Acórdão nº 279/14.0PATVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-09-2017

Data de Julgamento06 Setembro 2017
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão279/14.0PATVR.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. O Ministério Público acusou, em processo comum, para julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido: AA, [...], imputando-lhe a prática, em concurso efectivo e como reincidente, de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 210.º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, als. e) e f), todos do C. Penal, de um crime de violação, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 164.º, n.º 1, al. a), ambos do C. Penal, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, do C. Penal, e 21.º, n.º 1 e 4, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela IV, anexa ao referido DL, e de um crime de coacção, p. e p. pelos artigos 75.º, n.º 1, 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), todos do C. Penal.

O Centro Hospitalar do Algarve, EPE, deduziu pedido de indemnização cível, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 622 a 623, pedindo a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de € 389,86, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a notificação do mesmo para contestar, respeitante a tratamentos prestados a BB em consequência dos factos em causa nos presentes autos.

Após realização de audiência de julgamento – onde se comunicou uma alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica – foi proferida decisão – cfr. fls. 776 a 825 – em que foi decidido (sic): “a) Absolver o arguido AA da prática de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154.º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado; b) Absolver o arguido AA da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. 21.º, n.º 1 e 4, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, sem prejuízo da imputação infra; c) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, alínea b), do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, na pena de seis meses de prisão; d) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204.º, n.º 2, als. e) e f), todos do C. Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; f) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, al. a), ambos do C. Penal, na pena de seis anos de prisão; g) Procedendo ao cúmulo jurídico das aludidas penas - c), d) e e) - condenar o arguido AA na pena conjunta de dez anos de prisão;
h) Julgar procedente o pedido de indemnização cível formulado pelo Centro Hospitalar do Algarve, EPE e, em consequência, condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de trezentos e oitenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos acrescida de juros de mora desde a notificação dos arguidos para contestar o pedido até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor.”

Discrepando do julgado, recorre o arguido – cfr. fls. 845 a 848 –, tendo dessumido a fundamentação no sequente epítome conclusivo:

I.a). – Síntese Conclusiva.

1 – Foi o arguido AA condenado numa pena de dez de prisão.

2 – Entende-se que a pena fixada é manifestamente excessiva.

3 – Não reclama o recorrente que a medida concreta da pena desça até ao limite mínimo, mas suplica por uma pena inferior.

4 – Tomando em consideração todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, entende-se com todo o respeito pelo Tribunal a quo, e que é muito, que a douta decisão encontra-se em desconformidade com o disposto no artigo 71º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal.

5 – Caso o Tribunal ad quem aceitar a súplica do recorrente, e a pena fixada não seja superior a oito anos de prisão.

(…) deve conceder-se provimento ao presente recurso, substituindo-se o douto Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal Colectivo por outra decisão em que condene o arguido numa pena de prisão não superior a 8 (oito) anos de prisão.”

Contramina a pretensão do recorrente, o Ministério Público junto da comarca, concluindo (sic):

1 – Por Acórdão de 29/03/2017, proferido a fls. 776 a 820 dos autos à margem supra referenciados, foi decidido pelo Tribunal Colectivo condenar o arguido ora recorrente AA, em cúmulo jurídico das três penas parcelares de prisão em que foi condenado no presente processo, na pena conjunta de 10 anos de prisão.

2 – Na determinação daquela pena o Tribunal Colectivo valorou correctamente e no seu conjunto os factos e a personalidade do agente.

3 – Nomeadamente, o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, a elevada intensidade do dolo, a sua presente situação pessoal, familiar e económica, bem como a circunstância de não ter manifestado qualquer arrependimento.

4 – Bem como o facto do arguido ora recorrente já ter antecedentes criminais, tendo ainda praticado os factos em apreço neste processo meses depois de uma outra condenação.

5 – Sendo assim elevado o juízo de censura a formular relativamente à conduta do arguido, sendo ainda prementes quer as exigências de prevenção geral, quer as necessidades de marcar um percurso ressocializante para o arguido.

6 – Pelo que, o douto Acórdão objecto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez das circunstâncias relevantes para a determinação da medida da pena conjunta de 10 anos de prisão efectiva que aplicou ao ora recorrente.

(…) deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.

Neste Supremo Tribunal, a distinta Magistrada do Ministério Público, é de parecer – cfr. fls. 866 a 868 – que (sic): “O arguido AA, nascido em ..., recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão proferido e depositado em 29.03.2017, no J6 Juízo Central Criminal e da comarca de Faro que o condenou por autoria de 1 crime de roubo qualificado, um crime de violação e um crime de tráfico de estupefacientes, na pena única de 10 anos de prisão.

O arguido AA na 1ª instância foi condenado nas penas de:

- 5 anos e 6 meses de prisão por um crime de roubo qualificado dos arts. 210º nºs 1 e 2 b), 204º nº 2 f) e e) do CP;

- 6 anos de prisão, por cada um crime de violação do art. 164º nº 1, al. a) do CP,

- 6 meses de prisão por autoria de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 25.º, al. b) do Dec.- Lei 15/93;

Em cúmulo foi condenado na pena única de 10 anos de prisão.

O arguido/recorrente suscita/impugna nas conclusões da sua motivação que delimitam o conhecimento do recurso, a medida da penas única de prisão “suplicando” por uma pena inferior, depois de serem considerados todas as circunstâncias a seu favor como o bom comportamento anterior ou posterior e em conformidade com o art. 71.º n.º 1 e 2 da CP a pena única fixada não ser superior a 8 anos de prisão.

O Magistrado do Ministério Público, respondeu defendendo a confirmação do acórdão recorrido por dever ser negado provimento ao recurso por ser elevado o grau de censura relativa à conduta do arguido.

Medida da Pena única:

O arguido AA apenas invoca o disposto no art. 71º nº 1 e 2 do CP, embora em concreto só impugne a pena única aplicada, resultante do concurso dos crimes – 10 anos de prisão.

A questão da correcta medida da pena tem a ver com a problemática dos fins das penas, muito debatida na doutrina, sendo que para a fixação da pena do concurso depende da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 77º, pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como um critério especial.

A pena única, tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da medida da pena do concurso (As Consequências Jurídicas do Crime. Figueiredo Dias, fls. 420).

A sua fixação, tal como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, cit. pág. 290, 292)

“A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação) deve ser fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente levando na devida consideração as exigências de prevenção geral e os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre factos em concurso.

“Na consideração da personalidade (da personalidade. dir-se-ia, estrutural, que se manifesta, e tal como se manifesta, na totalidade dos factos) devem ver avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente (Ac. STJ de 19.04.06, p. 476/06.3ª sec.)”.

Assim sendo poder-se-á questionar se a pena única de 10 anos de prisão aplicada pelo acórdão/recorrido terá sido encontrada depois de ponderada a gravidade do ilícito global resultante do conjunto dos factos e se entre os factos concorrentes houve conexão (Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime).

Parece-nos que as medidas do ilícito global tiveram um grau de intensidade elevada, devido à dimensão e modo de actuar sem que se possa considerar haver uma situação de pluriocasionalidade, quando o roubo, a violação e as substâncias de droga que obrigou a vítima a tomar, não se conjugam nem se enquadram.

Na determinação da pena única dever-se-á atender a este tipo de crimes roubo, violação e tráfico, conjugado com o tipo de...

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