Acórdão nº 273/05.2TBGVA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 20-10-2011

Data de Julgamento20 Outubro 2011
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão273/05.2TBGVA.C1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA, residente na Rua …, Condomínio ..., casa B, ..., Gouveia, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, residente na Avª ..., …, …, Gouveia, pedindo que, na sua procedência, seja proferida sentença que, por força da execução específica do contrato-promessa ajuizado, declare a autora e condene o réu a reconhecê-la como dona e legítima possuidora do imóvel identificado, condenando-se ainda o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar ser suficiente para cancelar, junto da Caixa Geral de Depósitos, SA, a hipoteca que incide sobre esse prédio.

A título subsidiário, a autora pede a condenação do réu no pagamento da quantia de €146.646,58, correspondente ao dobro do sinal ou preço que recebeu com a retenção em seu poder das comissões devidas à autora, ou, para a hipótese de se considerar nulo o contrato-promessa, a condenação do réu no pagamento da quantia de €73.323,29 e juros, à taxa de 4%, desde 30 de Setembro de 2003, acrescidos de €18.335,81, referentes ao valor de comissões não pagas, nem imputadas no preço do contrato-promessa, conferindo-se à autora o direito de retenção sobre imóvel, enquanto essa quantia não for, integralmente, liquidada.

Alegou a autora, em síntese, com vista a alcançar a finalidade pretendida com a acção, que, por contrato escrito, datado de 30 de Junho de 2002, o réu prometeu vender à autora, que, por seu turno, prometeu comprar aquele, a fracção … de um prédio urbano, integrada em parte da área de um condomínio, não tendo as assinaturas apostas pelos signatários desse contrato sido reconhecidas, presencialmente, porque o réu prescindiu dessa formalidade, invocando não haver necessidade do seu cumprimento, sendo certo, também, que não foi feita menção à licença de utilização, na medida em que o réu ainda a não tinha conseguido obter, acordando-se, porém, que a escritura definitiva deveria ter lugar, até 30 de Agosto de 2003, mas sem se estipular a qual dos dois outorgantes caberia a sua marcação.

O réu, uns dias antes do final de Agosto de 2003, veio dizer que não faria a escritura, pelo que a autora lhe fixou um prazo admonitório ou suplementar de 30 dias, para o efeito, comunicando-lhe que a tinha marcado para 30 de Setembro de 2003, não obstante aquele não ter comparecido, nem haver justificado a ausência, assim incumprindo, culposamente, o contrato, no qual se havia consignado que a venda seria feita, livre de ónus ou encargos.

Por outro lado, continua a autora, no contrato-promessa, não foi fixado qualquer sinal, a pagar pela autora, uma vez que o réu tinha consigo 50% das comissões àquela devidas, no âmbito de um contrato de agência que haviam celebrado, pois que este contratou a autora como promotora de vendas das moradias construídas no condomínio, tendo a mesma direito a uma comissão de 5% ou de 2,5%, consoante a venda fosse feita, através da autora ou por outras agências, e ainda a metade da diferença entre o preço pretendido pelo réu e o preço efectivo da venda ao cliente, com excepção da moradia prometida à autora e de uma outra prometida a uma filha do réu, tendo a autora angariado compradores para as restantes moradias, pelo que, a título de comissões e de «overprice», o réu teria de lhe pagar €115.746,05, sendo certo que apenas efectuou entregas que totalizaram €24.086,95.

Conclui a autora que, a considerar-se que o montante retido pelo réu constitui sinal do contrato-promessa, compete a este dobrar a quantia correspondente ao preço de venda acordado, perfazendo €146.646,58, e a considerar-se nulo o contrato-promessa, por omissão de formalidades imputáveis à autora, esta tem o direito à restituição do que prestou, isto é, ao montante das comissões e a outros valores, até perfazer o preço da venda prometida realizar, acrescido de juros, desde a data do incumprimento definitivo.

Na contestação, o réu alega que não fala, não lê, nem escreve português, tendo assinado todos os contratos sem nunca os ler, desconhecendo as exigências legais, tais como o reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação notarial da existência de licença de utilização, e ainda que a autora não está, legalmente, habilitada a exercer a mediação imobiliária, elaborar contratos-promessa e preparar escrituras de compra e venda, sendo certo que, por outro lado, esta concordou em receber uma comissão de 5% ou 2,5%, consoante fizesse a venda ou a mesma fosse realizada por terceiros, sobre o preço da tabela, e ainda em não receber qualquer comissão nas vendas efectuadas, exclusivamente, pelo réu, não constando do contrato esta última condição, porque a autora disse ao réu que tal era desnecessário, tendo, igualmente, acordado que os preços de tabela de venda seriam revistos, à medida que as casas fossem construídas, sendo as comissões calculadas em relação a esses preços e deduzidas no «overprice».

A isto acresce, conforme ficou, contratualmente, estipulado, que o réu reteve, a título de sinal, metade das comissões que acordou pagar à autora, pelo que só esse valor poderia ser considerado como sinal, impugnando, também, a alegada recusa em efectuar a escritura, em Setembro de 2003, o que apenas aconteceu, em virtude de ainda se encontrar em falta parte do preço da venda, e que pagou à autora €26.132,37, sendo certo que, até àquela data, esta apenas tinha direito a comissões, no montante de €46.687,63.

O réu pediu ainda a condenação da autora, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, e, em sede reconvencional, solicitou a declaração de nulidade dos contratos, mencionados nos artigos 1º e 29º, da petição inicial [a], ou, a considerarem-se os mesmos válidos, a condenação da autora a reconhecer que o valor do sinal prestado equivale a metade das comissões apuradas, com referência à actividade por si prestada, até 30 de Setembro de 2003 [b], a condenação da autora pelo incumprimento culposo do contrato-promessa, com a consequente perda do sinal [c], mas, em qualquer caso, a condenação da autora em indemnização, pela ocupação e utilização que fez da casa objecto do contrato prometido, desde 30 de Junho de 2002 e até efectiva desocupação e entrega ao réu, computada em €250,00, por cada mês de ocupação, somando, até à data, a quantia de €9 500,00 [d].

Na réplica, a autora alega que o réu entende tudo o que lhe dizem e que discute, pormenorizadamente, qualquer cláusula, acordo ou negócio que lhe proponham, que nunca se recusou a celebrar a escritura, que nada deve ao réu e sempre ocupou a casa, sem oposição ou pedido de desocupação da mesma, impugnando a restante matéria de facto alegada pelo réu, referindo ainda que este confessou, extrajudicialmente, que já recebeu o preço do imóvel prometido vender, dando ainda o consentimento à sua ocupação, e concluiu pela improcedência deste pedido de desocupação, solicitando a condenação do réu como litigante de má-fé.

Na tréplica, o réu alega que não assinou a declaração de quitação que constitui a confissão invocada pela autora, mantendo o alegado na contestação e conclui pela impugnação da genuinidade e autenticidade do documento.

Foi admitida a ampliação do pedido descrito na alínea c), para o montante de €86.713,29, acrescido das restantes quantias aí referidas.

O réu foi, entretanto, declarado insolvente, por sentença transitada em julgado, vindo o respectivo administrador a intervir no processo, e passando a figurar, na qualidade de ré, a massa insolvente de BB.

A sentença indeferiu o pedido de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide [I] e, na total improcedência da acção, absolveu a ré massa insolvente de BB de todos os pedidos formulados pela autora AA [II].

Por seu turno, na parcial procedência da reconvenção, a sentença declarou a nulidade do contrato de mediação imobiliária outorgado entre a autora AA e o insolvente BB, condenando a autora a restituir à ré massa insolvente de BB a quantia de €26132,00 (vinte e seis mil cento e trinta dois euros) [III. i.], e condenando a autora a desocupar o imóvel que vem ocupando [III. ii.], mas absolveu a autora dos restantes pedidos deduzidos pela ré [IV] e julgou não verificada a litigância de má-fé da autora e ré [V].

Desta sentença, a autora interpôs recurso, pedindo, na parte final das alegações, que, alterando-se a decisão recorrida, no sentido de ser concedido o direito de execução específica ou, subsidiariamente, ser considerado que tem carácter de sinal a quantia entregue ou retida, a título de comissão, e, deste modo, ser a autora ainda absolvida do pedido reconvencional, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação, e, em consequência, revogou a sentença recorrida, na parte em que esta condena a autora «a restituir à ré massa insolvente de BB a quantia de €26.132,00», mantendo, porém, a douta decisão recorrida, em toda a sua parte restante.

Do acórdão da Relação de Coimbra, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua alteração, no sentido de ser decretada a nulidade de acórdão, conhecendo-se das questões em recurso, e de ser concedido o direito de execução específica, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na totalidade:

1ª – Os efeitos da resolução imprópria, que opera ispo iure, sem necessidade de qualquer declaração.

2ª - Não havendo que decretar resolução relativa a contrato promessa, também a intimação da carta admonitória não tem que conter os elementos a que se refere o Acórdão da Relação.

3ª - Existe nulidade de acórdão, que conheceu de objecto diverso, pronunciando-se sobre a existência de questão que não havia sido recorrida na 1ª instância, que decidira que o incumprimento era do insolvente.

4ª - Declarado judicialmente o incumprimento culposo do promitente vendedor já não pode o administrador da massa declarar que não quer...

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