Acórdão nº 2855/14.2TBVFR-B.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-10-2018

Data de Julgamento16 Outubro 2018
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2855/14.2TBVFR-B.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Nos autos de Verificação de Créditos, instaurados por apenso à insolvência da sociedade C, SA, foram reclamados créditos com na base no incumprimento pela insolvente de contratos-promessa de compra e venda com ela celebrados e que tiveram por objecto os diferentes imóveis a que se reportam as verbas enunciadas sob os n.ºs 1 a 5 do respectivo auto de apreensão de bens.

Entre outros foi reclamado por A e M, um crédito no valor global de 328.000 euros, que estaria garantido por direito de retenção.

Porque o mencionado crédito foi objecto de impugnação por Caixa Económica - Montepio Geral, realizou-se audiência prévia em que, para além do mais, se determinou o prosseguimento dos ulteriores termos do procedimento para avaliar da existência desses créditos, bem assim das garantias de que beneficiavam.

Concretizada audiência de julgamento, proferiu-se decisão que procedeu ao seguinte reconhecimento, no que aos aludidos Reclamantes concerne:

Reconheceu-se seu um crédito pelo montante global de 329.000 euros (250.000 €, relativos a sinal em dobro + 54.000 €, referentes a cláusula penal + 25.000 €, relacionados com valor em dívida da aquisição pela insolvente do prédio onde seria implantada habitação prometida vender a familiar dos reclamantes), crédito global esse a beneficiar de direito de retenção sobre a Fracção B, apreendida e descrita sob a verba n.º 5.

Do assim decidido interpôs recurso de Apelação o Reclamante Montepio Geral, credor hipotecário, a qual veio a ser julgada procedente, sendo reconhecidos a favor dos identificados Reclamantes os seguintes créditos:

a/ Crédito no montante global de 150.000 euros (125.000 € + 25.000 €, com a indicada origem), de natureza comum, o qual fica graduado, para ser pago pelo produto da venda dos bens apreendidos para a insolvência, no lugar indicada no sentenciado para os créditos comuns; b/ Crédito no montante de 54.000 euros (dita cláusula penal), a beneficiar da garantia decorrente do direito de retenção sobre a fracção apreendida sob a verba n.º 5, o qual fica graduado, para ser pago pelo produto da venda da aludida verba, em 2.º lugar da ordem indicada no sentenciado.

Irresignados, recorrem agora os Reclamantes A e M, concluindo da seguinte forma:

- No recurso de apelação interposto para a Relação, o «Montepio Geral (CEMG)» insurgiu-se contra o reconhecimento a favor de A e mulher, M, de um crédito no montante global de € 329.000,00, garantido por direito de retenção, a ser pago com a preferência decorrente de tal garantia pelo produto da venda da verba imóvel nº 5, levantando as seguintes questões:

a) Inexistência de contrato-promessa de compra e venda em que os Reclamantes figurem como promitentes-compradores e a insolvente como promitente-vendedora;

b) A dar-se como celebrado entre a Insolvente e os Reclamantes esse contrato promessa, sempre o mesmo padeceria de nulidade por na documentação que o poderia titular não se mostrar cumprida a formalidade a que se reporta o art. 410º, nº 3 do CC (falta de reconhecimento presenciai das assinaturas dos promitentes);

c) Indevida consideração dum direito de retenção convencional, a funcionar como garantia quanto ao pagamento de que os Reclamantes sejam titulares;

d) Inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal;

e) Consideração de um crédito a favor dos Reclamantes assente em cláusula penal excessiva e indevidamente abrangida por direito de retenção;

f) Indevido reconhecimento a favor dos Reclamantes de um crédito garantido por direito de retenção, pelo montante de € 25.000,00

- No presente recurso de Revista, vêm os ora Recorrentes suscitar a reapreciação do decidido no douto acórdão recorrido a propósito da questão identificada na alínea d), ou seja, sobre a alegada inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal.

- Perante a factualidade dada como provada no que tange ao crédito dos credores A e M - supra transcrita em sede de motivação e que aqui se dá por integralmente reproduzida -, os ora Recorrentes preconizaram na sua resposta às alegações do recurso de apelação, e aqui reiteram tal entendimento, que não pode ser feita uma análise parcelar e fragmentada de uma realidade com cada vez mais expressão nas complexas relações jurídicas encetadas nos dias de hoje e que desde há já bastante tempo vem sendo burilada na Doutrina e na Jurisprudência: os denominados, contratos mistos, em sentido lato.

- Antes de tudo o mais, os contratos mistos são contratos atípicos que se consubstanciam em relações contratuais complexas e que, como tal, não podem ser analisados de uma forma linear e padronizada.

- A doutrina civilista distingue o contrato misto (stricto sensu) da coligação ou união de contratos, também denominada coligação de contratos e a Jurisprudência vem acompanhando tal distinção. - Na distinção entre estas duas figuras assume particular relevância, na qualificação jurídica a fazer, tentar perceber se estamos perante um só contrato atípico, com diversas prestações ou se estamos na presença de dois ou mais contratos, substancialmente relacionados entre si.

- Comum a qualquer uma das figuras jurídicas é a certeza de que as referidas relações contratuais não podem ser analisados de forma fragmentada mas antes como uma e apenas uma realidade, ainda que complexa.

- Ora, no caso sub judice, constata-se que havendo um contrato-promessa matricial de compra e venda de um imóvel, celebrado entre o avô do Credor-Reclamante, ora Recorrente, e a Devedora, o mesmo inclui nas prestações acordadas, a celebração de um segundo contrato de promessa, que é parte integrante do primeiro.

- Ou seja, ao ficar consignado que parte do preço seria pago com a celebração de uma escritura de compra e venda de uma casa que iria ser construída no prédio prometido vender, dúvidas não restam de que estamos perante «um acerto económico unitário», «esquema» que as partes quiseram gizar como um só contrato de promessa de compra e venda que apenas se considerava concretizado com o pagamento integral do preço, de «per si» integrado pelo cumprimento do segundo contrato-promessa de compra e venda, no qual a insolvente figura como promitente-vendedora e o avô do Recorrente como promitente-comprador.

- Cingir a analise do crédito dos Recorrentes a apenas um momento do complexo percurso negocial supra descrito, traduz-se num recorte cirúrgico de uma parte de um longo e complexo processo negocial, empobrecendo-o, diminuindo-o, limitando-o a apenas um documento que faz parte integrante de uma realidade mais abrangente.

- E se dúvidas houvesse acerca da interpretação da vontade das partes no que tange ao segundo contrato, parte integrante do preço, o contrato celebrado, em 30 de Junho de 2011, entre a Insolvente (na qualidade de primeira outorgante) e Joaquim Leite de Sá (na qualidade de segundo outorgante), permite confirmar que tal vontade era a de que o complexo contrato-promessa entre ambas celebrado seria cumprido, designadamente, com o cumprimento (passe a redundância) de um segundo contrato-promessa: «Pelo presente contrato, e na sequência dos negócios firmados entre as partes, a primeira outorgante sociedade promete transmitir ao segundo outorgante (...) e este promete adquirir, para si (...) a casa de habitação melhor identificada (...)».

- Seguro e líquido é que, para analisar a relação contratual encetada entre a Insolvente e os Credores-reclamantes, ora Recorrentes, não se pode "escolher" um dos muitos documentos subscritos pelas partes para, a partir dele, proceder a uma análise truncada daquela que foi a vontade dos contraentes.

- Razões pelas quais se afigura aos Recorrentes que a douta sentença de primeira instância procedeu a uma análise abrangente, globalizante e sensível ao cariz misto e complexo do negócio jurídico subjacente ao «crédito dos credores Armando Leite e Mara Soqueiro.

- E é à luz dessa realidade e dessa qualificação jurídica que deve ser apreciada a questão levantada pelo «Montepio Geral (CEMG)» relativa à alegada «Inexistência de pagamento pelos Reclamantes de qualquer quantia a título de sinal».

- Com todo o devido respeito, e que é muito, embora com acento tónico noutro documento, restringe-se a análise da complexa relação jurídica encetada entre o avô do credor reclamante e a sociedade insolvente, a um único "momento", isolando-o de um passado que o justifica e contextualiza.

- Afigura-se líquido para os Recorrentes que o histórico de "contratos" celebrados entre as partes envolvidas apenas torna clara aquela que foi sempre a sua vontade e consta dos "escritos" iniciais: o avô do credor A prometeu vender à C um terreno pelo valor de 190,000,00€ e a C prometeu vender ao avô do credor uma moradia, que iria ser edificada nesse terreno, pelo valor de 125.000,00€, sendo que a C pagaria os 190.000,00 através da entrega da moradia, devidamente escriturada, e do montante de 65.000,00€.

- No dia 30 de Junho de 2011, o avô do aqui credor e a devedora assinaram um contrato que apenas vem realçar, tornar evidente e manifesta, a promessa de venda da CIF de uma moradia à qual atribuíram, desde o início, com os primeiros contratos, o valor de € 125.000,00. E fazem-no porque a casa estava pronta, a chave foi entregue naquele dia e, das duas promessas de venda iniciais, era a única que faltava cumprir, dado que em 26 de maio de 2006 já havia sido celebrada a escritura de compra e venda do prédio do avô do Recorrente.

- Neste contexto, também não sobejam dúvidas, pensamos, de que quando no dia 30 de Junho de 2011 se menciona que o preço de € 125.000,00 se encontra pago, os contraentes se referem à entrega do prédio objecto do contrato-promessa celebrado em 16 de Marco de 2006.

- Nem sequer outra hipótese alternativa resulta da prova produzida nos presentes autos ou sequer foi alguma vez aventada...

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