Acórdão nº 2775/19.4T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-11-2023
Data de Julgamento | 16 Novembro 2023 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA E ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2775/19.4T8FNC.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Relatório
A Caixa Geral de Depósitos, S.A. intentou ação declarativa condenatória de condenação contra AA e BB peticionando a condenação dos Réus a reconhecê-la como legítima proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 627/19, da freguesia de ..., a restituir-lhe o imóvel livre de pessoas e bens e a pagar-lhe a quantia de € 1.100,00 mensais a título de indemnização pela ocupação indevida que vêm fazendo do imóvel.
Para tanto, alegou ter adquirido o imóvel, através de adjudicação em venda executiva, em janeiro de 2001. Mais alega que os RR. ocupam, contra a sua vontade e sem qualquer causa justificativa, o referido prédio e que, não obstante instados a entregá-lo, não o fizeram até aos dias de hoje.
Conclui, assim, pela ilegítima ocupação, por parte dos RR., do prédio de sua propriedade, pretendendo a sua restituição, livre de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes da ocupação e a compensação pelo uso indevido que dele vem sendo feito pelos mesmos.
Regularmente citados para contestar, os RR. impugnaram a alegação factual apresentada pela Ré, alegando ter adquirido o imóvel, por compra, ao seu titular registado em 1993 (CC e DD), ali vivendo, de forma pública, pacífica e contínua, desde dezembro desse ano, nele tendo estabelecido a casa da família e nele tendo efetuado obras de conservação e melhoramento.
Peticionam, assim, os RR. que se reconheça a sua posse do imóvel e, bem assim, que são os seus legítimos proprietários, pugnando pela improcedência da ação.
Subsidiariamente, peticionam ainda os RR. que se reconheça a sua propriedade através de aquisição originária, face ao lapso temporal em que vêm exercendo posse pública e pacífica, na íntima convicção de serem os verdadeiros proprietários do imóvel.
Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou não ser “a declaração de nulidade da compra a favor dos aqui Réus, incidente sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 627/19, da freguesia de ... se lhes revela inoponível, mantendo-se o seu direito de propriedade intocado e, em consequência, julga-se a ação improcedente, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si deduzidos”.
Inconformada a autora interpôs recurso de Apelação que veio a ser julgada improcedente e confirmou a sentença nos seus precisos termos e fundamentos.
Interposta revista excecional pela autora veio a mesma a ser admitida.
A autora conclui que:
“ 1. O presente recurso é de revista, tendo em consideração que o mesmo se centra na ofensa do caso julgado e que, portanto, se trata situação em que o recurso é sempre admissível (artigos 629º nº2 alínea a) e 671º nº 3 ambos do CPC; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pro- ferido no processo nº 3811/13.TBPRD.P1.S1, datado de 17.05.2018, cujo Relator foi Rosa Tching, e que se encontra disponível em www.dgsi.pt).
2. Ainda que assim não se entendesse, com o devido respeito, o presente recurso seria de revista excecional, o que subsidiariamente e apenas para o caso da revista acima referida não ser admitida, se invoca, com fundamento na alínea a) do nº1 artigo 672º do CPC.
3. Sendo o princípio do caso julgado um princípio basilar do Estado de Direito, e centrando-se, quer o recurso interposto do tribunal de 1ª instância, quer o presente recurso, na sua ofensa, o requisito da relevância jurídica da questão mostra-se preenchido. Neste sentido tem entendido não só a jurisprudência, mas também a doutrina.
4. Tendo-se verificado no caso dos autos, a ofensa do caso julgado material, em virtude de errada aplicação do Direito, quer pelo tribunal de 1ª Instância, quer pelo tribunal da Relação no Acórdão ora recorrido, não se encontrando preenchidos os requisitos no caso dos autos dos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC.
5. A Sentença do tribunal de 1ª Instância é contrária a decisão judicial anterior transitada em julgado, datada de 8 de novembro de 1993, que é oponível aos aqui Recorridos, na medida em que, aquando da compra do imóvel dos autos pelos Recorridos em 22.12.1993, o registo publicitava a situação do imóvel: este encontrava-se não só onerado com duas hipotecas a favor da Recorrente, mas também penhorado pelo Banco Totta e Açores.
6. Verifica-se, no caso dos autos, a projeção reflexa do caso julgado formado por tal decisão de anulação da venda de 8 de Novembro de 1993, pois a relação coberta por esta (a aquisição a favor do Banco Totta & Açores) entrou na formação de outras relações: as posteriores transmissões de propriedade em relação ao imóvel dos autos que se viram afetadas pela referida decisão, nos termos já indicados, isto é, com o cancelamento dos respetivos registos de aquisição e com o prosseguimento dos termos da execução para nova venda.
7. É assim necessária a intervenção do Supremo Tribunas de Justiça nesta questão de particular relevância jurídica – ofensa do caso julgado – para melhor aplicação do Direito, não se verificado in casu exceção a este princípio.
8. Ao contrário do decidido pelo Acórdão Recorrido, não se verifica a exceção ao caso julgado material, não se mostrando preenchidos, no caso concreto, os requisitos dos nºs 1 e 3 do artigo 291º do CC.
9. Contrariamente ao decidido no Acórdão ora Recorrido, a Sentença da 1ª instância ofende efetivamente o caso julgado material.
10. O imóvel em causa foi adquirido, pela ora Recorrente, em venda judicial e foi registado a seu favor pela AP. 11 de 2001/05/04, conforme também foi dado como provado na sentença da 1ª instância, mais concretamente no facto T. dos factos provados.
11. Assim como também consta do facto referido em W. dos factos provados que o prédio referido em A. (prédio ora em questão) encontra-se ocupado pelos Réus, ora Recorridos.
12. Consta do facto referido em E. dos factos provados que “Sob o prédio referido em A. foi registada, pela Apresentação 17/8...21, penhora a favor de "Banco Totta & Açores, S.A.";
13. No facto L. dos factos provados é referido que “Nos autos de execução ordinária sob o número 33/86, movidos pelo “Banco Totta & Açores, S.A.”, contra EE e FF a "Caixa Geral de Depósitos, S.A." apresentou, a 22 de dezembro de 1992, requerimento em que peticionava a anulação da venda executiva referida em F.;”
14. No facto referido em M. dos factos provados consta que “Por decisão proferida a 08 de novembro de 1993, foi ordenada a anulação da venda em hasta pública realizada em 29 de maio de 1989, a favor do Exequente “Banco Totta & Açores, S.A.” e de todos os termos do processo subsequentes e que dela dependam diretamente;”
15. Esta decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 23 de outubro de 1997 (cfr. facto referido em O. dos factos provados).
16. Nessa sequência consta dos factos P., Q. e R. dos factos provados que foram cancelados todos os registos de aquisição subsequentes à referida venda em hasta pública, incluindo o de aquisição a favor de AA e BB, que foi cancelado pela Apresentação 24/9...512;” (sublinhado e bold nossos)
17. E em S. dos factos provados é referido que “Na sequência do decidido em J. foi publicado anúncio da venda do imóvel identificado em A. em 28 de novembro de 2000;”
18. O que conduziu ao facto já supra referido e que consta do facto T. dos factos provados, isto é, que “Pela Apresentação 11 de 2001/05/04, o imóvel referido em A. foi registado a favor da "Caixa Geral de Depósitos, S.A.", por adjudicação em execução;”
19. A decisão ora em apreço e da qual ora se recorre, vem pôr indevidamente em crise a decisão referida em M. dos factos provados e há muito transitada em julgado e ofende o caso julgado material formado por esta Sentença.
20. O Supremo Tribunal de Justiça manteve a decisão de anulação por considerar que os recorrentes, CC e DD e os ora recorridos, não possuíam legitimidade para recorrer em virtude de não serem partes na causa.
21. Refere a este propósito o Acórdão ora recorrido que é por essa razão que aquela decisão de anulação não é oponível aos ora Recorridos, sendo os mesmos terceiros para efeitos do artigo 291º do CC.
22. A decisão do Supremo Tribunal de Justiça ao referir que os Recorridos não eram partes processuais, no sentido de que não haviam sido partes no âmbito da execução no âmbito da qual se verificou a anulação da venda e da qual resultou a sua posterior aquisição e por isso não tinham legitimidade processual para interpor recurso da mesma, não significa, que sejam, por tal razão, terceiros para efeitos do nº1 do artigo 291º do CC.
23. A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado, os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do CPC (artigo 619 nº 1 do CPC).
24. O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objeto do litígio.
25. Não sendo fundamento para obstar a esta verificação de caso julgado e, principalmente à respetiva autoridade e consequências, a circunstância de os ora Recorridos não terem sido partes no processo de execução, no âmbito do qual foi ordenada a anulação da venda executiva, realizada em 29.05.1989, ao Banco Totta & Açores SA e de todos os termos subsequentes e que dela dependam diretamente.
26. A este propósito e com particular interesse para o caso sub judice, note-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20/12/2017, proferido no âmbito do Processo nº2377/12.TBABF.E1.S2, cujo Relator foi Fernanda Isabel Pereira e que se encontra disponível em www.dgsi.pt, que, em parte, diz: “Enquanto a exceção do caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no art. 581º do CPC (de sujeitos, de...
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