Acórdão nº 2717/13.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 26-05-2015

Data de Julgamento26 Maio 2015
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão2717/13.0TTLSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.

1. AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, pedindo:

A)- Se declare:

“a) Que a rescisão de contrato de trabalho (…)., por parte do A., foi motivada por justa causa;

b) Que o A. sofreu danos não patrimoniais advenientes da privação do exercício da atividade entre 04.12.2008 e 18.07.2012;

c) Que o A. sofreu danos não patrimoniais advenientes de o R. ter divulgado ou permitido a divulgação por colegas, enfermeiros, pessoal auxiliar e beneficiários que o A. era alcoólico e que havia sido disciplinarmente processado por esse suposto facto.”


B) -Consequentemente, que o R. seja condenado a:

“a) Indemnizar o A. em quantia equivalente a 45 dias por cada ano de antiguidade, no montante de € 65 820,84;

b) Indemnizar o A. no montante de € 10.000,00, pela perda de perícia e destreza profissionais advenientes de, desde 04.12.2008 a 18.07.2012, lhe ter vedado a prática profissional;

c) Indemnizar o Autor em € 40. 000,00, por danos morais ao seu bom nome pessoal e profissional, pela instauração do procedimento disciplinar e por haver divulgado ou permitido a divulgação do facto de o Autor supostamente ser alcoólico.”

2. Na contestação, para além do mais, o R. excecionou a caducidade do direito de resolução contratual, nos seguintes termos:

“(…)

Invocando o A. que teria ocorrido prescrição do procedimento disciplinar decorrido um ano após a instauração (…), tendo a partir daí sido impedido de trabalhar (…), devia o mesmo comunicar a resolução e invocar a justa causa no prazo de trinta dias a contar desse facto, o que não fez, preferindo manter-se ao serviço, auferindo a respetiva retribuição (…).

De facto, nos termos do art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho, (…), tal prazo de trinta dias, a não ser observado, implica que tal resolução já não será possível, por caducidade (…).”



3. O A. respondeu, sustentando que a violação da “obrigação de dar trabalho” (que teve lugar a partir da data em que prescreveu o procedimento disciplinar)constitui um “facto continuado”, pelo que só a partir da sua cessação se iniciaria o prazo de caducidade.

4. Na primeira Instância, foi proferido saneador-sentença: (i) a julgar improcedenteparte da fundamentação invocada pelo autor para a rescisão do contrato de trabalho com justa causa, uma vez que o processo disciplinar não prescreveu e inexistiu qualquer violação do dever de ocupação efetiva do autor”; (ii) e, quanto ao mais invocado para a resolução do contrato, considerou “procedente (…) a exceção de caducidade (…), ficando prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelo autor, uma vez que face a tal caducidade não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização nos termos do disposto no art. 396.º, n.º 1 e 3, do CT, por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais”;(iii) consequentemente, a julgar improcedente a ação.

5. O A. apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), concedendo parcial provimento ao recurso, decidido: “a) confirmar a decisão (...) que julgou improcedente o pedido de declaração de justa causa de resolução do contrato com fundamento na prescrição do procedimento disciplinar e na violação do dever de ocupação efetiva do autor e absolver, em conformidade, o recorrido dos pedidos de declaração dos danos não patrimoniais advenientes da privação do exercício da atividade pelo recorrente entre 4 de Dezembro de 2008 e 18 de Julho de 2012 e de condenação no pagamento ao mesmo de uma indemnização no montante de €10 000 pela perda de perícia e destreza profissionais advenientes de, desde 4 de Dezembro de 2008 a 18 de Julho de 2012, lhe ter vedado a prática profissional; b) revogar no mais a decisão recorrida, julgando improcedente a exceção de caducidade e determinando a tramitação dos termos legais da ação.


6. O R. interpôs recurso de revista, insurgindo-se contra este último segmento decisório do acórdão recorrido.

Em síntese, sustenta que ao comunicar ao R., em 16.07.2012, a resolução do contrato individual de trabalho com invocação de justa causa, o A. o fez para além do prazo de 30 dias, contado a partir do conhecimento dos factos, pelo que tal comunicação foi extemporânea, nos termos do art. 395.º, n.º 1, do CT/2009.


7. O A. contra-alegou, sustentando: a) que o recurso carece de objeto, por se dirigir à impugnação de matéria julgada favoravelmente ao R. pelo tribunal a quo; b) se assim não for entendido, que a decisão recorrida deve ser mantida.

8. O Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, em parecer a que as partes não responderam.



9. Inexistindo quaisquer outras de que cumpra conhecer oficiosamente, em face das conclusões da alegação do recorrente e do teor das contra-alegações do A., as questões a decidir são as seguintes[1]:

- Questão prévia suscitada pelo A.: se o recurso carece de objeto, não podendo por isso conhecer-se do mesmo;

- Se procede a exceção perentória de caducidade do direito do A. à resolução do contrato de trabalho[2].

E decidindo.


II.


10. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte[3]:


1. No dia 3 de Dezembro de 2008, a ré instaurou um processo disciplinar contra o autor (fls. 145-146), ficando o mesmo suspenso preventivamente, sem perda da retribuição.

2. Em 22 de Dezembro de 2008, a ré enviou ao autor a respetiva nota de culpa, tendo o autor recebido a mesma em 29 de Dezembro de 2008 (fls. 171 a 180).

3. O Autor contestou a nota de culpa, negando, em síntese, a veracidade dos supostos factos que lhe eram imputados (fls. 199 a 268).

4. Através do ofício n.º 021511, de 3 de Julho de 2012, foi aplicada ao Autor a pena disciplinar de sessenta dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, com cumprimento a ter início em 1 de Agosto de 2012 (fls. 68 a 82).

5. O autor rescindiu o contrato invocando justa causa, através de carta (fls. 21 a 26) com aviso de receção remetida à ré em 16 de Julho de 2012 e recebida por esta em 17 de Julho de 2012.



III.

a) Questão prévia suscitada pelo A. se o recurso carece de objeto, não podendo por isso conhecer-se do mesmo:

11. Os recursos constituem um meio de impugnação das decisões judiciais, só podendo ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido e, em geral, pelas pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão (cfr. arts. 627.º, n.º 1, e 631.º, do CPC).

Vale por dizer que o objeto do recurso é necessariamente constituído por uma decisão desfavorável ao recorrente, sob pena de dele não se conhecer (cfr. arts. 652.º, n.º 1, h), e 655.º, n.º 1, do mesmo diploma).

In casu, enquanto na 1ª Instância o R. obteve total ganho de causa (a ação foi julgada totalmente improcedente), a Relação, ao invés, revogando em parte a decisão recorrida, julgou improcedente a exceção de caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho e determinou o prosseguimento dos autos.

É patente que esta decisão lhe é desfavorável[4], sendo ainda certo que o recorrente, na alegação apresentada no âmbito do presente recurso de revista, explicita as razões pelas quais entende que o acórdão da Relação deve ser revogado neste ponto.

Improcede, pois, a questão prévia em apreço.

***

a) Se procede a exceção perentória de caducidade do direito do A. à resolução do contrato de trabalho:

12. No escrito em que comunicou ao R. a resolução do contrato (cfr. fls. 21 – 24 dos autos), o A. invocou, em síntese, o seguinte:

- Em 22.12.2008, o R. instaurou ao A. um processo disciplinar cuja nota de culpa lhe foi notificada em 29.12.2008;

- O A. foi suspenso preventivamente em 04.12.2008;

- A nota de culpa imputava ao A. «um conjunto de supostos factos, traduzidos em “cheirar a álcool”, apresentar “desorientação, rubor, cheiro a álcool”, “aparentar graves distúrbios emocionais”, apresentar “um fácies muito avermelhado, voz arrastada, olhos injetados (…)”, “comportamento desorientado, com rubor e olhos ingurgitados…”, “fácies edemaciado”, “cambaleante”, discurso arrastado”, “estranho, evasivo e descoordenado, com aparente desorientação”, o que teria implicado o adiamento de atos médicos em que era suposto ter participado e, bem assim, supostas queixas de doentes e progenitores de doentes menores de idade»;

- Um ano após a sua instauração, prescreveu o procedimento disciplinar, data em que deveria ter cessado a sua suspensão preventiva e a partir da qual o R. se encontrava obrigado a atribuir-lhe trabalho como médico otorrinolaringologista.

- O R. violou, assim, “continuadamente, o direito ao trabalho, na sua vertente de ocupação efetiva, bem como o direito à promoção profissional e social do dignatário (…), bem como o direito ao bom nome e à reputação pessoal e profissional, de que (…) é credor enquanto homem e médico”;

- “Ao punir disciplinarmente o signatário, pelos supostos factos relatados no relatório datado de 26.06.2012, da autoria da Sra. Instrutora, imputa-lhe o SAMS supostos comportamentos de gravidade insofismável e susceptíveis de lesar, como lesaram, a sua honra e dignidade de homem e de médico, causando-lhe, acrescidamente, danos na sua carreira profissional (…)”;

- Tais danos foram acrescidos pelo facto de, antes de instaurar o procedimento disciplinar, o R. ter solicitado à Ordem dos Médicos a avaliação do A.;

- A sanção disciplinar (60 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade) foi aplicada em momento em que o poder punitivo se encontrava esgotado;

- “O comportamento do SAMS (…) configura violação dolosa das garantias do signatário, consubstanciada em aplicação de sanção disciplinar ilegal, quer pela prescrição do procedimento, quer pela falsidade dos pressupostos de facto que invoca como seu fundamento,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT