Acórdão nº 291/06.3TBPTG-M.E3.S2 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-10-2020
Data de Julgamento | 07 Outubro 2020 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 291/06.3TBPTG-M.E3.S2 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório
1. AA, na qualidade de cabeça de casal da herança deixada por óbito de BB (A.), instaurou, em 06/11/2012, contra CC (R.), advogada, processo especial para prestação de contas, alegando, no essencial, o seguinte:
. A requerente é a única herdeira de BB, falecido em 22/02/2011, no estado de viúvo de DD, também falecida em 25/01/2009;
. A R., na qualidade de advogada, prestou diversos serviços em execução de mandato forense celebrado com BB, tendo aquela intentada ação contra este com vista ao pagamento da quantia de € 162.917,68, a título dos respetivos honorários;
. Em execução daquele mandato, a ora R. intentou, a 06/12/ 2007, ação especial, que correu termos no apenso B dos autos principais, com vista a obter autorização para a venda de património imobiliário do mandante BB e de sua mulher, entretanto declarada interdita;
. Obtida tal autorização, a R. realizou os atos necessários à concretização da venda dum prédio urbano pelo preço de € 397.000,00 e da quota ideal de 1/3 dum prédio misto pelo preço de € 21.500,00:
. No exercício das suas funções de mandatária forense, incumbia à R. entregar ao mandante BB o dinheiro proveniente das vendas autorizadas ou o saldo que a favor deste fosse apurado depois de liquidadas as respetivas responsabilidades, bem como depositar a parte respeitante à sua interdita mulher.
. Porém, a R. não entregou ao mandante o dinheiro das referidas vendas nem o saldo que a este cabia, nem juntou documentos comprovativos de depósito bancário realizado em nome da interdita.
Concluiu a A. a pedir que a R. preste contas pelos atos que praticou na execução do referido mandato, no período temporal a quer se reporta o acima indicado apenso B, em ordem a obter o apuramento e aprovação das receitas e das despesas realizadas e a condenação da mesma R. no pagamento do saldo que se vier a apurar.
2. Citada, a R. contestou, além do mais, impugnando a obrigação de prestar contas.
3. Em face disso, foi proferida a sentença de fls. 146-165, de 04/ 04/2016, a declarar a obrigação de a R. CC prestar contas no âmbito do sobredito mandato forense, decisão esta confirmada pelo acórdão da Relação de Évora de fls. 202-210, de 30/11/2016.
4. De seguida, apesar de notificada para apresentar contas no prazo de 20 dias, sob pena de não lhe ser permitido contestar as contas que a A. apresentasse, a R. não as apresentou, tendo a A. feito a sua apresentação, conforme fls. 294-296/v.º, pedindo a condenação da mesma R. a pagar à herança aberta por óbito do mandante BB a quantia de € 35.000,00 correspondente ao saldo a apurado a seu favor.
5. Realizada uma perícia e depois de vicissitudes várias, foi proferida a sentença de 385-386, de 05/02/2018, a declarar “aceitar” as contas apresentadas pela A. e a condenar a R. a pagar o saldo positivo no valor de € 35.000,00.
6. Inconformada com tal decisão, a R. recorreu dela, tendo sido proferido o acórdão de fls. 419-433, de 28/06/2018, a anular a sentença recorrida por falta de fundamentos de facto, baixando o processo à 1.ª instância para o respetivo suprimento.
7. Foi então proferida nova sentença (fls. 440-453), datada de 15/10/2018, a julgar parcialmente procedente a ação, declarando-se “aceitar” em parte as contas apresentadas pela A., na qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de BB, reconhecendo-se a existência dum saldo a favor daquela herança no valor de € 21.500,00 e condenando-se a R. no seu pagamento.
8. Desta feita, ambas as partes interpuseram recurso para a Relação de Évora, pugnando:
- a A., em sede de facto e de direito, pela alteração da decisão recorrida no sentido de ser reconhecida a existência dum saldo no valor de € 41.144,44 a favor da herança de BB e de ser a R. condenada a pagar a esta herança o valor de € 35.000,00 correspondente ao saldo apurado nas contas que a própria A. apresentou;
- a R. pela anulação da sentença recorrida e, subsidiariamente, pela rejeição das contas apresentadas e revogação daquela sentença.
9. Sobre os referidos recursos foi proferido o acórdão de fls. 518-554, de 28/02/2019, mediante o qual se julgou:
a) - Improcedente a apelação interposta pela A.;
b) – E parcialmente procedente a apelação interposta pela R., decidindo-se fixar no valor de € 10.750,00 o saldo das contas relativas ao exercício, pela R., do mandato em causa, condenando-se esta R. a pagar à A. o referido saldo.
10. Veio então a A. recorrer de revista, pedindo que:
a) – Em primeira linha, se declarasse nulo o acórdão recorrido com fundamento em diversas espécies de nulidade;
b) – Subsidiariamente, se revogasse o mesmo e se substituísse por decisão que:
- considerasse provada a existência de receita a favor da herança de BB no valor de € 41.144,44;
- condenasse a R. a pagar àquela herança o saldo apurado de € 35.000,00;
- ou, caso assim se não entendesse, condenasse a R. a pagar o valor de € 21.500,00 conforme o decidido na 1.ª instância.
11. No âmbito dessa revista, foi proferido por este Supremo Tribunal o acórdão de fls. 611-632, de 17/10/2019, a conceder parcialmente a revista, decidindo-se anular o acórdão recorrido nos seguintes termos:
a) – Por um lado, na parte em que conheceu de objeto diverso do pedido, determinando-se a eliminação do segmento decisório que fixou no valor de € 10.750,00 o saldo das contas relativas ao exercício, pela R., do mandato em referência, na parte respeitante à representação da então interdita DD e condenou a R. a pagar à A. o referido saldo;
b) – Por outro lado, na parte em que deixou de se pronunciar sobre as contas apresentadas pela A. a favor da herança aberta por óbito de BB, determinando-se a baixa do processo à Relação para conhecer das questões ali suscitadas, no exato domínio do julgamento dessas contas, nos termos acima expostos.
12. Em cumprimento do assim decidido, o Tribunal da Relação de Évora proferiu o acórdão de fls. 642-678, de 19/12/2019, em que, após incluir no ponto 14-A da factualidade provada um facto dado como não provado pela 1.ª instância, se julgou improcedente a apelação interposta pela R. e parcialmente a interposta pela A., decidindo:
a) – Fixar em € 35.000,00 o saldo das contas relativas ao exercício pela R. do mandato em causa;
b) – Condenar a R. a pagar à A. aquela quantia correspondente ao saldo apurado;
c) – Revogar em conformidade e confirmar no mais a sentença recorrida.
13. Vem agora a R. pedir revista a título excecional ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, invocando erro de direito na valoração das provas com incidência na prova documental junta aos autos, alegadamente provida de eficácia probatória plena, com apelo ao disposto nos artigos 355.º, n.ºs 1 e 4, 358.º, n.º 2, 369.º, 370.º 371.º e 372.º do CC.
Nas respetivas conclusões recursórias, a Recorrente expõe as razões que, no essencial, se resumem ao seguinte:
a) – BB, por si e na qualidade de tutor da sua então interdita mulher DD, outorgou, como vendedor, as duas escrituras públicas de compra e venda lavradas em 02/07/2008 e em 05/12/2008;
b) – Na escritura outorgada em 02/07/2008, aquele declarou já ter recebido o preço de € 397.000,00 pela venda do prédio urbano sito no Largo …, nºs 3 e 5, em …;
c) – E na escritura realizada em 05/12/2008, o mesmo vendedor declarou já ter recebido o preço de € 21.500,00 pela venda da quota ideal de 1/3 de um prédio misto sito em …, …, freguesia de …;
d) – As receitas de € 13.500,00 e de € 21.500,00 aqui em causa dizem respeito, respetivamente, àqueles valores;
e) – Tais declarações por parte do referido vendedor correspondem a confissões extrajudiciais constantes de documento autêntico providas de valor probatório pleno nos termos dos artigos 355.º, n.ºs 1 e 4, e 358.º, n.º 2, do CC, o que não foi ilidido por via de falsidade;
f) – Em face disso, o tribunal “a quo”, ao considerar que a Recorrente não entregou a BB tais montantes, sem atentar no valor probatório pleno resultante das referidas declarações confessórias, violou o preceituado nos artigos 358.º, n.º 2, 369.º, 370.º, 371.º e 372.º do CC e contrariou o entendimento, nesse particular, adotado no acórdão do STJ, de 09/07/2014, proferido no processo n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1, convocado como acórdão-fundamento;
g) – Nem esse valor probatório pode ser afastado pelos resultados da perícia realizada nos autos nem pelo cominatório estatuído no artigo 943.º, n.º 2, do CPC em sede do processo de prestação de contas.
Nesta base, pede a Recorrente que se revogue o acórdão impugnado e se substitua por decisão que
a) - Declare inexistente o saldo de € 35.000,00 das contas relativas ao exercício do mandato em causa;
b) – Declare que as duas verbas que serviram de base ao pedido da A. foram pagas e que o seu pagamento se encontra devidamente comprovado por escritura pública de compra e venda não impugnada;
c) – Se absolva a R. de todos os pedidos deduzidos pela A..
14. A Recorrida contra-alegou, a sustentar a inadmissibilidade da revista, seja por perda do direito de recorrer seja pela não verificação dos invocados pressupostos da revista excecional, pugnando, subsidiariamente, pela confirmação do julgado.
II – Questão prévia sobre a admissibilidade da revista e delimitação do seu objeto
Como acima se já disse, a R./Recorrente interpôs a revista a título excecional ao abrigo dos pressupostos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, convocando como acórdão-fundamento o aresto do STJ, de 09/07/2014, proferido no processo n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1.
Justifica a revista excecional com base na relevância jurídica das questões suscitadas e na necessidade da sua clarificação para uma melhor aplicação do direito, bem como em pretensa contradição jurisprudencial do acórdão recorrido com o referido acórdão-fundamento.
Ora, como...
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