Acórdão nº 273/14.1TBSCR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 27-04-2017
Data de Julgamento | 27 Abril 2017 |
Case Outcome | NÃO CONHECIDO O INCIDENTE. NEGADA A REVISTA QUANTO AO MAIS |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 273/14.1TBSCR.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I – Relatório
1. AA (A.) intentou, em 24/02/2014, ação de divórcio litigioso, sob a forma de processo especial, contra BB (R.), alegando, no essencial, que:
. A. e R. eram casados entre si com dois filhos em comum;
. Desde o início do casamento, o R. sempre demonstrou comportamento agressivo para com a A. e direcionado ao filho mais velho do casal;
. Não obstante os esforços da A. para ultrapassar a crise conjugal, na sequência de tal comportamento, ao longo do tempo, e da falta de resolução dos conflitos conjugais, desde setembro de 2013, A. e R. deixaram de fazer qualquer vida em comum, tendo aquela deixado a casa de morada de família, em 07/01/2014, não tendo qualquer propósito de restabelecer a vida em comum.
Pediu a A. que fosse decretado o divórcio entre A. e R., nos termos da alínea d) do artigo 1781.º do CC, com efeitos à data da cessação da coabitação, em 07/01/2014, nos termos dos artigos 1788.º e 1789.º, n.º 2, do CC. Requereu ainda a mesma A. que lhe fosse atribuída provisoriamente, em exclusivo, a utilização da casa de morada de família.
2. Realizada sem sucesso a tentativa de conciliação, o R. apresentou contestação, em que impugnou o alegado pela A., sustentando que não lhe era imputável qualquer conduta suscetível de constituir violação dos seus deveres conjugais nem se verificava a rutura da vida conjugal, concluindo pela improcedência da ação.
3. No tocante ao pedido de atribuição da casa de morada de família, o R., pugnando pela sua improcedência, alegou, em resumo, que:
. Foi a A. quem abandonou a casa de morada de família e passou a residir numa casa cedida pela sua irmã para o efeito, juntamente com os filhos;
. Por outro lado, o R. não tem outra casa para habitar nem condições para arrendá-la, uma vez que apenas beneficia de subsídio de desemprego, com termo em fevereiro de 2015, ao que acresce ser mecânico de profissão e o único espaço que tem para exercer tal atividade e garantir a sua subsistência é a garagem sita da casa de morada de familiar.
4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foram proferidas a final as decisões de fls. 114 a 128, datadas de 20/03/2015, a julgar:
a) – a ação procedente, decretando-se o divórcio entre A. e R. com efeitos à data do início da separação de facto, em 07/01/2014;
b) - improcedente o incidente para atribuição da casa de morada de família à A..
5. Inconformadas ambas as partes com tais decisões, cada uma delas apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que através do acórdão de fls. 225-248, datado de 14/04/2016, julgou:
a) – improcedente a apelação interposta pelo R.;
b) – procedente, em parte, a apelação da A., no respeitante ao incidente para atribuição da casa de morada de família, no sentido de, embora confirmando a decisão da 1.ª instância quanto à não atribuição daquela casa à A., determinar que, como contrapartida pelo provisório e exclusivo uso e fruição da mesma, o R. pagasse à A. uma compensação mensal de € 200,00, desde a data da decisão da 1.ª instância até à partilha do património do casal.
6. Desta feita, vem o R. pedir revista daquele acórdão, formulando as seguintes conclusões:
I – Quanto à matéria da ação:
1.ª - Embora esteja vedado ao STJ avaliar a bondade da decisão de facto propriamente dita, não lhe está vedado, todavia, por tal constituir matéria jurídica (cfr. artigos 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, CPC), apreciar se determinada asserção - tida como "facto" provado - consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita "(Ac. STJ, no Proc. n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1 de 12-03-2014 in www.dgsi)
2.ª - Ao contrário do que conclui o acórdão recorrido, resulta claramente que a matéria vertida na fundamentação fáctica, é conclusiva vaga e genérica e sem referências espaço-temporais;
3.ª - Nos termos do artigo 5.º do CPC o tribunal, no julgamento, considera factos, ao passo que nos termos do art.º 607.º CPC também discrimina os factos que considera provados e na fundamentação da sentença, declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados;
4.ª - Não se diga, como faz o tribunal recorrido, que apesar de expressões algo conclusivas contidas em alguns dos factos dados como provados, os mesmos não perdem a natureza fáctica, até porque o R./Apelante não colocou em causa que tal matéria traduzida em juízos de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrências da vida real do casal composto pela A. e R. - invocando, nomeadamente que a mesma não tivesse efetivamente resultado da prova produzida;
5.ª - É que o R. só não colocou em causa que tal matéria traduzida em juízos de valor sobre a matéria de facto, enquanto ocorrências da vida real do casal composto pela A. e R., invocando, nomeadamente, que a mesma não tivesse efetivamente resultado da prova produzida - porque só se podem pôr em causa factos concretos perfeitamente identificados no espaço e no tempo e não já referências vagas, conclusivas e genéricas. Em rigor, o que a alegação da A. faz é impedir o contraditório.
6.ª - Aliás, tendo A. e R. casado em 10/09/1993 e como na sua petição a A. não concretiza temporalmente os factos, estes podem ter ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n.º 61/2008 de 31/10 e, por isso, ainda na vigência dos anteriores artigos 1780.º e 1786.º do CC, estando por isso excluído o direito de pedir o divórcio (por ex. ter revelado comportamento posterior, expresso ou tácito revelador de não considerar os atos praticados impeditivos da vida em comum, comportamento esse que até ficou provado no n.º 20 dos factos provados – “A Autora fez tudo para manter o seu casamento, inclusive recorreu a consultas de terapia conjugal” - ou caducado o direito de pedir o divórcio por terem decorrido mais de dois anos sobre os factos suscetíveis de fundamentar o pedido de divórcio;
7.ª - Estando-se perante matéria conclusiva vaga e genérica e não localizada no espaço e no tempo, a consequência será a de se considerar «não escrita» a resposta aos pontos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 24.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, e 32.º da fundamentação de facto;
8.ª - Quer o acórdão-fundamento (ac. TRL, de 23-11-2011, proferido no Proc. n.º 88/10.6TMFUN.L1-2) quer o acórdão de que se recorre, pronunciam-se sobre a questão da suficiência do facto de um cônjuges não ter o propósito de restabelecer a convivência conjugal para o preenchimento do conceito de rutura previsto na alínea d) do art.º 1781.º CC;
9.ª - O acórdão-fundamento que se junta entende que provar-se tão só, que a A. tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal, mostra-nos, apenas, qual a vontade, qual a intenção atual da A., não se reconduzindo a um índice objetivo suficiente para a demonstração da falência irreversível do casamento e do conceito de rutura previsto na alínea d) do art. 1781.º CC;
10.ª - Em sentido oposto, o acórdão de que se recorre concluiu que, como se provou que a A. não tem qualquer propósito de restabelecer a vida matrimonial comum (n.º 33 da Fundamentação de Facto), tal é suficiente para o preenchimento do conceito de rutura definitiva do vinculo matrimonial, previsto na alínea d) do artigo 1781.º do CC;
11.ª - Existe contradição porque o mesmos preceito - alínea d) do art.º 1781.º do CC - é interpretado e aplicado diversamente a factos idênticos;
12.ª - Assiste razão ao acórdão-fundamento, porquanto o art.º 1781.º do CC subordinado ao título de "Ruptura do Casamento" adotou claramente a ideia do divórcio rutura ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na rutura definitiva do casamento e de que esta rutura pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos;
13.ª - Assim releva para o nosso caso a necessidade de nos autos, através da matéria de facto provada, dever resultar retratada uma determinada situação objetiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a rutura definitiva do casamento, não bastando para o efeito que os factos traduzam um mero ato de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio “a-pedido” por razões subjetivas, não haver sido acolhido;
14.ª - Ou seja questão que está em causa neste recurso é a de saber se os factos provados permitem ter como preenchida a cláusula geral e objetiva da “ruptura definitiva do casamento”, prevista na alínea d) do citado art.º 1781.º do CC, e para a qual se não exige qualquer duração mínima - como sucede com as causas (igualmente objetivas, como se sabe) constantes das demais alíneas, que impõem um ano de permanência.
15.ª - A demonstração da rutura definitiva - presumida nos casos das alíneas a), b) e c) ao fim de um ano - implicará, naturalmente, a prova da quebra grave desses deveres, e da convicção da irreversibilidade do rompimento da comunhão própria da vida conjugal.
16.ª - Entende o R./Recorrente, que não está suficientemente demonstrada a cessação irreversível da comunhão conjugal.
17.ª - Não está, desde logo, dada a alegação vaga, conclusiva e descontextualizada no tempo e no espaço efetuada pela A.;
18.ª - Por outro lado, da matéria de facto provada não resulta retratada uma determinada situação objetiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a rutura definitiva do casamento, salvo a separação de facto ocorrida em 24/02/2014.
19.ª - É que, tendo A. e R. casado em 10/09/1993 e como na sua petição a A. não concretiza temporalmente os factos, estes podem ter ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31/10, e por isso ainda na vigência dos anteriores artigos 1780.º e 1786.º do CC, estando, por isso, excluído o direito de pedir o divórcio (por ex. ter revelado comportamento posterior,...
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