Acórdão nº 2766/16.7T8VFR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 29-10-2020
Data de Julgamento | 29 Outubro 2020 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2766/16.7T8VFR.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO
1. AA propôs acção declarativa de condenção contra Novo Banco, S.A., BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN & Associados — Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A., pedindo que:
I. — Os Réus sejam condenados, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de 2.500.000,00 euros, valor dos títulos vendidos pelo Réu BES ao Autor e identificados na petição inicial;
II. — Os Réus sejam condenados, solidariamente, a pagar ao Autor juros à taxa legal de 4% sobre a referida quantia, desde 20.10.2014 e até integral pagamento, acrescidos da sobretaxa de 5% a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória e até integral pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória.
2. Os Réus Novo Banco, S.A., BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM e NN & Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A., contestaram, defendendo-se por impugnação e por execepção — deduzindo, em particular, as excepções dilatórias de ilegitimidade e de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e as excepções peremptórias de caducidade e de prescrição.
3. O Autor AA respondeu às excepções deduzidas pelos Réus.
4. Foi entretanto admitida a intervenção principal da seguradora Zurich Insurance PLC.
5. A seguradora Zurich Insurance PLC contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção — deduzindo, em particular, as excepções dilatórias de ilegitimidade e de preterição de tribunal arbitral e as excepções peremptórias de anulabilidade do contrato de seguro e de prescrição.
6. O Autor AA e os Réus II, EE, JJ responderam às excepções deduzidas pela seguradora Zurich Insurance PLC.
7. O Tribunal da 1.ª instância julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu do pedido os 2.º, 4.º, 6.º a 13.º e 15.º a 18.º Réus:
I. — o 2.º Réu Novo Banco, S.A.;
II. — o 4.º Réu BB;
III. — os 6.º a 13.º Réus CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ;
IV. — os 15.º a 18.º Réus KK, LL, MM e NN & Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A.
8. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.
9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
A. Tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro, o Banco de Portugal pode adoptar as medidas previstas na lei.
B. Invocando tudo isso, o Banco de Portugal aplicou uma medida de Resolução ao BES.
C. Essa Resolução foi aplicada, segundo o Banco de Portugal, tendo em conta critérios de certeza e de confiança no sistema financeiro português, critérios esses que orientaram o Conselho de Administração do Banco de Portugal na selecção dos activos e passivos a transferir para o banco de transição, de modo que permitisse calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o Novo Banco.
D. Decidiu o Tribunal a quo que “(…) como se alcança das deliberações supracitadas, ao contrário do que o A alega, a responsabilidade do BES não se transferiu para o Novo Banco relativamente às aplicações financeiras subscritas pelo A, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser assacada ao 2.º R.”
E. Porém, esteve mal ao decidir nesse sentido, porquanto:
F. Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, a actividade do BES, assim como todos os activos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as excepções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do Banco de Portugal, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de activos e com impossibilidade de reconstituição, já que a actividade bancária passou para o Novo Banco;
G. A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos artºs 145º-G, nº 1 e 145º-H do RGIF. Mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constitui uma manifesta violação do artº 62º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida;
H. A interpretação dada ao artº 101º da Constituição, pelas citadas deliberações do Banco de Portugal, é ainda inconstitucional, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, do A., e as garantias dadas pelo artº 62º da Constituição;
I. As citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais do A., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o artº 62º da Constituição.
J. O que está em causa na presente acção não é a declaração de invalidade das deliberações do Banco de Portugal, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais do Autor contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais.
K. O R. Novo Banco é responsável solidário pelo pagamento das indemnizações pelas quais o BES é também responsável, já que para ele foram transferidas os ativos e passivos do BES, sendo que o NOVO BANCO detém ainda os títulos do A. na sua guarda e posse, informando, ainda hoje, que esses título têm o valor de 2.500.000,00 €, o que, aliás, sabe ser falso.
L. Por deliberação do Banco de Portugal, “transferiram-se ainda para o Novo Banco quaisquer créditos já constituídos ou por constituir reportados a factos tributários anteriores a 3 de agosto de 2014, independentemente de estarem ou não registados na contabilidade do BES”.
M. A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do artº 62º, nº 1 da Constituição, que beneficia de uma protecção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do artº 17º da Constituição.
N. Como tal, a força jurídica é-lhe conferida pelo artº 18º da Constituição: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
O. E, conforme resulta imperativamente do artº 18º, nº3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
P. A interpretação do Banco de Portugal às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no artº 17º da Carta dos Direitos Fundamentais.
Q. E, a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 viola ainda o artº 101º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, do A., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
R. As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjectivos, o que sempre seria inconstitucional.
S. Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do artº 118º, nº 1 al. a) do Código das Sociedades Comerciais.
T. Nesta conformidade, por força do artº 122º, nº 2, do CSC, “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
U. Acresce que atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145º-H nº16 do RGIF16), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente ao A.
V. Conforme dispõe o artº 204º da Constituição “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. (…)
W. Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou e um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
X. Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões do A. perante o BES e o Novo Banco.
Y. Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artº202º, nº 2 da Constituição).
Z. E as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (artº 205º, nº 2 da Constituição).
AA. Quanto aos Réus 4º, 6º A 13º E 15º A 18º, administradores executivos do BES, membros do conselho de auditoria do BES e a NN como revisora oficial de contas do BES, competia-lhes, nos termos do artº 423- F do Código das Sociedades Comerciais, fiscalizar a administração e as contas do BES bem como todos os suportes documentais dessas contas e verificar a sua veracidade e exatidão, receber e fiscalizar as comunicações de irregularidades quer nas contas quer nos documentos que as suportaram.
BB. Porém, e apesar de terem conhecimento de todo o alegado e da falsidade dos muitos documentos que suportavam as contas e os relatórios de contas do BES, conforme resultou provado e consta da sentença proferida pelo Tribunal da...
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