Acórdão nº 27482/18.1T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-07-2024

Data de Julgamento09 Julho 2024
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão27482/18.1T8PRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO


1.1.- A Autora - A..., S.A., com sede na Avenida ..., em..., instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré - A... & Companhia, Lda., posteriormente Azeitoma – Gestão de Imóveis, S.A.,

Alegou, em resumo:

Por escritura pública de 30.10.1971, a Ré tomou de arrendamento a AA, para fins não habitacionais, os segundo, terceiro, quarto e quinto andares do prédio urbano sito na Av. ... e os primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares e torreão do prédio urbano sito na Rua ..., nas precisas condições insertas no contrato de arrendamento que ao diante se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc. n.º 1).

No entanto, o imóvel objeto do aludido contrato de arrendamento foi adquirido pela Autora em 06.07.1978, pelo que desde então a Autora é a dona e legitima proprietária do imóvel, sendo que a transmissão do contrato de arrendamento foi oportunamente transmitida à Ré por carta registada.

O contrato de arrendamento foi celebrado em data anterior à entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro.

A Autora, na qualidade de Senhoria da Ré, mediante o envio de carta registada com aviso de recepção datada de 4 de Março de 2013, e ao abrigo da legislação vigente à data, promoveu a transição do contrato de arrendamento acima identificado para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, nos termos do art. 50º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, doravante abreviadamente designada por NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, tendo proposto que o contrato passasse a ser de prazo certo, com a duração de 5 (cinco) anos, e sugerindo um aumento de renda para o montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) mensais.

Respondeu a Ré à referida missiva por carta registada com aviso de recepção datada de 1 de Abril de 2013, tendo ficado o contrato submetido às regras do NRAU, acordando as partes quanto ao tipo e prazo do mesmo, pois a arrendatária concordou com a proposta apresentada pela senhoria no que concerne a estas duas características contratuais.

Ao contrato de arrendamento em causa nos presentes autos foi aposto o prazo de 5(cinco) anos, por acordo das partes.

Nesta senda, por carta registada com aviso de recepção datada de 4 de Abril de 2013, e no que aqui releva, a Autora salientou que o contrato de arrendamento em causa havia passado a ser a termo, com o prazo de 5 (cinco) anos, com início em 1 de julho de 2013 e término em 30 de junho de 2018, tudo conforme melhor resulta da cópia da carta junta.

Posteriormente, com antecedência superior a um ano à data do termo do contrato, a Autora, com observância de todos os formalismos impostos por lei, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento por carta registada com aviso de receção recebida pela Ré em 10 de Março de 2017.

Findo o período de vigência contratual entre as partes, a Autora, na mais legítima das expectativas, aguardava a entrega do imóvel no dia 30 de Junho de 2018, mas a Ré não o fez e depositou a renda.

O contrato de arrendamento em causa transitou regularmente para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, mediante comunicação para o efeito da iniciativa da senhoria, ora Autora, tendo passado a vigorar por prazo certo.

No entanto, a senhoria deduziu oposição à renovação nos termos legais, pelo que operou a denúncia do contrato, o que determinou a respetiva cessação por caducidade no pretérito dia 30.06.2018.

Pediu que seja decretado o despejo imediato do local arrendado, devendo o mesmo ser entregue à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens.

1.2. – A Ré contestou defendendo-se, em síntese, com a ineficácia da declaração de transição plena do Contrato de Arrendamento para o NRAU e excepcionou o abuso de direito.

1.3. – Realizada audiência de julgamento, foi proferida (4-1-2022) sentença que decidiu:

“Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência condena-se a Ré “A... & Companhia, Lda.” no pedido formulado pela Autora A..., S.A.”.

Custas a cargo da ré.”

1.4.- A Ré recorreu de apelação e a Relação do Porto, por acórdão de 18-5-2023, decidiu julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença.

1.5.- Inconformada, a Ré recorreu de revista excepcional e subsidiariamente de revista normal, nos seguintes termos:

1.ª A Recorrente tem interesse objectivo na interposição do presente recuso, pois, a manter-se o acórdão de 18/05/2023, proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, poderá significar (se não existir outro meio defensivo) que o contrato de arrendamento cessou os seus efeitos em 30/06/2018, mantendo-se recorrente, desde essa data, no gozo do local arrendado sem título.

2.ª Naturalmente que tem recorrente interesse (óbvio) em que seja declarado que a mesma se manteve licitamente no gozo do local arrendado com base no contrato de arrendamento em vigor, evitando, assim, qualquer pretensão indemnizatória por parte da Recorrida.

3.ª A Recorrente propôs uma acção judicial contra a aqui Recorrida na qual, invocando o posterior reconhecimento por parte da Câmara Municipal ... do seu estabelecimento comercial de hotelaria como sendo de “interesse histórico e cultural ou social local”, peticionou que o Tribunal declarasse (i) não assistir à aqui Recorrida o direito de se opor à renovação do contrato de arrendamento para a data por si indicada (30/06/2018)e,em consequência, (ii)condenasse a aqui Recorrida a aceitar a renovação do contrato de arrendamento por um período adicional de 5 anos. Daqui flui que sendo considerado por este Supremo Tribunal que não assistia à então senhoria o direito de se opor à renovação para o dia 30/06/2018, improcede a tese sustentada pela Recorrida naquela acção segundo a qual o acto administrativo emitido pela Câmara Municipal ..., reconhecendo o estabelecimento comercial da Recorrente como sendo um Estabelecimento de Interesse Histórico e Cultural ou Social Local, foi extemporâneo por ter si proferido após ter cessado o contrato de arrendamento na data por si indicada-30/06/2018-, pelo que, também por esta razão, tem a Recorrente interesse objectivo na interposição do presente recurso de Revista Excecional (e Normal).

5.ª Como é consabido, o recurso de revista excecional só é admitido quando, de outro modo, o recurso de revista normal seria inadmissível por força da dupla conforme, sendo que um dos fundamentos para o recurso de revista excecional consta da alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do Cód. do Processo Civil e verifica-se quando “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

6.ª A Formação tem entendido, como pressuposto da al. a) do n.º 1 do art. 672.º do Cod. do Processo Civil, a existência de divergências na doutrina e na jurisprudência sobre a questão ou questões em causa, ou ainda nos casos em que o tema está eivado de novidade, tudo de sorte que o cidadão comum que lida com este tipo de assuntos não pode legitimamente estar seguro da interpretação com que pode contar por parte dos tribunais – vide jurisprudência e doutrina citadas nas págs. 6 e 7 supra.

7.ª A questão juridicamente complexa e sob análise pode sintetizar-se da seguinte forma:

- No processo de atualização extraordinária de renda e de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, se o senhorio se equivocar quanto à data de modificação do regime temporal do contrato de arrendamento e indicar ao arrendatário uma data posterior àquela que decorre expressamente da Lei (seja um mês posterior, sejam seis meses posteriores ou um ano posterior), qual a data em que, efectivamente, se opera a modificação do regime temporal do contrato de arrendamento? Será a data que decorre directamente da Lei ou a data indicada pelo senhorio?

E se, ulteriormente, o senhorio se opuser à renovação do contrato de arrendamento (entretanto convertido em contrato com prazo certo), indicando, em consequência do lapso inicial, uma data posterior à que decorre da aplicação da lei? Neste caso o contrato de arrendamento renova-se previamente ou cessa a sua vigência na data posterior indicada pelo senhorio?

E, por fim, recai sobre o arrendatário o dever de alertar o senhorio do lapso em que este incorreu ao indicar erradamente uma data posterior à que decorre da lei? Caso não alerte o senhorio, significa que arrendatário aceitou tacitamente aquele lapso do senhorio e consequentemente aceitou a nova data de início e termo do contrato de arrendamento indicada pelo senhorio?

8.ª Estas questões, que pela sua novidade não têm resposta da jurisprudência, receberam da parte da doutrina respostas diametralmente opostas, conforme se depreende da leitura dos pareceres junto aos presentes autos da autoria dos Senhores Professores-Doutores Fernando de Gravato Morais e Pedro Romano Martinez.

9.ª Justificando-se, pois, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça perante estas questões (conexas) cujo relevo jurídico indiscutível, pois trata-se de questões que, para além dos sujeitos processuais existentes neste processo, extravasam claramente o seu âmbito, devendo ser definido para melhor aplicação do Direito, qual a relevância jurídica decorrente do facto de o senhorio indicar erradamente ao arrendatário, aquando da transicção do contrato para o NRAU, uma data posterior àquela em que legalmente se operará a modificação contratual.

10.ª E, em consequência, qual a relevância jurídica do facto de, após o contrato transitar para o NRAU, o senhorio deduzir oposição à primeira renovação do contrato indicando uma data posterior à que decorre da aplicação da lei, por ter contado a duração inicial (cinco anos) desde a data em que erradamente indicou como sendo a data de transição para o NRAU? Deverá prevalecer a data que decorre expressamente da lei (vg. cinco anos contados do...

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