Acórdão nº 2807/21.6T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-09-2024

Data de Julgamento19 Setembro 2024
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2807/21.6T8PTM.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Autores: AA

BB

Réus: CC

DD


*



I - Relatório

Os Autores vieram intentar contra os Réus a presente ação, com processo comum, pretendendo que estes sejam condenados:

a) na demolição o muro, construído em toda a extensão nascente do seu prédio, que confronta com os AA.

b) abstendo-se de, por qualquer modo, impedir o direito de servidão de vistas e de maior insolação e luminosidade do prédio dos AA., obstruindo a função das janelas e do terraço destes.

c) A pagar à A mulher a quantia indemnizatória a título de danos patrimoniais de €80 (oitenta euros).

d) A pagar a quantia indemnizatória a título de danos morais de €8 000 (oito mil euros) à A. mulher e ao A. marido a quantia de €5 000 (cinco mil euros).

Para tanto, invocam que a implantação pelos Réus de uma vedação no limite da propriedade destes, em chapa metálica, retira a luz do sol à sua residência e causa-lhes sentimento de clausura, não só pela visão da chapa, mas também por a sua casa se tornar mais sombria, o que lhes causa danos.

Os Réus contestaram, alegando que a implantação da vedação se tornou necessária devido à conduta dos demandantes, os quais, por diversas vezes, persistiram em praticar atos invasores da sua privacidade, espreitando para a sua propriedade, bem como seguindo os Autores e, especialmente, o filho destes, criando um clima de perseguição que fez com que o menor tivesse inclusivamente de ser sujeito a acompanhamento médico.

Invocando que a construção da vedação não viola o disposto no Código Civil e é motivada pelo desejo de proteger a sua privacidade face à devassa da mesma pelos demandantes, concluíram pela improcedência da ação.

Foi proferida sentença nos seguintes termos:

(…) o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena os réus a alterar a sua vedação nos seguintes termos:

- Até 1,80m contados do chão, a vedação pode manter-se como está;

- Acima de 1,80m contados do chão, a vedação tem de ser substituída por outra, de material translúcido, que permita a passagem de luz, mas não deixe que se veja para o interior da sua propriedade.

Absolve-se os RR. do demais peticionado contra os mesmos.

Interposto recurso de apelação pelos Autores, o Tribunal da Relação proferiu acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, tendo revogado a decisão recorrida no segmento em que estipula a contagem de 1,80 da vedação a partir do chão e naquele que determina a substituição da vedação acima de 1,80m por outra de material translúcido, condenando os RR a conformar a vedação existente até 1,80m contados da cota do passeio e a retirar a vedação que excede 1,80m que não seja sebe viva, grade ou arame até 2,5m. Mantendo-se, no mais, o decidido em 1.ª Instância.

Desta decisão interpuseram os Réus recurso de revista, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1. O regulamento municipal de urbanização, edificação, taxas e compensações urbanísticas do município de lagos, é NULO, por via do decreto-lei n.º 10/2024 de 8 de Janeiro, conhecido por Simplex do urbanismo, que estabelece no seu artigo 20º “SÃO NULOS os regulamentos administrativos vigentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei que contrariem o disposto no n.º 10 do artigo 20.º do RJUE, na redação dada pelo presente decreto-lei”; e em especial a decorrente da nova alteração ao artigo 3 do regime jurídico da urbanização e da edificação, que no seu numero 6 determina, introduzido pelo artigo 3 do referido Simplex urbanístico que “OS REGULAMENTOS referidos no n.º 2, na parte em que disponham sobre outras matérias não identificadas naquele número, SÃO NULOS, nulidade de aplicação imediata aos processo pendentes.

2. Assim, não será de aplicar o estabelecido no referido regulamento municipal.

3. Mesmo que assim não se entendesse, não existe no caso em concreto decisão administrativa que ordene os recorrentes a cumprir o regulamento municipal, estando o processo suspenso até decisão final que compete à Câmara Municipal.

4. Encontra-se pendente processo administrativo relativo ao muro de separação e colocação de chapas no mesmo, que corre termos sob o numero 127/2020, a correr na Unidade Técnica de Obras Particulares, concedendo a lei administrativa aos AA, como reclamantes, os mecanismos administrativos próprios para reagir, designadamente através da ação administrativa para obter a condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66.º a 71.º do CPTA, ou caso o entenda, intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

5. Não podem é obter pela via cível o que não obtém pela via administrativa, competente para tal, pois a Câmara Municipal é a entidade legalmente competente para o fazer dada a autonomia dos municípios, estabelecida na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos artigos 238.°, 241.° e 242.°, referindo-se ao facto de os municípios terem poderes regulamentares próprios, estando apenas sob uma tutela administrativa, exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei, que os sujeita à verificação do cumprimento da lei.

6. O regulamento administrativo é uma norma jurídica, de natureza secundária, de carácter geral e de execução permanente dimanada de uma autoridade administrativa sobre matéria própria da sua competência, nos termos da lei. Os tribunais cíveis são incompetentes para decidir de decisões da Câmara Municipal ou sobre a ausência dela, até porque poderá ocorrer que haja decisões contraditórias sobre o mesmo assunto. Uma administrativa e outra cível. A matéria relativa ao regulamento municipal é matéria administrativa, da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por estar em causa matéria exclusivamente urbanística previstas em leis administrativas ou regulamentos de matéria urbanística.

7. Não cabe aos tribunais civis substituírem-se à administração pública local, nas suas competências e aos tribunais administrativos e fiscais na sua aplicação, em especial no que diz respeito a regulamentos municipais.

Uma decisão, nos termos em que foi feita, poderá colidir futuramente com uma decisão da Câmara Municipal de ..., ou do tribunal administrativo e fiscal implicando uma situação ou efeito contraditório ou incompatível com aquele que ficou definido na decisão transitada. Dai a competência dos tribunais estar perfeitamente delimitada de modo a evitar decisões concretamente incompatíveis, isto é, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.

8. Os tribunais cíveis não devem decidir de questões administrativas, a fim de obstar que haja decisões contraditórias (condenação e absolvição), mas também nos próprios termos das condenações, entre tribunais cíveis e administrativos.

9. Quanto ao muro e colocação das chapas, foram estas executadas no exercício de um direito (artigos 1344.º e 1356.º do Código Civil) e dentro dos limites que a lei civil determina (1360º Código Civil) e de modo a proteger os direitos fundamentais de personalidade dos réus – direito à reserva da vida privada e familiar, direito à integridade física e moral, direito à saúde e a um ambiente de vida sadio e equilibrado, consagrados nos artigos 25.º, 64.º, n.º 1 e 66.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, que prevalecem sobre direitos urbanísticos contidos em regulamentos municipais, que agora se consideram nulos.

10. Deverão sempre prevalecer as normas de regulam os direitos liberdades e garantias, sobre normas urbanísticas contidas em regulamentos municipais.

11. Dando prevalência ao direito dos réus e do filho destes à saúde, e reserva da intimidade da vida privada, enquanto emanação dos direitos fundamentais de personalidade, sobre os interesses meramente urbanísticos, ou de alegados direitos a “vistas “ou Insolação dos AA, estes últimos legalmente inexistentes.

12. Foi a violação por parte dos AA dos direitos fundamentais de personalidade dos RR - direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, direito à integridade física e moral, à proteção à saúde e a um ambiente de vida humana sadio e equilibrado, (ver matéria dada por provada em 9, 29 30, 35 a 47, 50 e 52), que os levou a levantar as chapas brancas no seu muro (resposta à matéria provada sob o nº 50) única forma de parar com a devassa.

13. Pelo que, havendo colisão de direitos, prevaleceriam sempre os direitos da personalidade dos RR. Neste contexto e sob pena de preclusão da efetividade da tutela dos direitos de personalidade dos réus, impõe-se, afirmar a essencialidade de permitir a colocação das chapas no muro dos RR, como forma adequada e proporcional de assegurar aos RR o direito ao descanso, à reserva da vida privada, de tranquilidade no interior do seu domicílio e saúde dos RR e do seu filho e desse modo, minimizar a afetação da saúde e integridade física e psicológica dos RR e do filho destes.

14. Por esta razão, bem foi a decisão do Mtº Juiz de primeira instância, com a qual se concorda.

15. Foram violados os artigos Artigos 1344º, 1356º e 1360º Código Civil; artigos 3º, nº 6 do regime jurídico da urbanização e da edificação, com a redação introduzida pelo nº 3 do Decreto-Lei n.º 10/2024 de 8 de janeiro, e artigo 20 do mesmo diploma legal; arts. 25º, 64º, nº 1 e 66º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, artº. 615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, artigos 66.º a 71.º do CPTA, e artigo 4º do ETAF.

Os Autores responderam, defendendo a manutenção do acórdão recorrido com fixação de uma indemnização a seu favor.


*


II - Objeto do recurso

Tendo em atenção as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo do acórdão recorrido, são as seguintes as questões que integram o objeto do presente recurso

- o artigo 6.º do Regulamento Municipal de Urbanização, Edificação, Taxas e Compensações Urbanísticas do Município de ... é nulo;

- os Autores não têm o direito de reagirem contra a violação do disposto naquele artigo nos tribunais judiciais cíveis.

- existindo uma situação de colisão de...

Para continuar a ler

Comece Gratuitamente

Desbloqueie o acesso total com um teste gratuito de 7 dias

Transforme a sua pesquisa jurídica com a vLex

  • Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law numa única plataforma

  • Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos

  • Funcionalidades de pesquisa avançada com opções precisas de filtragem e ordenação

  • Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições

  • Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo

  • Aceda a pesquisas potenciadas por IA com o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

vLex

Desbloqueie o acesso total com um teste gratuito de 7 dias

Transforme a sua pesquisa jurídica com a vLex

  • Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law numa única plataforma

  • Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos

  • Funcionalidades de pesquisa avançada com opções precisas de filtragem e ordenação

  • Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições

  • Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo

  • Aceda a pesquisas potenciadas por IA com o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

vLex

Desbloqueie o acesso total com um teste gratuito de 7 dias

Transforme a sua pesquisa jurídica com a vLex

  • Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law numa única plataforma

  • Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos

  • Funcionalidades de pesquisa avançada com opções precisas de filtragem e ordenação

  • Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições

  • Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo

  • Aceda a pesquisas potenciadas por IA com o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

vLex

Desbloqueie o acesso total com um teste gratuito de 7 dias

Transforme a sua pesquisa jurídica com a vLex

  • Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law numa única plataforma

  • Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos

  • Funcionalidades de pesquisa avançada com opções precisas de filtragem e ordenação

  • Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições

  • Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo

  • Aceda a pesquisas potenciadas por IA com o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

vLex

Desbloqueie o acesso total com um teste gratuito de 7 dias

Transforme a sua pesquisa jurídica com a vLex

  • Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law numa única plataforma

  • Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos

  • Funcionalidades de pesquisa avançada com opções precisas de filtragem e ordenação

  • Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições

  • Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo

  • Aceda a pesquisas potenciadas por IA com o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

vLex

Desbloqueie o acesso total com um teste gratuito de 7 dias

Transforme a sua pesquisa jurídica com a vLex

  • Acesso completo à maior coleção de jurisprudência de common law numa única plataforma

  • Gere resumos de casos com IA que destacam instantaneamente os principais pontos jurídicos

  • Funcionalidades de pesquisa avançada com opções precisas de filtragem e ordenação

  • Conteúdo jurídico abrangente com documentos de mais de 100 jurisdições

  • Confiado por 2 milhões de profissionais, incluindo os principais escritórios de advocacia do mundo

  • Aceda a pesquisas potenciadas por IA com o Vincent AI: consultas em linguagem natural com citações verificadas

vLex

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT