Acórdão nº 28762/09.2T2SNT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-07-2011

Data de Julgamento14 Julho 2011
Número Acordão28762/09.2T2SNT.L1-7
Ano2011
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Relação de Lisboa

Apelantes/AA.: A… e B…
Apelados /RR.: C… e D…

I. Pedido sob recurso: revogação da decisão do Tribunal de primeira instância que absolveu os RR. do pedido e a sua substituição por outra que condene os RR. no peticionado.

Pedem as AA a condenação dos RR. a: a) entregarem-lhes a fracção autónoma designada pela letra “J” correspondente ao 3.º andar Dto. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da … na ficha n.º …4, inscrito na matriz predial respectiva no artigo … da freguesia da …; b) a pagarem-lhes, a título de indemnização pelos danos causados, a prestação mensal de € 300 desde a data da ocupação indevida da fracção (Agosto de 2008) até entrega efectiva da mesma, que liquidam no valor de € 4.500, acrescida de juros que ascendem a € 101,33; c) e, ainda, a pagarem-lhes as despesas já suportadas com o pagamento de IMI e Taxa de Esgotos no montante de € 404,70, bem como as despesas que as AA. tiverem de suportar com a identificada fracção pelo tempo que durar a ocupação ilegítima por parte dos RR..

Os RR., regularmente citados, não apresentaram contestação.

Nos termos do art.º 484.º, n.º 1 do Código de Processo Civil ex vi do art.º 463.º, foram julgados confessados os factos articulados pelos AA..

Foi proferida decisão que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu os RR. do peticionado.

Inconformadas com a decisão, vêm as AA. interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

a) Os AA. e RR. celebraram entre si o contrato de fls;
b) Nenhuma das prestações previstas neste contrato como devendo ser realizadas pelos RR. o foi;
c) Os RR. encontram-se em situação de revelia;
d) Contudo, como, segundo, a douta sentença recorrida, não houve interpelação não houve incumprimento por parte dos RR.;
e) A verdade é que com a citação a posse dos RR. passou a ser posse de má-fé e os RR ficaram em situação de mora;
f) Além disso, as AA. articularam na presente acção terem perdido o interesse no contrato;
g) A lei, designadamente o Código Civil, não definiu o que devia entender-se por interesse pelo que nada impede que esse termo seja usado na sua acepção quotidiana à margem de quaisquer entendimentos jurídicos;
h) A lei não impõe que o termo interesse seja entendido no sentido objectivo; contudo,
i) Mesmo a entender-se nesse sentido neste caso há perda de interesse por ter deixado de ser apta a satisfazer as necessidades das AA.
j) Também as restantes quantias peticionadas são devidas às AA. porquanto constam do contrato celebrado entre AA. e RR.
l) Ao decidir-se no sentido constante da douta sentença recorrida foram violados os artigos 406.º, 762.º, 805.º e os n.os 1 e 2 do artigo 808.º, todos do Código Civil.

Não houve contra-alegações.

II. O âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões das recorrentes (art.os 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do Código de Processo Civil), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, nos termos do art.º 660.º, n.º 2, do CPC.
Sendo certo que, na falta de especificação no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art.º 684.º, n.º 2, do CPC), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 3 do mesmo art.º 684.º).
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões das alegações das recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo delas conhecer o Tribunal de recurso, que, aliás, não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664.º, 1.ª parte, do CPC, aplicável ex vi do art.º 713.º, n.º 2, do mesmo diploma) – de todas as questões suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto.
Por fim, há que ter em conta que, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, e considerando as conclusões das apelantes, as questões essenciais a decidir consistem em saber se: (i) após a citação, a posse dos RR. passou a ser de má-fé, ficando os mesmos em situação de mora; (ii) as AA. perderam interesse no contrato; (iii) são devidas às AA. as restantes quantias peticionadas, nos termos do art.º 406.º do CC, porquanto constam do contrato celebrado com os RR..

II.1. O Tribunal de primeira instância deu como assentes os seguintes factos:

A) AA. são proprietárias da fracção autónoma designada pela letra “…” correspondente ao …º andar Dto. do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua … n.º … descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da … na ficha n.º …, inscrito na matriz predial respectiva no artigo … da freguesia da ….
B) Em 18/5/2007, por meio de documento escrito intitulado “contrato promessa de compra e venda de imóvel”, as AA. prometeram vender aos RR., devoluto e livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, e estes prometeram comprar-lhes a dita fracção, pelo preço de € 95.000.
C) Foi ainda acordado que o preço seria efectuado da seguinte forma: a título de sinal e princípio de pagamento os RR. pagariam às AA. a quantia total de € 5.400, em prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 300, por débito na conta do Banco “Caixa Geral de Depósitos” com o NIB n.º …, até ao dia 8 de cada mês, vencendo-se a primeira no dia 8 de Junho de 2007; e o remanescente do preço seria pago pelos RR. no acto da escritura de compra e venda.
D) Mais acordaram as partes que a escritura de compra e venda será outorgada no prazo máximo de 18 meses a contar da data da celebração do referido contrato, competindo aos RR. a marcação da escritura pública de compra e venda, devendo comunicar, por escrito, através de carta registada, às AA., o dia, a hora e o local da sua realização, com a antecedência mínima de 15 dias (cláusula quinta).
E) Mais acordaram, nos termos da cláusula sexta, que:
1. Se os segundos outorgantes não celebrarem o contrato prometido no prazo máximo referido no n.º 1 da cláusula quinta, poderão dispor de um prazo suplementar que em caso algum poderá ultrapassar os 60 dias,
2. Para o efeito referido no número anterior, deverão os segundos outorgantes comunicar aos primeiros outorgantes, no prazo máximo de 30 dias anteriores ao termo do prazo de celebração da escritura pública, que pretendem beneficiar do referido prazo suplementar.
3. Durante o prazo suplementar os segundos outorgantes pagarão aos primeiros outorgantes a quantia de € 300 (trezentos euros) mensais que posteriormente serão deduzidos na parte remanescente do preço acordado.
4. Se o prazo suplementar indicado no número um for ultrapassado por causa imputável aos segundos outorgantes e desse facto resultar o incumprimento definitivo do contrato, os primeiros outorgantes poderão resolver unilateralmente o contrato promessa de compra e venda, perdendo os segundos outorgantes todos os montantes já pagos, bem como o valor das obras realizadas na fracção.”
F) AA e RR acordaram ainda nos termos daquele documento escrito que:
Cláusula oitava
Os primeiros outorgantes assumirão todos os encargos relativos ao imóvel objecto do presente contrato promessa, desde que vencidos ou exigíveis anteriores à celebração da escritura de compra e venda, com expressa exclusão daqueles que resultem da ocupação ora acordados nos termos da cláusula quarta e a partir da data em que se inicie a mesma.”
G) Na data da assinatura do contrato promessa, as Autoras entregaram as chaves ao Réus, ficando estipulado no mencionado acordo escrito que “após a entrega das chaves, os segundos outorgantes ficarão investidos na posse do imóvel”, conforme teor do documento de fls. 15 a 23, que no mais se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.
H) Os réus, até à presente, não comunicaram às autoras a data para outorga da escritura de compra e venda da referida fracção.
I) E, em Julho de 2008, os RR. cessaram os pagamentos das prestações mensais mencionadas no montante de € 300,00 cada, mas continuam na posse da referida fracção.
J) No mercado de arrendamento, as AA poderiam obter por aquela fracção uma renda mensal, pelo menos, igual a € 300,00.
K) As Autoras despenderam a quantia de € 154, 67 relativa a 50% do IMI e da Taxa de esgotos respeitantes ao ano de 2007 e € 340,03 relativamente ao IMI e Taxa de esgotos referentes ao ano de 2008.

II.2. Apreciando.

II.2.1. Quanto à questão de saber se após a citação, a posse dos RR. passou a ser de má-fé, ficando os mesmos em situação de mora.

Conforme resulta das suas alegações de recurso, sustentam as apelantes, neste particular que, ao contrário do que se decidiu na decisão ora recorrida, os RR. remeteram-se a uma situação de total revelia, não contestando sequer a acção, o que é bem demonstrativo do seu total desinteresse pelo cumprimento do acordado. Para mais, tendo a citação efeitos interpelatórios, é desnecessária a necessidade de interpelação nos termos postos pela decisão ora recorrida.

Salvo melhor opinião, entendemos que não assiste razão às apelantes.
Sendo o contrato-promessa uma “...convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato...”
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