Acórdão nº 281/11.4BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 09-06-2022
Data de Julgamento | 09 Junho 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 281/11.4BEALM |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
I – RELATÓRIO
Vem A...., SA, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial referente à liquidação de IRC referente ao exercício de 2005 no montante de € 2.252.420,57.
A Recorrente nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:
“A. O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela A...., S.A. (doravante simplesmente A...., Recorrente ou Impugnante) contra a liquidação de IRC que lhe foi dirigida, com respeito ao exercício de 2005.
B. Antes de mais, entende a Recorrente que a Sentença está ferida de nulidade.
C. Esta resulta, desde logo, de uma inexistente apreciação da matéria de facto provada. Com efeito, entende a Recorrente que grande parte dos factos de que o Tribunal se serve para fundamentar a sua decisão não são verdadeiramente factos susceptíveis de influenciar as opções de direito, mas antes conclusões e afirmações descontextualizadas retiradas do corpo do relatório de inspecção tributária que esteve na base da liquidação impugnada. Em muitos casos, eles configuram mesmo puras especulações e observações tendenciosas, apenas compreensíveis num contexto de defesa parcial de um interesse de arrecadação tributária, mais próprio da actuação das autoridades com competências inspectivas de natureza fiscal do que de um Tribunal fiscal.
D. Depois, a verdade é que os factos dados sobre que recaiu a prova testemunhal realizada em audiência contraditória não merecerem o menor acolhimento ou sequer menção na decisão sobre que se recorre, tudo levando a crer que não tenham sido sujeitos a uma apreciação crítica — o que, de resto, impede a ora Recorrente de sindicar o decidido —.
E. Para a Recorrente, não terá mesmo existido julgamento da matéria de facto, já que, sobre a factualidade invocada na petição inicial e provada por depoimento testemunhal não foi efectuada uma apreciação crítica suficiente e adequada.
F. Sem prescindir, a Recorrente entende que a sentença é anulável por encetar uma interpretação e aplicação inidóneas do direito consequentemente aplicável — nomeadamente, dos artigos 43° e 67° do CIRC —, em termos de se poder mesmo alegar a violação de princípios constitucionalmente consagrados, como sejam o princípio da legalidade fiscal e o princípio da liberdade económica.
G. Com efeito, o que resulta da fundamentação do acto impugnado é, desde logo, a evidência de que o negócio que a administração fiscal coloca em crise é a cisão-fusão ocorrida em 2001.
H. Com efeito, a menos-valia cujo valor é acrescido ao lucro tributável de 2005 da A.... foi apurada nesse preciso valor porque, naquela operação, os patrimónios destacados e incorporados o foram ao seu valor contabilístico — e não, contrariamente ao que, segundo a Administração fiscal, deveria ter acontecido, pelo seu valor de mercado (ou melhor: pelo valor que a Administração considera “de mercado”).
I. Ou seja, a fundamentação não aponta qualquer erro ou ilegalidade à A.... quanto ao momento em que, por força do regime do artigo 81° do Código do IRC, se apurou em 2005 uma menos-valia fiscalmente relevante. O problema que a Administração encontra reside, efectivamente, em 2001, nas condições que presidiram à cisão-fusão, condições essas cuja ilegalidade aquela só a posteriori (oito anos depois — as correcções são de 2009) suscita.
J. A menos-valia obtida com a dissolução e partilha das sociedades adquiridas em 2000 não releva, por si própria, para a Fundamentação dos actos, mas apenas enquanto mera repercussão (quatro anos depois) da cisão-fusão.
K. Todas as considerações de facto e de direito constantes da Fundamentação servem apenas para o tratamento jurídico desta operação.
L. No fundo, a Administração quer “atacá-la” por intermédio da partilha das sociedades, o que bem se entende, tendo em conta que a cisão-fusão ocorreu em 2001 e, por virtude do decorrer do prazo de caducidade do direito à liquidação (quatro anos), não lhe é mais possível corrigir os seus efeitos fiscais.
M. O facto de a Sentença recorrida acolher esta situação — a de a Administração pretender desconsiderar os efeitos tributários declarados de uma operação para lá do prazo (de caducidade) de que dispunha para o fazer, e encontrar uma outra situação, dentro daquele prazo, como pretexto para arrecadar a receita que julga ter “perdido” — implica necessariamente, só por si, a sua ilegalidade.
N. E não se trata, de facto, de uma questão de somenos, a violação, no presente caso, da norma do artigo 45° da LGT consubstancia-se, a final, numa violação grave de princípios de dignidade constitucional de que não será possível abdicar.
O. Com efeito, como defende JOAQUIM GONÇALVES, Juiz Desembargador, em Problemas fundamentais do direito tributário, 1999, Vislis Editores, “Justificando este instituto da caducidade ou perempção apontam-se, por isso, razões atinentes à necessidade da certeza dos direitos e das relações jurídicas, razões de interesse público da paz familiar e segurança social da anulação e interesse da brevidade das relações jurídicas. E a par com este fundamento de índole de política-social, apontou-se, igualmente, um fundamento de índole jurídica traduzido no não exercício dos direitos prolongado por um certo período de tempo.
P. A decisão recorrida encontra-se ainda viciada pela circunstância de aplicar erroneamente as disposições do Código do IRC relativas ao regime especial das reorganizações empresariais, com total desprezo pelas razões legislativas subjacentes a essa especialidade.
Q. Em causa estava a operação de cisão-fusão realizada nos termos da al. c) do n.° 1 do art.° 118.° do CSC, através da cisão parcial das sociedades A...., S.A., J....., S.A. e V....., S.A., mediante destaque dos patrimónios que nestas estavam afectos à actividade de transporte de passageiros, para as incorporar na A.... (sociedade que detinha já a MEEC em 100%).
R. Por força da relação de participação de 100% entre estas sociedades e a A.... a reestruturação operada não implicou, rigorosamente, qualquer alteração no património desta, nem por força da operação esta registou um aumento do seu capital social, emitiu acções ou se envolveu em troca de participações.
S. Do ponto de vista jus-societário, esta operação de cisão-fusão realizou-se ao abrigo da al. c) do n.° 1 do art.° 118º, e dos artºs 104.° e 120.°, todos do CSC; já no domínio fiscal ela foi enquadrada no regime especial de neutralidade fiscal previsto nos art.ºs 67.° e seguintes do Código do IRC, com observância das condições legais de que depende a sua aplicação: (i) os elementos patrimoniais, activos e passivos, objecto de destaque e de transmissão por cisão-fusão foram inscritos nas contabilidades das sociedades incorporantes (beneficiárias) com os mesmos valores que tinham nas sociedades cindidas; (ii) estes valores eram os que resultavam da aplicação das disposições do aludido Código.
T. Ora, ao contrário do que resulta do erróneo entendimento da Administração fiscal e do Tribunal a quo, a operação de cisão-fusão, nos termos em que foi concretizada, observou integralmente os requisitos que o CSC — primeiro — e o Código do IRC — em seu decalque — impõem.
U. O Código do IRC permite a operação pela qual uma sociedade vê destacada parte do seu património que depois é fundida ou incorporada numa outra sociedade — operação que se denomina de cisão-fusão. Permite também que essa cisão-fusão opere quando a sociedade incorporante já detinha 100% das partes representativas do capital da sociedade cindida — e permite porque, aceitando de forma aberta a cisão-fusão, não excepciona esta hipótese concreta, nem se descortina por que motivo o haveria de fazer.
V. Sucede que nesta circunstância específica, a cisão-fusão é, verdadeiramente, uma incorporação de uma parte do património da sociedade cindida, pelo que tem que respeitar as regras da incorporação de sociedade detida a 100%, que incluem, designadamente, a impossibilidade de emissão de novas acções.
W. O art.° 67.° do Código do IRC mais não faz do que reproduzir os tipos previstos no CSC, exigindo, no fundo, como condição da aplicabilidade do regime da neutralidade, que estejamos em presença de operações válidas na perspectiva da lei societária — e também, neste plano, não há qualquer obstáculo a que o dito regime seja aplicado à operação sub judice, uma vez que ela, à face do CSC, é indubitavelmente válida.
X. A definição das hipóteses de fusão e de cisão constante do art.° 67.° do Código do IRC é perfeitamente perifrástica relativamente às hipóteses constantes do CSC, não existe um só indício, por pequeno que seja, de que o legislador fiscal se tenha querido afastar da disciplina jus-societária neste domínio específico. O que é o mesmo que dizer, que também nos art.s 67.° e seguintes se prevê a cisão parcial-fusão, podendo a mesma ser protagonizada entre sociedades com uma relação de participação de 100%, sem que, naturalmente, haja lugar a qualquer troca de participações por a mesma estar vedada.
Y. De qualquer forma, a atribuição de acções ao sócio da sociedade cindida, não pode ser considerada como um verdadeiro requisito da aplicação do regime de neutralidade fiscal, como pretende a Administração fiscal — a não verificação de tal requisito em nada influi no objectivo de diferimento da tributação que constitui um dos vértices fundamentais da estrutura do regime de neutralidade fiscal; e, no caso concreto, o requisito é, muito pelo contrário, o de que não ocorra emissão de acções.
Z. E, em bom rigor, a verdade é que os pressupostos e os fins da neutralidade fiscal consignados nos art.ºs 67.° e seguintes do Código do...
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