Acórdão nº 2852/17.6T8GMR-I.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12-06-2024
Data de Julgamento | 12 Junho 2024 |
Número Acordão | 2852/17.6T8GMR-I.G1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães[1]
1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada
Os Autores AA e EMP01..., Lda. intentaram contra os Réus Massa Insolvente de BB e CC (representada pelo Administrador da Insolvência DD), contra os Réus Credores da Massa Insolvente e contra a Ré Banco 1... (Banco 1...), a presente ação declarativa de condenação nos termos do art. 89º, nº2 do CIRE, pedindo que «a presente ação seja julgada provada e procedente e, em consequência: a) - Serem todos os RR, condenados a reconhecer que a Sociedade A. tem um crédito no montante de € 44.094,00 sobre a Massa Insolvente de BB e CC; b) - Serem todos os RR. condenados a reconhecer que esse valor traduz uma redução do crédito hipotecário do credor e 3º R. Banco 1..., feita à custa dos pagamentos mensais da sociedade autora e/ou do 1º A. em nome e representação daquela, entre o dia ../../2017 e o dia 29 de novembro de 2020; c)- Ser a Massa Insolvente de BB e CC condenada a restituir à sociedade autora o aludido montante de 44.094,00 euros a título de enriquecimento sem causa, e os respetivos juros que o depósito bancário gerar desde a data do depósito na conta da massa até à data da restituição efetiva; d)- Serem todos os RR. condenados a reconhecer que esse montante corresponde um enriquecimento da Massa Insolvente, e um consequente empobrecimento da sociedade autora, um e outro no exato valor de 44.094 euros, bem como a reconhecerem que esse enriquecimento, perante a lei, não tem causa justificativa e que a lei não faculta à autora empobrecida outro meio de ser restituído/indemnizado; Subsidiariamente: e) - Caso assim não se entenda, então deverá o R. Banco 1... ser condenado a indemnizar a sociedade autora no montante de 44.094,00 euros pelos prejuízos que o seu comportamento ilícito e violador das regras da boa fé lhe causou, acrescidos de juros legais à taxa de 4% ao ano contados desde a citação até efetivo e integral pagamento».
Fundamentaram a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «o 1º A. é gerente da 2ª A.; o 1º A. reclamou um crédito sobre o insolvente BB no montante de € 157.846,72, crédito que lhe foi reconhecido e foi contemplado na proposta de rateio final; por documento escrito de “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” datado de 14/09/2014, o insolvente confessou-se devedor perante o 1º A. do montante de € 240.000,00 resultante de diversos empréstimos monetários que este último lhe havia concedido; parte desse empréstimo de € 240.000,00, mais concretamente a quantia de € 150.000,00 já o 1º A. havia recebido em ../../2014 mediante empréstimo contraído pela sociedade 2ª A. junto da R. Banco 1... a pedido e no interesse do insolvente, uma vez que este não tinha possibilidades de recurso ao crédito bancário, e daí que o Insolvente tenha constituído hipoteca voluntária sobre um imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento desse empréstimo pelo qual era responsável; porque o 1º A. não tinha confiança na capacidade do Insolvente para pagar as prestações mensais junto da R. Banco 1... e, para garantir a titulação do seu crédito caso tivesse necessidade de ele próprio proceder ao pagamento dessas prestações, foi celebrada a confissão de dívida pela totalidade; o Insolvente não pagou uma única prestação do empréstimo R. Banco 1..., tendo sido os AA. a fazer todos os pagamentos mensais que já ascendiam então a € 67.846,72 de capital, juros e seguro, e após a declaração de insolvência, o Insolvente também não pagou qualquer montante nem à R. Banco 1... nem aos AA.; como o pedido do empréstimo havia sido formalizado pelo 1º A. através da 2ª A., para evitar o incumprimento contratual e respetiva comunicação ao Banco de Portugal com todas as consequências negativas daí advenientes para a sociedade 2ª A., não tiveram outra alternativa senão a de continuar a pagar as prestações mensais à R. Banco 1... e, desde a data da declaração da insolvência até ao dia ../../2020, os AA. pagaram-lhe o montante de € 56.239,64 referente às prestações vencidas nesse período; a R. Banco 1... reclamou um crédito sobre a insolvência no montante de € 110.881,49, que tem a sua origem naquele contrato de empréstimo, celebrado em ../../2014, no qual foi mutuária a 2ª A e como fiador o Insolvente, empréstimo que se destinou a este último e foi contratado no seu exclusivo interesse, tendo os AA. intervindo nesse contrato, apenas face à impossibilidade de obter crédito bancário, e daí que este último tenha outorgado escritura de constituição de hipoteca voluntária e unilateral sobre imóvel de sua propriedade para garantir o pagamento do referido empréstimo; entre o valor reclamado pela R. Banco 1... e o valor que efetivamente lhe era devido à data do pagamento em sede de rateio, verifica-se um diferencial de € 44.094,00, já que à data do pagamento o seu crédito estava reduzido a € 66.787,49 por força dos pagamentos mensais feitos pelo 2ª A.; a massa insolvente viu a sua dívida reduzida perante a R. Banco 1... em € 44.094,00, montante que tem de ser entregue à 2ª A., tratando-se de uma dívida da massa insolvente de que aquela é credora; e a considerar-se que esse valor integra e pertence à massa insolvente, tal representaria um enriquecimento injusto e sem causa da própria massa insolvente, sendo uma dívida da massa insolvente; de forma injustificada a R. Banco 1... continuou a receber da sociedade 2ª A. o valor correspondente às prestações que se venceram após a declaração da insolvência, tendo convencido o 1º A. a proceder ao pagamento mensal das prestações que se venceram mesmo depois de ter reclamado o seu crédito pela totalidade, mas referindo que no final far-se-ia o acerto de contas e que a R. Banco 1... lhe devolveria o valor que viesse a receber em excesso, mas nada devolveu, entregando o valor de € 44.094,00 à massa insolvente».
A Ré Banco 1... contestou, pugnando por «ser a presente ação julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, ser absolvida do pedido».
Fundou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «no âmbito desse mesmo processo de insolvência, reclamou, pela totalidade, o crédito que possuía em relação ao contrato de mútuo e que se encontrava garantido pela hipoteca constituída sobre o imóvel do Insolvente; à data da declaração de insolvência, o contrato tinha um capital em dívida no valor de 110.780,30€, ao qual acresciam 89,82€ a título de juros vencidos e 11,37€ a título de Imposto de Selo e outras despesas, crédito que foi reconhecido e qualificado como garantido; no âmbito do processo de insolvência, no dia 17/10/2018 procedeu-se à venda executiva do imóvel, o qual foi comprado pela sociedade 2ª A. pelo preço de € 195.000,00€, tendo este valor servido para satisfazer, pela totalidade, o crédito reclamado pela R. Banco 1...; desde a reclamação do seu crédito até ao rateio final, o capital em dívida diminuiu como resultado do cumprimento da sociedade 2ª A., o que levou a Banco 1... a fazer um requerimento ao tribunal no sentido de transferir a diferença entre o montante obtido em sede de rateio final (110.881,49€) e o montante efetivamente em dívida à data (66.787,49€), diferença essa no valor de € 44.094,00, requerimento que foi aceite, pelo que procedeu à transferência; trata-se de dinheiro pertencente à massa insolvente; a atuação da R. Banco 1... foi lícita, diligente e criteriosa, sempre dentro do quadro da boa-fé contratual, razão pela qual deverá ser afastada qualquer tipo de sua responsabilização».
A Ré Massa Insolvente contestou, pugnando por «ser julgada a acção totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se do pedido a Ré, Massa Insolvente de BB e CC».
Fundou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «a dívida era da A. sociedade e como tal teria de cumprir escrupulosa e pontualmente o contrato de mútuo, sob pena de ser accionada judicialmente pela R. Banco 1...; os AA. confundem as relações creditícias assumidas por estes com a 3.ª R., Banco 1..., originadas pelo alegado contrato de mútuo, com o pagamento dos créditos reclamados e reconhecidos na insolvência de BB e CC; a 3.ª R. reclamou o crédito que detinha sobre o Insolvente, o qual foi reconhecido, tal como fez o 1.º A., reclamando o seu crédito com base numa confissão de dívida e não com fundamento no contrato de mútuo; verificando a 3.ª R. que alegadamente foram liquidadas prestações, era sua obrigação devolver à Massa Insolvente, como o fez, pois a quantia de € 44.090,00 pertence à 1.ª R., fruto da venda de bens apreendidos do Insolvente, nomeadamente do bem imóvel, caso contrário, quem se veria empobrecida era a Massa Insolvente e seria a 2.ª A. beneficiada em relação aos restantes credores; caso não houvesse dinheiro suficiente para a massa insolvente liquidar todos os seus créditos aos credores reclamantes, a 2.ª A. continuaria obrigada a pagar as prestações que assumiu para com a 3.ª R. por força do contrato de mútuo».
Foi proferido despacho a dispensar a realização da audiência prévia e a fixar o valor da causa em € 44.094,00 e foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, para além do mais, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, na data de 28/05/2023, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Julga-se a presente ação improcedente, por não provada e consequentemente, absolvem-se os RR. dos pedidos contrato si formulados”.
*
1.2. Do Recurso dos AutoresInconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso de apelação, pedindo que seja «revogada a decisão recorrida e, substituindo-a por outra, que condene os RR. nos pedidos formulados nas alíneas a) a d) do petitório», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
1ª- A presente ação tem causa de pedir radica na celebração de um contrato de mútuo com fiança e hipoteca celebrado entre a sociedade recorrente e a 3ª R. Banco...
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