Acórdão nº 284/21.0PJPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-05-2024
Data de Julgamento | 08 Maio 2024 |
Número Acordão | 284/21.0PJPRT.P1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Tribunal de origem: Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 9 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto :
I. RELATÓRIO
No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) nº 284/21.0PJPRT que corre termos no Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 9, em 12/09/2023 foi proferida Acórdão, cujo dispositivo é do seguinte teor :
«III. Decisão.
Pelo exposto, decide o Tribunal Coletivo.
a. Condenar o arguido AA pela prática em coautoria de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses e prisão efetiva;
b. Condenar o arguido BB pela prática em coautoria de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal na pena de 3 (três) anos de prisão efetiva, absolvendo-o da sua prática como reincidente;
c. Julgar totalmente procedente, por totalmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar ... E.P.E. e, em consequência,
d. condenar solidariamente os demandados AA e BB a pagar ao demandante a quantia global de €2 979,64 (dois mil novecentos e setenta e nove euros e sessenta e quatro cêntimos) acrescida de juros à taxa legal desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
e. Condenar cada um dos arguidos nas custas da parte criminal taxa de justiça individual que se fixa em 2 (duas) unidades de conta e nos encargos que a sua atividade tiver dado lugar, se prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozem;
f. Condenar os mesmos demandados nas custas da parte civil.. »
Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 12/10/2023, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões :
1 - O PRESENTE RECURSO TEM POR OBJECTO:
a) Incorrecta inaplicabilidade do perdão da pena de prisão ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto;
b) Substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da pena de prisão.
2 – O arguido AA foi condenado pela prática em coautoria de um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 do C. Penal na pena de 2 anos e 10 meses e prisão efetiva.
3 – No recurso, sinalizou-se a facticidade que o tribunal a quo deu como provada, bem como a pertinente motivação (que aqui se consideram descritas).
ENQUADRAMENTO TEÓRICO-JURÍDICO e SUBSUNÇÃO JURÍDICA
4 – O arguido acolhe totalmente, por se mostrar acertada, a exposição feita no Acórdão relativamente ao quadro jurídico do crime de roubo e à subsunção jurídica operada.
MEDIDA DA PENA
5 – O arguido também aceita, sem nenhuma controvérsia, a pena que concretamente lhe foi aplicada, sem prejuízo de lhe ser perdoado 1 ano de prisão, nos termos do art.º 3º da Lei n.º 38-A/2023, de 2/8.
6 – É de rejeitar a aplicação automática da proclamação das vítimas de casos de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta como sendo sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis. (Pela sua prestabilidade, citou-se o Ac. do STJ de 3/6/2020, no Proc. n.º 1267/18.3 JABRG.S1, in www.dgsi.pt)
7 – O Tribunal a quo realizou um juízo acrítico acerca de o ofendido se tratar de vítima especialmente vulnerável para os efeitos do art.º 67.º-A do CPP, afastando, ilegitimamente, a aplicação do perdão que se pretende e que tem justificação legal.
8 – Se o Tribunal a quo realizasse essa ponderação, certamente concluiria que, atendendo ao circunstancialismo dado como provado, não redundaria na qualificação que o mesmo realizou, apenas tendo em consideração o tipo de ilícito em causa – roubo simples.
9 – A natureza do diploma em causa exige uma interpretação linear e objectiva, norteada pelo princípio de que o legislador previu expressamente todas as situações em que, de forma clara, quis abranger, ou excluir, relativamente ao perdão de pena de prisão, sob pena de violação do princípio da igualdade.
10 – Nos termos do art.º 7.º, b) i), o legislador expressamente excluiu o crime de roubo agravado, p. e. p. pelo art.º 210.º, n.º 2 do Código Penal, não incluindo o crime em causa nos presentes autos, qual seja, o crime de roubo simples.
11 – Pode, então, concluir-se, com solidez, que, em vista da condenação irrogada, correspondente a 2 anos e 10 meses de prisão efetiva, o Tribunal a quo devia ter declarado perdoado 1 ano de prisão, à sobredita pena aplicada ao arguido – não o tendo feito, infringiu o estabelecido nos artigos 3.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, alíneas b) i), a contrario, e g), da Lei n.º 38-A/2023, de 02/08.
SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA.
12 – Sem preuízo do vazado em 5, é no reduto da não aplicação do instituto da suspensão da execução da pena que se estriba a superlativa assimetria do arguido pelo tocante ao Acórdão prolatado, que, nesse segmento, se conforma desarrazoado e pouco judicioso.
13 – Foi transcrita a fundamentação do Tribunal a quo , no perímetro da aplicação, ou não, do instituto da suspensão da execução da pena.
14 – O arguido entende que a decisão do Tribunal devia ter sido diferente, id est, diante da pena aplicada, devia ter determinado a suspensão da execução da pena de prisão (na motivação do recurso, foi feito um excurso teórico relativamente às penas substitutivas e, mais concretamente, à suspensão da execução da pena).
15 – No caso sub examine, apesar da relevância dos factos cometidos pelo arguido, impende, todavia, objetar o seguinte:
a) Os factos em causa nos presentes autos remontam a 28/4/2021.
b) Os factos aqui em comento, no universo do crime de roubo, transverberam uma intensidade mediana, sendo ainda certo que o valor da apropriação se consubstancia inteiramente diminuto, que os bens foram, de imediato, recuperados, conquanto o tenham sido por razões alheias à vontade dos arguidos, e que a apontada recuperação, no plano patrimonial, adquire inequívoca relevância para a pacificação dos interesses – vale o relatado por dizer que a ilicitude se mostra igualmente medial.
c) De outra parte, o arguido mostra-se inserido económica, social, profissional e familiarmente, importando salientar que desde 4/1/2022 exerce funções como “Técnico de Montagem” na empresa “A..., Lda.”, da qual o seu irmão é sócio-gerente, tendo uma prestação laboral adequada e empenhada.
d) Acresce que o arguido tem uma problemática associada ao consumo de álcool – trata-se de materialidade que emerge do facto 24 e 25. No entanto, igualmente se extrai do facto 24 que se encontra pendente o cumprimento por parte do arguido de uma pena de prisão de 1 ano e 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, encontrando-se em acompanhamento por parte da DGRS, tendente a afastá-lo do cometimento de novos crimes e eventual tratamento do alcoolismo.
Por não ser de somenos importância, urge ainda ressaltar que a sentença proferida no Processo a que se alude no Ponto 24 da factualidade dada como provada transitou em julgado em 29/11/2021, tendo aí sido efectuado um juízo de prognose favorável ao arguido em relação a parte da temática do presente recurso, a que acresce a particularidade de os factos dos presentes autos (atinentes a 28/4/2021) serem anteriores a tal decisão, mantendo-se válidas as razões tecidas para subscrever o indigitado juízo de prognose!
e) Convém agora enfatizar que, no âmbito do relatório social do arguido – que foi valorizado pelo Tribunal, note-se –, no item conclusão, se assinalou o seguinte: “No presente, em acompanhamento desta equipa da DGRSP, em sede de suspensão de execução de pena, AA tem se adequado ao cumprimento do estabelecido, à exceção do acompanhamento no âmbito da problemática alcoólica, componente que importa avaliar/retomar.
Assim, na eventualidade de condenação, consideramos, em eventual ponderação de medida de execução na comunidade, que a mesma seja enquadrada da conformação dos seus comportamentos à legalidade penal, para o que releva a sujeição do mesmo a avaliação/tratamento à problemática alcoólica.”
À vista do exposto, o arguido deve ser encarado, sobretudo, como alguém que carece de assistência médica, devendo ser objeto de tratamento por sua causa e também pela proteção devida aos restantes cidadãos – nessa envolvência, impõe-se que o sistema formal da justiça se caracterize, igualmente, como um meio de persuasão no sentido de o exortar/incentivar ao tratamento. O arguido deve, portanto, desenvolver um tratamento de desintoxicação intensivo em instituição adequada (para o qual dá o pertinente consentimento).
f) Insta ainda sobrelevar que o Tribunal a quo, no seu arrazoado, sinalizou, como constituinte desfavorável, “[…] que no âmbito da pena suspensa que se encontra a cumprir tem revelado dificuldades no cumprimento do plano estabelecido, como aliás já antes tinha ocorrido relativamente à condenação em penas de substituição”.
Ora, neste apartado, o arguido, na fração nuclear, “tem-se adequado ao cumprimento do estabelecido”. De outro lado, a especificidade de o arguido se ter adaptado menos positivamente ao desejado afastamento do consumo de álcool, não significa que a situação não possa ainda ser revertida, com inteiro êxito, no apontado processo, sendo certo, destaque-se, que o período da suspensão da execução da pena, aí determinado, termina somente em 29/11/2024. Ajunte-se que a avaliação acerca de algum desvio na observância do plano estabelecido (cuja referência, incumbe não preterir, surge aqui de forma supinamente genérica) e da sua ressonância na suspensão da execução da pena, está apenas outorgada ao juiz do processo pertinente.
Não é igualmente ocioso balizar que não consta dos factos provados que o arguido tenha evidenciado dificuldades no cumprimento da outra pena de substituição (e não outras penas) em que que foi condenado anteriormente – cf. o facto 42. c, do qual apenas se extrata que o arguido cumpriu 39 horas de trabalho e procedeu ao pagamento do remanescente da pena. Ou seja: ignora-se o motivo determinante de a extinção da pena se...
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