Acórdão nº 2801/15.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07-07-2021

Data de Julgamento07 Julho 2021
Número Acordão2801/15.6BELSB
Ano2021
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

J…, melhor identificado nos autos, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa contra o Estado Português, pedindo a condenando-se deste pagar ao autor, “a título de indemnização pelos danos causados:
1. A título de danos patrimoniais a liquidar em sede de execução de sentença;
2. A título de danos morais a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
3. Juros a taxa legal de 4% sobre os danos patrimoniais e morais desde a data de
citação da R.”
Por sentença, datada de 06.12.2018, o Tribunal a quo julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou “o Réu a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 1.200,00 €, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa anual de 4 %, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento”, absolvendo o Réu do demais peticionado.
Inconformado, veio o Autor, a 08.02.2019, interpor recurso da mesma.
*
O Recorrente concluiu assim as suas alegações de recurso:
1. A douta sentença deveria ter considerado o seguinte facto provado, que seria o 95, renumerando-se o seguinte: “95) O atraso no processo de partilha contribuiu e agravou o sentimento de vergonha e tristeza do A, bem como os seus problemas de depressão e alcoolismo”.
2. Com a ponderação do novo facto provado que se requer, deveria a douta sentença considerar que o dano moral sofrido excedia o mero incómodo – o dano comum referido na douta sentença – mas que foi um dano relevante, com elevado sofrimento e efeitos duradouros.
3. O atraso de 8 meses na apresentação da relação de bens, que a douta sentença reconhece, deverá ser imputável ao Tribunal, que permitiu a tática dilatória do cabeça de casal.
4. O Rte só recebeu a sua herança, no âmbito do mesmo processo, em junho de 2017, pelo que teremos de acrescentar mais 18 meses ao período de atraso reconhecido pela douta sentença.
5. Com a alteração à matéria de facto ora requerida, atendendo a que o dano, sofrido foi especialmente marcante e duradouro e considerando que o prazo de atraso injustificado do processo será de 37 meses, será perfeitamente adequado e justo o valor peticionado de danos morais de 20.000,00 euros, devendo o Rdo ser condenado a pagar tal valor ao Rte.
6. Sem conceder, se não for decidido alterar a matéria de facto provada e, portanto, se continue a considerar que os danos sofridos pelo Rte não excedem o mero dano comum, contabilizando corretamente o atraso verificado, para os 37 meses, o valor da compensação ao Rte não deverá ser inferior a 4.500,00 euros.
*
O Recorrido Estado Português contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1- Nos termos do artº 5º do CPC, é ao A. que cumpre alegar os factos essenciais que constituem a sua causa de pedir.
2. Numa ação de responsabilidade civil os danos e a sua individualização são elementos essenciais, constituem a causa de pedir, pelo que têm, necessariamente, que ser invocados pelo Autor que, ao fazê-lo, delimita objetivamente a ação, sendo só sobre os danos concretamente alegados que é exercido o contraditório do R..
3. O tribunal pode proceder a uma qualificação jurídica distinta da alegada pelas partes, mas apenas dentro da factualidade alegada – e provada – pelo A. (artº 5º/3 do CPC), para além desta o juiz pode apenas conhecer de factos instrumentais ou daqueles que sejam complemento ou concretização do alegado pelas partes e resultem da instrução (artº 5º/2 do CPC).
4. Porque a depressão e o alcoolismo nunca foram alegados pelo A. na petição inicial - na qual apenas invocou como danos não patrimoniais decorrentes da demora na tramitação do processo judicial “tristeza”, “angústia”, “revolta”, “vergonha” e “dignidade rebaixada” -, não podia o tribunal dar como provada a sua existência nem qualquer relação com o facto ilícito imputado ao R. – demora na tramitação de processo judicial.
5. Os supostos problemas de depressão e alcoolismo do Autor, que este pretende que sejam aditados ao probatório e relacionados com a demora na tramitação do processo judicial, são factos novos, danos novos, nunca antes invocados; são factos essenciais e não meramente instrumentais ou concretizadores dos alegados.
6. Sendo factos novos e essenciais, não poderia o tribunal de 1ª instância deles conhecer e, pelas mesmas razões, não pode o tribunal de recurso fazê-lo, sob pena de extravasar os poderes de cognição do tribunal e violar o princípio do ónus de alegação das partes, previstos no artº5º do CPC.
7. A matéria de facto foi, por isso, corretamente fixada e o facto descrito pelo recorrente não pode ser aditado ao probatório – artº 5º do CPC.
8. Não podendo ser aditada a matéria de facto, andou bem a sentença recorrida ao considerar que a angústia e ansiedade sofridas pelo A. não têm uma gravidade acrescida, antes correspondem aos sentimentos que qualquer pessoa, com processos em tribunal e cujo desfecho se protela no tempo, experiencia, não excedendo o dano comum.
9. Tal como decidido, existiu apenas um período total de 11 meses de atraso injustificado na tramitação do processo de inventário e nada mais pode ser aceite.
10. Os 8 meses que mediaram desde a propositura da ação até à apresentação da relação de bens são, unicamente, imputáveis às partes, uma vez que, como resulta dos pontos 1) a 13) do probatório: o processo foi concluso em tempo pela secção de processos; os despachos foram proferidos na data da conclusão; a diligência de compromisso de cabeça de casal foi marcada para o mês seguinte; e foi o cabeça de casal quem apresentou pedidos de prorrogação de prazo.
11. Uma vez que o pedido formulado pelo Autor, que não foi alterado ou ampliado, se reportou ao atraso na tramitação do processo de inventário até à data da propositura da presente ação – 18/12/2015 –, os factos ocorridos posteriormente não podem ser tidos em conta, pois são o pedido e causa de pedir, tal como definidos pelas partes, que delimitam o objeto da ação – artº 5º do CPC.
12. Tendo em conta a matéria provada, estamos perante um dano comum – ansiedade e angústia – e um período temporal de 11 meses de atraso na tramitação do processo judicial, pelo que a atribuição, pela sentença recorrida, de uma indemnização por danos não patrimoniais fixada em 1.200,00€ é totalmente adequada e conforme à jurisprudência nacional e do TEDH.
13. A sentença recorrida, fez uma correta apreciação da matéria de facto e interpretação e aplicação do direito, não tendo violado quaisquer normas.
*
O processo colheu os vistos legais.
*
II – OBJECTO DO RECURSO

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 e 2 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, passam por determinar se a decisão recorrida, padece de:
- erro de julgamento de facto;
- erro de julgamento de direito na análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
De Facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) Em 18/02/2011, o ora Autor apresentou junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, requerimento de abertura de inventário facultativo para partilha da herança aberta por óbito do seu pai J…, solicitando a tomada de declarações à cabeça-de-casal M…, viúva do inventariado, tendo o processo de inventário sido autuado sob o nº 219/…. – cfr. fls. 3-17 da certidão junta aos autos com a contestação;
2) Aberta conclusão em 21/02/2011, na mesma data foi proferido despacho a nomear a interessada M… para o exercício do cargo de cabeça-de-casal e a designar o dia 31/03/2011 para compromisso de honra e declarações de cabeça-de-casal – cfr. fls. 18 da certidão junta aos autos;
3) Em 31/03/2011, realizou-se a diligência identificada no ponto anterior, na qual a cabeça-de-casal solicitou um prazo não inferior a 30 dias para apresentação da relação de bens, o que foi deferido, tendo sido proferido, na mesma data, despacho a conceder o prazo de 30 dias para apresentação da relação de bens – cfr. fls. 22 e 23 da certidão;
4) Em 29/04/2011, a cabeça-de-casal requereu a prorrogação do prazo para apresentação da relação de bens, por um período não inferior a 30 dias, com fundamento na “dificuldade de apuramento dos bens a relacionar, os quais são constituídos por dois bens imóveis, vários bens móveis, designadamente, o passivo e, bem assim, pela dificuldade em obter a respectiva documentação integral junto das instituições financiadoras.” – cfr. fls. 24-26 da certidão junta aos autos;
5) Aberta conclusão em 03/05/2011, foi proferido, na mesma data, o seguinte despacho: “Concedo à cabeça de casal o prazo suplementar de 30 dias para apresentação da relação de bens. Notifique-se” – cfr. fls. 27 da certidão junta aos autos;
6) Conclusos os autos em 09/06/2011, foi proferido, na mesma data, o seguinte despacho: “Esgotado que está o prazo suplementar de 30 dias, concedido à cabeça-de-casal que esta apresentasse a relação de bens, e nada tendo vindo aos autos, notifique-a para apresentar a relação de imediato, ou para dizer por que motivo não o fez ainda.” – cfr. fls. 28 da certidão junta aos autos;
7) Em 14/06/2011, a cabeça-de-casal, invocando a circunstância de não ter sido ainda possível “coligir toda a documentação necessária à instrução da relação de bens, incluindo a identificação, com os valor exactos, do passivo existente e emergente de contratos celebrados com diversas instituições financeiras”, requereu a apresentação da relação de bens num prazo não inferior a 20 dias – cfr. fls. 29-31 da certidão junta aos autos;
8) Aberta conclusão em 16/06/2011, foi proferido, na mesma data, o seguinte despacho: “Pelas razões invocadas pela cabeça de casal a folhas 27,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT