devem ser incluídos no relatório da decisão recorrida e tidos em conta na respectiva fundamentação todos os factos alegados nos artigos 7º., 9º., 11º., 12º., 15º., 17º. e 19º. da petição inicial, em obediência ao disposto nos artºs. 607º., nºs. 3 e 4, do CPC e 94º., nºs. 2 e 3, do CPTA.
2ª // A atribuição de uma indemnização tão reduzida e irrazoável pelos danos não patrimoniais causados ao autor pelo atraso verificado no processo foi devida ao facto de, no respectivo cálculo, não se ter levado em conta a duração total do processo e à circunstância de se ter considerado que se tratava de uma questão de fraca relevância para a vida do autor, o que contraria toda a jurisprudência já produzida pelo TEDH e pelos tribunais nacionais sobre atrasos na administração da justiça (artºs. 6º., § 1º., e 41º., ambos da CEDH).
3ª. // Já se aceita em todos os quadrantes que é o TEDH que interpreta e determina o significado das normas da Convenção, densificando os conceitos de prazo razoável, indemnização razoável e danos não patrimoniais ressarcíveis, e que a sua jurisprudência, como que interpretação autêntica, desempenha um papel de relevo, pelo que deve ser seguida pelos tribunais nacionais.
4ª. // Atendendo a que o montante de € 84264 pedido pelo autor na acção em que se verificou o atraso é muito elevado, superior a mais de 100 salários mínimos nacionais e a 21 pensões de aposentação recebidas pelo próprio, não pode deixar de se considerar que o saneador-sentença errou quando considerou que o respectivo processo não tinha relevância na vida do autor, pois a relevância é óbvia.
5ª // Foram violados, além dos já citados, os artºs. 2º., 20º., nº. 4, e 22º., todos da Constituição, 6º., § 1º., da CEDH e 1º., nºs. 1 e 2, 3º., 7º., nºs. 3 e 4, 9º., 10º., nº. 1, e 12º., todos do RRCEEDEP, aprovado pelo artº. 1º. da Lei nº. 67/07, de 31 de Dezembro, e 70º., nº. 1, 483º., nº. 1, 496º., nº. 1, e 563º. e segts., todos do CC.
6ª. // Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais que o autor sofreu em consequência da violação do prazo razoável, o tribunal, em vez de uma indemnização razoável, atribuiu uma compensação miserabilista ao autor, não tendo tido em conta os critérios constantemente seguidos pela jurisprudência estrasburguesa e pelos tribunais nacionais, que a adoptaram.
7ª. // Nomeadamente, não teve em conta que o artº. 41º. da Convenção manda atribuir uma reparação razoável às vítimas da violação do prazo razoável e que o TEDH, seguido pelos tribunais nacionais, tem entendido que a indemnização deve ser fixada entre € 1000 e € 1500 por cada ano de duração total do processo (e não só por cada ano de atraso) e que o resultado do mesmo é completamente irrelevante para tal efeito.
8ª. // Na elaboração da decisão recorrida devia ter-se aplicado o citado artº. 41º. da Convenção e interpretar-se os artºs. 494º. e 496º., nºs. 1 e 3, ambos do CC, no sentido de afastar a aplicação do primeiro normativo do CC, simplesmente porque não se trata de uma situação em que a responsabilidade se funde em mera culpa para a indemnização ser reduzida.
9ª. // E o que causa alguma estranheza é que o saneador-sentença enuncia todos os princípios seguidos pelo Tribunal de Estrasburgo e pelos tribunais nacionais e depois não os aplica por completo, acabando por olvidá-los, revelando-se paradoxal, ilógico e incongruente.
10ª. // Também se olvidou ou desconheceu a tendência jurisprudencial que se vem verificando, desde há vários anos, no sentido de se abandonar a atribuição de indemnizações miserabilistas e meramente simbólicas, referindo-se em vários arestos que se trata de entendimento praticamente unânime.
11ª O autor merece a atribuição de uma reparação razoável pelos danos causados pelo atraso no processo, para o qual não contribuiu em nada, sempre tendo agido co diligência superior à média, porque também é razoável o quantitativo que pediu, sobretudo se comparado com aqueles que vulgarmente se vê pedidos em idênticas circunstâncias, só podendo pecar por defeito, nunca por excesso»
Requerendo,
«Nestes termos, dando-se provimento ao recurso, deve o réu ser condenado a [sic] ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia pedida [sic] acção, ou seja, €6 800 (…).
O Ministério Público, em representação do Estado português, apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
«1. Os factos dados como provados são os correctos e mostram-se descritos com rigor;
2. A indemnização atribuída ao A. apenas pecou por excessiva como se demonstrou, uma vez que o A. nunca poderia augurar obter qualquer compensação nos autos em que foi invocado o atraso na realização da justiça, frustrando-se a existência de qualquer legitima expectativa independentemente do valor indicado pelo referido;
3. Inexiste, dessa forma, qualquer violação dos preceitos invocados pelo A. nos pontos 5, 6, 7 e 8 das conclusões constantes do recurso do A.;
4. A matéria de facto dada como provada deve ter-se por estabilizada, devendo, por isso, ser mantido o resultado do julgamento da matéria de facto efetuado pela sentença recorrida;
5. A atitude do A. ao propor a presente acção apenas constitui o corolário para a obtenção de uma vantagem patrimonial que sabia não poder obter na acção principal;
6. Aproveitando o circunstancialismo do Tribunal não ter condições para responder com celeridade as todas as solicitações que lhe são colocadas;
7. Circunstancialismo que o A. bem conhecia na sua qualidade de Magistrado do Mº Pº;
8. O investimento do Estado no melhoramento da resposta dos Tribunais, designadamente os Administrativos, é o possível face à ponderação das necessidades do país e[sic] diversas áreas e aos recursos disponíveis;
9. Não é crível que um jurista experimentado (putativo candidato a Procurador-Geral Adjunto) acreditasse conseguir uma compensação financeira nas acções que antecederam os presentes autos; e,
10. Como se referiu abundantemente apenas as legitimas expectativas merecem a tutela do direito, pelo que revogando a sentença na parte em que condenou o R. Estado Português a pagar uma indemnização ao A. e negando as pretensões do mesmo em sede de recurso farão V. Exas a costumada e esperada JUSTIÇA!».
O Recorrente prescindiu de apresentar contra-alegações ao recurso subordinado.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos por se tratar de processo prioritário (mas com envio prévio a estes do projecto de acórdão), vem o mesmo à Conferência para julgamento.
As questões suscitadas pelo Recorrente J. A., delimitadas pelas alegações dos recursos e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros no julgamento da matéria de facto e de direito ao julgar a acção parcialmente procedente, mormente na fixação do montante indemnizatório inferior ao peticionado
No recurso subordinado a questão a apreciar é a de saber se o tribunal a quo errou no julgamento de direito efectuado, ao condenar o Estado português no pagamento de uma indemnização quando a expectativa jurídica do A./recorrido em obter uma decisão de procedência na acção em que ocorreu a morosidade era infundada.
A decisão recorrida, considerou provados, por relevantes para decidir se o Estado Português incorreu em responsabilidade civil extracontratual por violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável no âmbito do processo nº 827/13.3BELSB, os seguintes factos:
«a) Em 03/04/2013, o autor intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Estado, com fundamento em atraso na administração da justiça, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de €59.264.00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e da quantia de €25.000.00, por danos patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, “a contar da citação em relação aos danos não patrimoniais e das datas de vencimento de cada um dos diferenciais já vencidos e vincendos até integral pagamento”.
b) Na acção referida em a), o autor alegou que, em 09/01/2002, tinha tido início um processo disciplinar instaurado contra si e que o processo judicial que se seguiu só foi decidido definitivamente em 17/01/2012, tendo estado pendente durante mais de 10 anos, assim se tendo excedido o prazo razoável de decisão [acordo].
c) A acção referida em a) correu termos Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º827/13.3BELSB.
d) O réu foi citado, em 12/04/2013, para contestar a acção no prazo de 30 dias.
e) Em 06/05/2013, o réu requereu a prorrogação do prazo para contestar por 30 dias, o que foi...
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