Acórdão nº 2704/20.2T8CSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-05-2023
Data de Julgamento | 30 Maio 2023 |
Case Outcome | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 2704/20.2T8CSC.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam, em Conferência, no Supremo Tribunal de Justiça,
I - Relatório
1. A 9 de outubro de 2020, AA intentou ação especial de acompanhamento de maior, requerendo o decretamento de medidas de acompanhamento a favor do seu Pai, BB, e pedindo ainda, cumulativamente, o suprimento judicial da autorização do beneficiário – nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 141.º, n.os 2 e 3, do CC e 892.º, n.º 2, do CPC.
2. A 9 de julho de 2021, depois da realização de diversas diligências instrutórias, foi deferido o pedido de suprimento da autorização do beneficiário para o seu filho AA propor a presente ação especial.
3. A 4 de janeiro de 2022, sob promoção do Ministério Público, foi enviada carta para dar conhecimento do processo ao outro filho do Requerido, CC, a fim de que este, querendo, se pronunciasse sobre os presentes autos e sobre quem deveria ser nomeado acompanhante de seu Pai, de um lado e, de outro, declarasse, sendo caso disso, se aceitava ser indicado como protutor no conselho de família a constituir, na hipótese de ser decretado o acompanhamento de seu Pai.
4. A 8 de janeiro de 2022, o filho CC veio pronunciar-se sobre as referidas questões, requerendo “- caso o presente processo avance - que seja designado tutor e acompanhante do seu pai, caso este não esteja com capacidade de poder efectuar essa escolha. Pelo que, o requerido CC se opõe a que seja designado protutor.”
5. Após várias diligências instrutórias, a 11 de julho de 2022, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu o seguinte despacho:
“concede-se até ao final do dia 14/07/2022 para que o requerente AA, o filho CC e o MP se pronunciem, querendo e face à prova produzida, quanto à(s) pessoa(s) a nomear para o cargo de Acompanhante(s) (se dois poderá ponderar-se a eventual nomeação para diferentes funções ou em regime de rotatividade). Decorrido aquele prazo, conclua de imediato a fim de ser proferida sentença.”
6. Por sentença proferida a 15 de julho de 2022, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu, na parte que ora importa, a) decretar o acompanhamento do Pai, BB, com representação geral, incluindo a administração total do seus bens (…); c) nomear, para exercer as funções de seus acompanhantes, os filhos AA e CC, em regime de rotatividade trimestral, a contar do trânsito em julgado da sentença, iniciando-se o primeiro trimestre com o filho AA (…); d) dispensar a constituição do conselho de família; e) fixar o mês de maio de 2020 como a data a partir da qual as medidas decretadas se revelaram convenientes.
7. A 2 de agosto de 2022, o filho CC, identificando-se como acompanhante, interpôs recurso de apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que o Tribunal de 1.ª Instância fixou o mês de maio de 2020 como data a partir da qual as medidas decretadas se revelaram convenientes, para que, em sua substituição, se fixasse a data de 26 de setembro 2020.
8. Por despacho de 6 de setembro de 2022, o Tribunal de 1.ª Instância admitiu o recurso de apelação interposto pelo filho CC para o Tribunal da Relação de Lisboa.
9. Todavia, por despacho de 28 de setembro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa notificou o Recorrente CC, o Requerente e o Ministério Público para, querendo, no prazo de dez dias, dizerem o que se lhes oferecesse a propósito do entendimento do Senhor Desembargador-Relator sobre a manifesta falta de legitimidade do Recorrente, i.e., sobre um motivo de não conhecimento do objeto do recurso (arts. 652.º, n.º 1, al. b), e 655.º, n.º 1, do CPC). Com efeito, em sua opinião, do disposto no art. 901.º do CPC – segundo o qual “da decisão relativa à medida de acompanhamento cabe recurso de apelação, tendo legitimidade o requerente, o acompanhado e, como assistente, o acompanhante” – decorre que “o acompanhante assume uma posição de parte acessória no recurso, auxiliando o acompanhado recorrente”1 e que “o recurso pode ser interposto pelo […] acompanhado, tendo o acompanhante como assistente.”2.
10. Isto significa que o acompanhante não tem, por si, legitimidade para recorrer da decisão final proferida no processo. Tem legitimidade, num recurso, apenas para auxiliar a pretensão do recurso que o acompanhado interponha. Por isso, o acompanhante não tem legitimidade para separadamente impugnar a parte daquela decisão que se reporta à fixação do início da incapacidade.
11. A 13 de outubro de 2022, o filho CC veio dizer nos autos, em síntese, e com numeração do Tribunal da Relação de Lisboa, que:
«(i) o acompanhante nunca atua em defesa dos seus próprios interesses ou direitos, mas sim na defesa do pleno exercício de todos os direitos do acompanhado, conforme previsto no artigo 140.º do CC. (ii) impedir o acompanhante de interpor recurso na defesa da personalidade e dos direitos pessoais e patrimoniais do acompanhado, colide frontalmente, com o princípio do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º da Constituição (CRP). (iii) o art. 631.º/2 do CPC prevê que “as pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”. (iv) o STJ já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria, em acórdão proferido em 14/01/2021, directamente relacionado com matéria do maior acompanhado, no processo 4285/18.8..., que reconheceu legitimidade para recorrer aos que podem ser directa e efectivamente prejudicados pelas decisões, nos termos do art. 631.º/2 do CPC, não obstante não serem parte na acção. (v) o recorrente até é parte na acção, o que, por maioria de razão, o seu recurso deve ser legal e constitucionalmente admitido. (vi) o acompanhante nem sequer actua, em nome próprio, mas sim na defesa da personalidade e dos direitos pessoais e patrimoniais do acompanhado, porque está em causa a anulação de actos livre e conscientemente praticados pelo acompanhado em Junho de 2020 e que a decisão recorrida não teve em conta, desrespeitando e colocando em crise uma vontade livre e conscientemente manifestada pelo acompanhado em escritura pública outorgada nessa data; (vii) negar a possibilidade de recurso ao acompanhado, quando este o faz através do seu acompanhante designado pelo próprio tribunal, é inconstitucional; é evidente que o acompanhante/recorrente, recorre como assistente do acompanhado; nem outra coisa resulta do recurso nem tal resulta da interpretação do artigo 901º, desde que essa interpretação seja efectuada em conformidade com a Constituição; (viii) a interpretação extremamente restritiva do artigo 901.º do CPC efectuada pelo relator é assim inconstitucional, por violação do artigo 20 e também do art. 13 e, por arrastamento, do art. 1, todos da CRP: impedir o recorrente de recorrer de uma decisão quando essa prerrogativa é dada ao requerente e deixa de fora o acompanhante é, a todos os títulos, inconstitucional, porque, essa interpretação, extremamente restritiva, não trata de igual modo o requerente, o acompanhante e o próprio acompanhado; porquanto o acompanhado – só através da intervenção do seu acompanhante pode fazer valer os seus direitos e interesses legalmente protegidos; a dignidade humana do acompanhado é posta em causa quando a sentença recorrida pretende não respeitar uma vontade livre e conscientemente manifestada pelo acompanhado em escritura pública outorgada em Junho de 2020.”
12. A 21 de outubro de 2022, foi proferido despacho de não admissão do recurso interposto pelo filho CC, como acompanhante, por manifesta falta de legitimidade (arts. 901.º e 652.º, n.º 1, al. b), do CPC), que, além de pressupor o que já havia sido afirmado no despacho anterior, apresentou ainda a seguinte fundamentação:
“O filho CC é um acompanhante e recorreu como acompanhante. Ele não disse recorrer como representante do acompanhado. E como o artigo 901 do CPC distingue, para efeitos de recurso, as qualidades de acompanhado e de acompanhante, ele teria que, a entender que estava a recorrer como representante do acompanhado, ter invocado essa qualidade, o que não fez. Não o tendo feito, é na qualidade que invocou que tinha de ser considerado o requerimento de recurso subscrito por ele.
De resto, o recorrente não invocou a qualidade de representante do acompanhado porque não o podia fazer: ele não é um acompanhante em exercício de funções e não é o único acompanhante nomeado. Estando os dois acompanhantes em desacordo quanto à interposição do recurso, há normas legais que dão solução ao problema, e seria a essa solução que o filho CC teria que ter recorrido, a querer impugnar a decisão em nome do acompanhado, em vez de ultrapassar o problema interpondo recurso como se fosse ele o único acompanhante.”
Posto isto,
Quanto a (i): está errado e é contraditório com o que consta de (iii) e (iv): é evidente que o acompanhante pode ter interesses próprios a defender, o que aliás é pressuposto pela extensão da legitimidade para o recurso que decorre do art. 631/2 do CPC; nestes casos, o acompanhante pode recorrer, como tal, mas com base nessa norma, e não no art. 901 do CPC. Note-se que ao invocar a norma do art. 631/2 do CPC e aquele acórdão do STJ em causa, o recorrente afinal está a pressupor que é ele o prejudicado e não o acompanhado, pelo que não seriam os interesses deste que ele estaria a querer defender. Seja como for, é ainda errado invocar para o caso o acórdão do STJ, porque ele se refere a uma situação que nada tem a ver com o caso, pois que a acção daquele recurso foi julgada improcedente e por isso nem sequer chegou a haver acompanhado.
Quanto a (ii): não se está a impedir o acompanhante de recorrer em defesa dos interesses do acompanhado, está-se a impedir o acompanhante de recorrer autonomamente em nome próprio.
Quanto a (iii) e (iv): como já decorre do que antecede, a norma do art. 631/2 do CPC não tem nada a ver com o recurso dos...
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