Acórdão nº 2925/04.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30-09-2020

Data de Julgamento30 Setembro 2020
Número Acordão2925/04.5BELSB
Ano2020
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

1.1. As partes

R….., S.A., não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou “procedente a exceção dilatória de caso julgado” e absolveu a recorrida Fazenda Pública da instância “quanto ao pedido de revogação do despacho do Director-geral dos Impostos de 16/08/2004, que autorizou a aplicação da disposição antiabuso” e, no mais, julgou improcedente a impugnação judicial, veio interpor recurso jurisdicional.


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1.2. O objecto do recurso

1.2.1. Alegações

Nas suas alegações a recorrente concluiu como segue:
1.ª Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.º 2925/04.5BELSB, a qual julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo então Impugnante, ora Recorrente, contra os actos de liquidação n.º ….., n.º …..e n.º …..e o antecedente acto administrativo (despacho) que autorizou a aplicação da disposição anti-abuso, nos termos do disposto no artigo 63.° do CPPT e determinou a correcção da matéria tributável de IRC, relativa aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, no montante total de € 65.824.547,20.
1.ª São cinco os vícios assacados à sentença recorrida, que consubstanciam os fundamentos do presente recurso: Violação do disposto no artigo 63.°, n.º 10 do CPPT; Violação do princípio do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efectiva, do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, da proibição da indefesa e do direito a um recurso efectivo; Erro de julgamento sobre os efeitos e alcance do caso julgado (violação do disposto no artigo 498.° do CPC); Erro de julgamento na alegada verificação da exceção e, finalmente Erro de julgamento por força da identidade da questão em apreciação com a interposição de providências cautelares e com a estrutura do processo-crime.
2.ª De acordo com a redacção do n.º 10, do artigo 63.° do CPPT à data dos factos em apreço, disposição entretanto revogada pela Lei n.º 64/-B/2011, de 30.12, a decisão do dirigente máximo do serviço ou funcionário em quem ele tiver delegado essa competência, que autoriza aplicação das disposições anti-abuso é “passível de recurso contencioso autónomo” (sublinhado da Recorrente).
3.ª Significa isto que, em face da letra da lei aplicável aos factos em causa, tal decisão era passível de recurso contencioso autónomo, isto é, a mesma podia ser destacada, para efeitos processuais, dos actos proferidos posteriormente a sua prolação.
1.ª Entende a Recorrente que a possibilidade de recurso contencioso, consagrada naquela norma não foi prevista pelo legislador com o objectivo de retirar efeito útil à impugnação dos actos de liquidação mas, outrossim, de assegurar o direito contestação da decisão de aplicação da clausula anti-abuso, de forma autónoma, sem prejuízo do, também autónomo, direito de impugnação das correcções e actos de liquidação subsequentes.
2.ª Consequência natural, de resto, do facto de o procedimento previsto na norma em questão se basear em meros indícios e suposições, quanto a prática e adopção de comportamentos fiscalmente condenáveis por parte do contribuinte, com vista a atingir determinados fins e benefícios ilícitos.
3.ª Porquanto, como esclarece uma vez mais o CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA (..) os efeitos do acto do dirigente máximo do serviço consistem em permitir sem impor, a entidade que dirige o procedimento que faca aplicação da disposição Anti-abuso e, por isso, não resulta dele a definição da posição definitiva da Administração perante o contribuinte':
4.ª Ou seja, no âmbito da Acção Administrativa Especial deduzida contra tal decisão apenas irá ser apreciada a legalidade da mesma na parte em que permite, sem impor, “a entidade que dirige o procedimento que faca aplicação da disposição anti-abuso'.
5.ª Ora, pelo contrário, do entendimento subscrito pelo Tribunal Recorrido resulta, implicitamente, que o despacho que autoriza a aplicação das normas anti-abuso tem eficácia material e definitiva, sendo, por si só, um acto lesivo para o interessado, razão pela qual o mesmo entendeu que a decisão proferida no âmbito da Acção Administrativa Especial teve força de caso julgado material.
6.ª Termos em que a Recorrente considera que a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da norma constante do n.º 10, do artigo 63.° do CPPT.
7.ª Em decorrência do vicio acima invocado, é manifesto que a interpretação e aplicação que o Tribunal Recorrido faz do artigo 63.° do CPPT - no sentido de que não pode ser sindicada a validade/legalidade de um acto de liquidação, em sede de impugnação judicial, quando tenha sido proferida, em sede de Acão Administrativa Especial, decisão que julgou admissível a aplicação da clausula anti-abuso - é susceptível) de violar, desde logo, o princípio do acesso ao Direito e da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.° da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), bem como, o principio da segurança e certeza jurídicas, consagrado no artigo 2.° do mesmo diploma legal.
8.ª A valer o entendimento subscrito pelo Tribunal Recorrido, os actos de liquidação em causa firmar-se-iam na ordem jurídica sem que o contribuinte, o ora Recorrente, pudesse apontar-lhes qualquer vício e, nessa medida, discutir a sua legalidade. Nem que a mesma consubstanciasse, apenas e só, a ilegalidade decorrente da inadmissibilidade, também legal, de aplicação das normas anti-abuso.
9.ª E a verdade é que a fixação da matéria colectável, do montante de imposto a pagar/reembolsar e respectivos fundamentos - e, no caso concreto, o apuramento dos montantes dos prejuízos fiscais que a Recorrente poderia utilizar nos anos em causa - não resultam do despacho de aplicação da clausula geral anti-abuso.
10.ª Ora, se a norma constante do n.º 10, do artigo 63.° do CPPT pudesse ser interpretada no sentido que Ilhe confere a sentença recorrida, ou seja, no sentido de impedir ao contribuinte a sindicância de um acto administrativo perante a instância judicial, sempre seria um preceito inconstitucional, por violação do já citado artigo 20.° da CRP.
11.ª Para além disso, tal entendimento coloca, inequivocamente, o ora Recorrente numa situação de indefesa e de míngua quanto aos meios de reacção a que tem legalmente direito nesta situação, em desrespeito pelo disposto nos artigos 268.°, n.º 4 e 20.°, da CRP.
12.ª Com efeito e segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, tal situação consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os tribunais judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito à violação do direito à tutela efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito, verificar-se-á, sobretudo, quando a não observância das normas processuais ou de princípios gerais do processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, dai resultando prejuízos efectivos Para os seus interesses”[1].
13.ª Como resulta do acima explanado, ao decidir-se como no caso vertente, colocou-se o ora Recorrente na posição de poder ver-lhe imputada uma responsabilidade tributária sem que o mesmo tenha a possibilidade de contestar o acto em que essa mesma responsabilidade se consolidou, através do expediente legal previsto para o efeito, qual seja e neste caso, a impugnação judicial contra os actos de liquidação de IRC de que foi notificado.
14.ª Para além disso, tal entendimento enferma de violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, na medida em que os contribuintes têm que ter a garantia de que um determinado acto administrativo poderá, salvo qualquer impedimento com efectivo fundamento legal, ser sindicado perante uma instância judicial.
15.ª Com efeito e tal como se entendeu, a titulo meramente exemplificativo, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/11/2007, proferido no processo n.º 0164/04, aqueles princípios assumem-se como “princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que esta imanente uma dela de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado':
16.ª O que não ocorre no caso sub judice, pois a interpretação que o Tribunal Recorrido faz do disposto no artigo 63.° do CPPT, retira ao contribuinte a possibilidade de ver o seu direito à anulação de um acto de liquidação, ilegal, ser exercido no âmbito de um processo judicial.
17.ª Por fim e no seguimento do acima exposto, o entendimento subjacente a sentença recorrida é susceptível de violar o direito a um recurso efectivo, consagrado no artigo 13.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (assinada em Roma, a 04/11/1950), o qual constitui uma manifestação fundamental do direito de defesa.
18.ª Nos termos da referida norma, “Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção que tiverem sido violados têm o recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções
19.ª Não se trata de qualquer violação desse direito, mas aquelas em que esteja a ser coarctado, sem fundamento legal que o justifique, colocando o interessado/contribuinte, numa situação de impossibilidade de contestação de um acto que Ilhe é lesivo.
20.ª Situação que, pelos motivos acima invocados, se verifica na situação vertente, na medida em que a interpretação que foi feita pelo Tribunal Recorrido do artigo 63.° do CPPT nega a Recorrente o legitimo direito a uma tutela jurisdicional enquanto contestação, autónoma, das correcções a matéria colectável e dos actos de liquidação.
21.ª Diga-se ainda que o Tribunal Recorrido não validou a qualificação/distinção...

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