Acórdão nº 2889/20.8T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 15-02-2022
Data de Julgamento | 15 Fevereiro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 2889/20.8T8LRA.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I.
J..., S.A., com sede em ..., AA, veio intentar acção, com processo comum, contra V..., S.A., com sede no ..., Av...., ..., ..., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 150.580,59€, a título de indemnização por prejuízos sofridos, acrescida dos juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamentando a sua pretensão num acidente de viação ocorrido em 23/05/2018 entre um veículo de sua propriedade e um veículo seguro na Ré a cujo condutor imputa a culpa na eclosão do acidente, alega, em resumo: que, em consequência desse acidente, o seu veículo sofreu danos cuja reparação importava no valor global de 29.351,85€; que a Ré não assumiu o pagamento dessa reparação alegando estar em causa uma situação de perda total por considerar que o valor comercial do veículo era de 14.450,00€; que não aceitou a proposta da Ré por entender que o valor do veículo era superior e não existia uma situação de perda total, comunicando-lhe que, por força da imobilização do veículo, havia contratado uma empresa de serviço de transportes de mercadorias para realizar o serviço que deveria ser efectuado pelo veículo sinistrado até à data em que o mesmo fosse reparado; que, por não ter fundos suficientes para o pagamento da reparação, só em 06/06/2019 lhe foi possível inspecionar aquela viatura no IMTT; que, por força da imobilização do veículo, em virtude de a Ré não ter assumido a respectiva reparação, sofreu um prejuízo no valor de 121.117,34€ (27.060,00€ respeitante ao valor que despendeu nos meses de Maio, Junho e Julho de 2018 em serviço de transportes efectuados pela S... Unipessoal, Ld.ª e 94.057,34€ respeitante à paralisação do veículo no período de 01 Agosto 2018 a 06 Junho de 2019, tendo como referência o valor diário de 262,73€ constante na tabela do Protocolo celebrado entre a APS – Associação Portuguesa de Seguros e a Antran – Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e que sofreu ainda o prejuízo de 111,40€ correspondente ao valor que despendeu junto do Posto da ... com a obtenção da certidão do acidente de viação.
Na contestação que apresentou, a Ré reconheceu a sua responsabilidade pelos danos resultantes do acidente, impugnando, no entanto, o valor dos danos que é alegado pela Autora. Sustentou, no essencial e em resumo: que, tendo em conta o valor atribuído ao veículo (14.450,00€) e o custo da reparação (que foi fixado pela peritagem em 15.529,00€ e que, segundo a Autora, ascendeu a 29.351,85€), estava em causa uma situação de perda total que foi comunicada à Autora por carta de 21/06/2018; que, nessas circunstâncias, apenas está obrigada a pagar a quantia de 12.428,00€ (valor que sempre aceitou pagar e foi recusado pela Autora), tal como aceita pagar o valor de 2.857,12€ a título de indemnização decorrente da paralisação do camião pelo período de 28 dias; em tudo o mais, contesta e impugna os danos e valores peticionados pela Autora, sustentando que o pedido de indemnização pela privação do uso do camião acidentado que foi apresentado pela Autora consubstancia uma situação de abuso do direito e que, além do mais, as quantias referentes a IVA que constam das facturas apresentadas pela Autora não correspondem a um prejuízo efectivo, na medida em que, enquanto sociedade comercial, a Autora pode deduzir esse IVA nas suas declarações;
Conclui pedindo que a acção seja julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré no pagamento das quantias de 12.428,00€ (correspondente ao valor venal do veículo acidente depois de deduzido o valor do salvado uma vez que o camião ficou na posse da Autora) e de 2.857,12€ (a título de indemnização decorrente da paralisação do camião pelo período de 28 dias) e absolvendo-se a mesma de tudo o mais que foi peticionado.
Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu nos seguintes termos:
“1. Condeno a ré a pagar à autora a quantia global de 33.551,85 € a título de indemnização, acrescida dos juros que à taxa legal se vencerem desde a citação até efetivo e integral pagamento
2. Absolvo a ré do restante pedido contra si formulado”.
Inconformada com essa decisão, a Ré V..., S.A. veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
II.
Questões a apreciar:
Atendendo às conclusões das alegações das Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
i) Saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto no que toca aos concretos pontos de facto que são impugnados pelas Apelantes;
ii) Saber se a sentença recorrida está ferida de nulidade por falta de fundamentação e/ou por ter omitido pronúncia relativamente à questão/argumentação suscitada pela Ré relacionada com o facto de o valor do IVA da reparação não corresponder a um prejuízo da Autora que deva ser indemnizado;
iii) Saber se o valor do IVA da reparação corresponde (ou não) a um prejuízo sofrido pela Autora que deva ser indemnizado;
iv) Apurar a duração do dano da privação do uso do veículo e quantificar o valor da respectiva indemnização.
/////
III.
Matéria de facto
(…)
A matéria de facto provada – com a alteração introduzida nos pontos 8 e 9 – é, portanto, a seguinte:
1. No dia 23.05.2018, pelas 7,45 horas, ao km 104,900 da Estrada Nacional Nº ..., freguesia de ..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:
- O veículo pesado de mercadorias trator ..., matrícula ...-FV-... com reboque matrícula L-157515, propriedade da A., conduzido na altura por BB,
- O veículo pesado de mercadorias ..., matrícula ...-JQ-..., conduzido na altura pelo seu proprietário CC e seguro na R. V..., S.A.
Naquele dia, hora e local circulava o veículo da A. no sentido Alcobaça - Alfeizerão, dentro da sua meia-faixa de rodagem, quando inesperada e violentamente foi embatido pelo veículo seguro na R., em consequência do qual o condutor do veículo da A., após perder o controlo do mesmo, não conseguiu evitar o embate com a frente deste veículo num muro de vedação duma residência existente na berma direita da estrada por onde circulava.
2. A R. assumiu a responsabilidade do seu segurado no acidente.
3. Do acidente resultaram danos, sobretudo na parte frontal e lateral esquerda do acima identificado veículo da A..
4. Na sequência do acidente, foi designado o dia 28.05.2018 para a realização da peritagem ao Camião
5. A peritagem não chegou, no entanto, a realizar-se porque a oficina estava encerrada, tendo sido designada uma segunda data.
6. O custo de reparação do veículo da Autora ascendia, de acordo com a peritagem, a €15.529,00
7. A Ré atribuiu a veículo da Autora o valor venal de €14.450,00 e ao salvado o valor de €2.022,00
8. Em serviço de bate-chapas e pintura a reparação importou em 11.717,00€, acrescidos de IVA no valor de 2.694,91€, num total de 14.411,91€;
9. Em serviço de mecânica, sobretudo da reparação de motor a nível de camisas, pistons, bronzes, cambotas, válvulas, juntas, turbo, carter, radiador, bombas de água e outros, a reparação importou em 12.146,29€, acrescido de IVA no valor de 2.793,65€, num total de 14.939,94€.
10. A Ré enviou à A. com data de 21.06.2018, carta em que não assumiu o pagamento da reparação do veículo, por considerar que o valor comercial do veículo da A. era de 14.450,00€ e em consequência configurar-se uma situação de perda total.
A Autora também aceitou (voluntariamente) pagar o valor de €2.857,12 a título de indemnização decorrente da paralisação do camião pelo período de 28 dias.
11. A Autora respondeu á Ré, também por carta datada de 3 Julho 2018 em que refere, nomeadamente, que:
“… não aceitamos a V/ proposta de perda total do veículo, uma vez que o veículo em causa foi adquirido por esta empresa em 12-01-2018, pelo valor de 20 000 euros, conforme fatura em anexo, tendo posteriormente sido equipado com extras, que podem ser confirmados pelo V/ perito nomeadamente:
Kit Hidráulico: 2 400,00 Euros
Retarder: 4 800,00 Euros
Total valor veiculo: 27 200,00 Euros
Assim entendemos que o valor comercial do veículo anterior ao acidente é de 25.000 Euros, pelo que iremos a partir desta data dar início à reparação do veículo, uma vez que não se figura uma situação de perda total
De acordo com a oficina o período de reparação são 15 dias úteis.
Mais informamos, que me consequência deste sinistro, e estando a nossa viatura imobilizada desde a data do sinistro, contratamos uma empresa de serviços de transporte de mercadorias no dia 25-05-2018, para podermos cumprir os nossos compromissos contratuais com os nossos cientes e efectuar o mesmo serviço que a nossa viatura sinistrada estava a fazer.
Vamos continuar a contratar esta empresa até á data em que o nosso veículo nos for entregue em perfeitas condições pela oficina reparadora.
Posteriormente iremos remeter a V.Exas. todas as despesas para reembolso relativas a este sinistro em que não tivemos qualquer responsabilidade”.
12. No dia 09.07.2018[1] o perito deslocou-se à oficina e aí pôde constatar que o veículo da Autora se encontrava no mesmo estado do dia da conclusão da peritagem
No dia 01.10.2018 o perito voltou a deslocar-se à oficina para verificar o ponto de situação do veículo e o veículo encontrava-se nas mesmas condições do dia da peritagem e não tinha sido dada qualquer ordem de reparação do mesmo.
13. O veículo acidentado e reboque com peso bruto de 31.000kg (31 toneladas) era pela A. diariamente utilizado no transporte de matéria prima para a indústria de cerâmica e vidro dado a sua principal actividade consistir na extracção e comercialização desses produtos (barros, caulinas, areias, inertes,…).
14. A inspecção...
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