Acórdão nº 2732/22.3T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04-06-2024
Data de Julgamento | 04 Junho 2024 |
Número Acordão | 2732/22.3T9STB.E1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
I – Relatório
Por decisão proferida no p.p. dia 15 de fevereiro de 2024, foi decidida a não pronúncia do arguido J, que havia sido acusado pelo assistente, em acusação particular, pela prática de um crime de difamação e de calúnia, pp. no artigo 180º nº1 e 183º nº 1 al. b) do Código Penal.
O assistente, R, inconformado com a decisão veio apresentar o presente recurso onde apresentou as seguintes Conclusões:
1. A instrução, tal como decorre das disposições combinadas dos arts. 287º, nº1, 289º, nº1 e 290º, nº1 do Código Processo Penal, tem carácter contraditório, tem lugar quando for requerida pelo arguido que pretenda invalidar a decisão de acusação, ou pelo assistente que deseje contrariar a decisão de não acusação e é composta, obrigatoriamente, por um debate instrutório oral e contraditório.
2. Por decisão instrutória proferida nos presentes autos foi decidido não pronunciar o arguido J de um crime de difamação e calúnia p. e p. nos artigos 180º nº1 e 183º nº1, al. b), todos do Código Penal, sendo, em consequência, determinado o arquivamento dos autos.
3. O Tribunal a quo considerou para o efeito que os factos imputados ao arguido em sede de acusação particular, e no que respeita aos elementos objetivos estes são inexistentes.
4. No que à acusação particular diz respeito, a alínea b) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, refere-se à narração, sendo que a assistente entende, que esta deve conter os quatro elementos básicos que qualquer relato inclui:
- Onde - Quando- Quem- O quê.
5. No que concerne aos dois primeiros elementos, ainda que houvesse alguma imprecisão, o que até seria admissível, sempre o assistente teria a oportunidade e devia explicar-se por que motivo não indicou, com rigor, o lugar ou o tempo.
6. Porém, nos autos, quanto a estes elementos, nenhuma dúvida pode existir, por estes figurarem na acusação particular.
7. Quanto aos restantes dois elementos, também, sem qualquer dúvida, a assistente entende que estes figuram na acusação particular, como se constata pela leitura dos pontos constantes desta peça processual.
8. Mais, também na acusação particular, por essencial, a assistente fez alusão ao elemento objetivo do tipo.
9. Mais fez na acusação particular referência ao elemento subjetivo, isto é, na acusação particular, por necessário fez menção para acusar o arguido, que este agiu intencionalmente, como se extrai do seu ponto 7 – 1ª parte.
10. O arguido foi por sua iniciativa que veio para as redes sociais escrever as expressões que constam no texto, não num contexto de resposta face a qualquer notícia que o tivesse deixado chocado.
11. Do mesmo modo, na acusação a assistente aludiu à consciência da ilicitude, no ponto 7 – 2ª parte, quando este refere que o arguido agiu “… ciente de que a sua conduta, era proibida e punida por lei”.
12. Mais ainda, o assistente referiu na parte final da acusação, as normas incriminatórias, com a maior precisão possível, uma vez que sabia que a falta de indicação deste elemento gerava o vício da nulidade e conduzia à rejeição do libelo acusatório: proémio do nº 3 do artigo 283º e alínea c) do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal.
13. Ainda mais, na acusação particular o assistente indicou as provas, designadamente o rol de testemunhas, para que a peça processual não fosse nula e rejeitada – proémio do nº 3 do artigo 283º e alínea c) do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal.
14. E para que serve a instrução?
15. Serve para os arguidos tentarem demonstrar perante o Tribunal que não deveriam ter sido acusados, e que da acusação particular não resultam indícios suficientes para os submeter a julgamento e só faz sentido se for destinada, ou a demonstrar que as provas recolhidas não permitem a decisão final tomada, ou então a demonstrar que determinadas provas foram mal recolhidas, ou foram de forma incompleta, caso em que poderá ser produzida prova nesse sentido.
16. Em sede de instrução, o Tribunal louvando-se nos elementos documentais existentes no processo não deu como suficientemente indiciado os factos que vinham descritos no RAI., fundamentando o decidido num alegado conflito entre o arguido e o assistente, razão pela qual concluiu não existirem indícios suficientes da verificação dos elementos objetivos e subjetivos do tipo do crime de difamação e calunia, mas quando o conflito que existe é entre a empresa Etapas Avulso, Lda., na qual o assistente é sócio gerente de direito, e o arguido.
17. Destrate, entendeu o JIC que as provas recolhidas permitem a decisão final tomada de n/pronúncia, por falta de indícios suficientes.
18. E o que são indícios suficientes?
19. Entende o assistente que uma definição completa e operativa é a que resulta do Acórdão da Relação de Coimbra de 9.3.1988, in CJ, 1988,2,84:
“Indícios suficientes são aqueles elementos que logicamente relacionados e conjugados, formam um conjunto persuasivo, na pessoa que os examina sobre a existência do facto punível, de quem foi o seu autor e da sua culpabilidade, ou ainda mais precisamente quando, já em face deles, seja de considerar provável a condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a sua absolvição”.
20. No mesmo sentido aponta-se outra decisão do mesmo Tribunal, desta feita de 10.4.1985, in CJ, 1985,2,81: “Os indícios são suficientes quando, relacionados e conjugados, seja de concluir como altamente provável a futura condenação do acusado”.
21. E quais os factos que teriam de resultar fortemente indiciados no inquérito para permitir uma acusação?
22. Antes de mais a decisão instrutória padece de falhas na apreciação da prova.
23. Avaliando, ponderando e conjugando criticamente o conjunto da prova adquirida, não pode concluir-se que não assomem suficientemente demonstrados os elementos objetivos e subjetivos do crime de difamação e calúnia.
24. Dos autos, resulta que o arguido imputa ao assistente, através das redes sociais a prática de ilícitos criminais que são difamatórios e caluniosos.
25. Dispõe o artigo 180º nº1 do Código Penal que comete o crime de difamação:
“Quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo ofensivo da honra e consideração ou reproduzir uma tal imputação ou juízo…..”
26. Dispõe ainda o artigo 183º nº1, al. b) do Código Penal:
Se nos casos dos crimes previstos nos artigos 180º; 181º e 182º - a)…. b) Tratando-se de imputação de factos se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; ….
27. Os bens jurídicos protegidos pela incriminação da conduta são a “honra” e a “consideração” da pessoa humana, em concretização material e normativa dos direitos ao bom nome e à reputação consagrados no artigo 26º, nº1 da Constituição da Republica Portuguesa.
28. Refere o Prof. Beleza dos Santos in revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 92, pág 161 a 168, “ a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que o individuo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale. A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao desprezo público”.
29. No plano subjetivo o crime de difamação configura um crime doloso, que se basta com um “dolo genérico “em qualquer das modalidades referidas no artigo 14º do Código Penal, não se exigindo que o agente queira ofender a honra e consideração do visado, bastando que saiba que o seu comportamento pode lesar o bem jurídico protegido pela norma, e que, consciente dessa perigosidade não se abstenha de agir.
30. Percorrendo o texto escrito e publicado pelo arguido nas redes sociais, identificam-se como possível de ofender, o que é considerado pelo assistente, o seguinte:
“Trabalhadores reclamam salários em atraso do mês de Maio sendo ameaçados se não foram trabalhar é que não recebem mesmo e que não vão trabalhar em mais lado nenhum. A maior parte dos funcionários são ucranianos. Uma vergonha o que se está a passar num dos restaurantes que mais clientes tem. Peço que passem a palavra para os clientes saberem o que se passa”.
“Só gostava que uma das entidades que me identifiquei me contactassem para poder mostrar todas as provas que recolhi nestes dois anos, sobre as burlas, desvios etc. etc. “
“Novos dez, Sic, Sic Noticias, CNN não querem uma boa reportagem? Têm muito que explicar incluindo os processos em Tribunal.
E espero mesmo que usem isto como difamação, que assim, pode ser que o senhor R junto dos larápios dele compareçam em Tribunal para pagar o que devem, e ser descoberto os desvios de dinheiro, e os pagamentos ilícitos às entidades competentes que suportam esses tipos de esquemas na cidade de Setúbal”.
31. Poder-se-á assim dizer, por outras palavras, que o arguido apelidou o denunciante/assistente, a quem se dirigiu de:
- Prática de burlas
- Pessoa que desviou dinheiro
- Pessoa que fez pagamentos ilícitos às entidades competentes.
32. As expressões utilizadas pelo arguido carregam um significado suficientemente ofensivo da honra e consideração do seu destinatário, sendo suficientemente fortes para atingir o reduto mínimo ou nuclear da dignidade e do bom nome que o denunciante/assistente legitima poder reclamar.
33. Entre o arguido e a sociedade comercial Etapas Avulso, Lda, foi celebrado um contrato de trabalho.
34. Consultado o pacto social da empresa Etapas Avulso, Lda., constatamos que existem três sócios, sendo eles R, aqui assistente, A e ainda B.
35. O ingresso do assistente na empresa executada, Etapas Avulso, Lda., surgiu apenas como forma de investimento de capital, uma vez que foi desde logo o A quem passou a gerir a sociedade e a ser o único sócio gerente de facto.
36. Tendo a Etapas Avulso, Lda., contraído uma alegada...
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